A pandemia tem marcado o ritmo das reclamações dos consumidores. Em menos de três meses, entre 1 de janeiro e 10 de março, chegaram à Deco 86.107 queixas, uma subida de 15,3% face ao ano anterior. O aumento das faturas da luz, resultado do consumo de eletricidade mais elevado de sempre em janeiro, as compras online que não chegam e não se consegue o reembolso atempado, ou a demora na reposição de serviços de telecomunicações são queixas que têm chegado à associação. E que, considera a Deco, neste Dia Mundial dos Direitos dos Consumidores, deveriam levar as empresas a retirar lições. "Hoje se um apoio técnico (de telecomunicações) me disser que vai levar três dias a restabelecer o serviço - o prazo na maioria dos contratos é de 48 a 72 horas - são três dias sem trabalho e sem escola. Há uma necessidade de acomodar as necessidades diferentes destes consumidores", diz Ana Sofia Ferreira, jurista da associação para a defesa do consumidor.
Hoje o país começa a reabrir a conta-gotas, mas na Deco as queixas com o aumento da fatura de eletricidade começaram a chegar logo com as primeiras contas de janeiro. A energia - um dos setores com mais reclamações em 2020 - manteve neste ano a associação ativa, em muitos casos também devido às moratórias dos serviços essenciais, que proíbem os operadores de luz, gás, água e telecomunicações de cortar o serviço por falta de pagamento até 30 de junho. "É importante que os consumidores saibam que os fornecedores não podem interromper fornecimento por falta de pagamento e que seja encontrado um acordo de pagamento que seja adequado aos rendimentos atuais dos consumidores", defende a jurista.
A Deco aconselha os consumidores a não acumular faturas não pagas e a procurar um acordo com os fornecedores de energia, ao mesmo tempo, que "sensibiliza os comercializadores para continuar o diálogo com os consumidores para que, mesmo depois de junho, continuem a aceitar planos de acordo de pagamento".
O turismo, transporte aéreo e os espetáculos são outras áreas a que a Deco está atenta. "A movimentação de pessoas e a realização de espetáculos não vai ser feita em moldes totalmente normalizados. Se existir novamente a impossibilidade de os consumidores poderem usufruir deles vamos ter situações complicadas: nestes reagendamentos, se existir cancelamento o consumidor tem direito ao reembolso, e os vouchers das agências de viagens, se não forem gozados até 31 de dezembro, dão direito ao reembolso em janeiro de 2022", lembra.
E no transporte aéreo há casos que se arrastam. "Temos consumidores com cancelamentos de 2020, não aceitaram o voucher ou reagendamento, que já obtiveram das transportadoras indicação de que o reembolso iria ser processado, e ainda não receberam o dinheiro. O maior número de reclamações é da TAP", diz.
Se em 2020, depois das telecomunicações, as compras foram a área o setor com mais reclamações na Deco, muito à conta do boom do comércio online, no arranque de 2021 - e de novo confinados e mais dependentes deste canal - "apesar da maior aprendizagem" das marcas e transportadoras, as queixas não se fizeram esperar. "Recebemos muitas queixas de ausência de resposta e dificuldade de acesso ao atendimento ao cliente, seja das empresas distribuidoras, seja dos vendedores. Para consumidores isolados e confinados isso é altamente preocupante. A encomenda não é entregue e o consumidor não recebe o seu dinheiro", diz a jurista. "As empresas, no serviço pós-venda ao cliente, devem fazer um esforço. Até porque a tendência de comprar online veio para ficar."
Das 36.724 reclamações recebidas pelo Portal da Queixa desde o início do ano - uma subida de 108% - a categoria de Correio, Transporte e logística recebeu 7698 queixas. Foi o setor que gerou maior descontentamento, com uma subida de 298%. "A relação entre marcas e clientes é cada vez mais digital. Todos os setores que se relacionam através do comércio eletrónico, ganham terreno e juntamente com esse crescimento vêm as reclamações", comenta Pedro Lourenço, CEO do Portal da Queixa. Por exemplo, com os ginásios encerrados, os consumidores compraram equipamentos online criando "enorme pressão" sobre a gestão de stocks e logística. Foi o setor que mais cresceu em queixas face ao ano passado: uma subida de 389%, para 1472 queixas.