A 10 de dezembro de 2020, a Comissão Europeia recebeu da parte do governo português o plano de reestruturação da TAP. Um ano depois, esse plano ainda não teve luz verde, esperando a empresa que tal possa acontecer até ao Natal. Mas, ainda assim, a companhia está já mais magra, com menos pessoal e menos aviões. Aos poucos, e à medida que as economias retomaram alguma normalidade, a transportadora foi reabrindo rotas, mas o tráfego ainda não recuperou para os níveis pré-pandémicos. O governo acredita que a TAP "está agora melhor preparada" para enfrentar os desafios que possam surgir do que há um ano.
Na data limite - 10 de dezembro de 2020 -, Lisboa enviava a Bruxelas a reestruturação da TAP. Um dia depois, o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, dava conta de alguns dados que constavam do documento. O plano previa um emagrecimento da TAP, devendo despedir cerca de dois mil trabalhadores, aplicar reduções salariais, cortar na frota de aviões, e as necessidades de financiamento estimadas eram superiores a três mil milhões de euros.
Um ano depois, a TAP tem, de facto, menos pessoal. As negociações com as estruturas sindicais permitiram a implementação de cortes salariais até 2024 a todos os trabalhadores, e fez diminuir o número de funcionários a terem de ser despedidos.
Por outro lado, foram disponibilizadas medidas voluntárias - tendo a rescisão por mútuo acordo sido a mais escolhida - que permitiram a saída de várias dezenas de tripulantes, pilotos, membros das equipas técnicas e de manutenção e pessoal de terra. Ainda assim, a companhia efetuou um despedimento coletivo, que abrangeu cerca de 70 pessoas. No final de setembro deste ano, e segundo os dados reportados à CMVM, a TAP tinha 6690 trabalhadores.
Em dezembro passado, Pedro Nuno Santos mostrava-se confiante que as negociações com Bruxelas poderiam ficar concluídas no primeiro trimestre deste ano. Tal não se verificou e em meados de julho a Comissão Europeia deu início a uma investigação para aferir se a ajuda que Portugal pretende dar à transportadora está de acordo com as regras comunitárias no que diz respeito aos auxílios de Estado dados a empresas em dificuldade. Contactada, fonte oficial diz que "a investigação decorre" e que "não pode antecipar o tempo ou desfecho".
Todas as companhias europeias que receberam apoio dos seus governos para fazer face ao descalabro provocado pela pandemia tiveram de reduzir a sua operação, perdendo assim slots - faixas horárias que permitem a descolagem e aterragem de aeronaves. Essa receita deverá ser também passada à TAP, até porque o ministro Pedro Nuno Santos já admitiu que a companhia vai perder faixas, embora sem quantificar.
Efeitos da pandemia
Passados 12 meses, a TAP está mais delgada, mas sente ainda os fortes efeitos da pandemia, apesar de a retoma da atividade ter dado sinais neste verão de estar a entrar nos eixos. Para já, ainda é cedo para perceber que efeitos a nova estirpe da covid-19, a Ómicron, vai ter na aviação civil e, em particular, na empresa portuguesa. O certo é que até setembro, a TAP acumulou prejuízos de mais de 627 milhões de euros.
Ao Dinheiro Vivo, fonte oficial do gabinete de Pedro Nuno Santos diz que passado este ano, "temos uma TAP que já iniciou o processo de recuperação, com o apoio e esforço de todos os trabalhadores, estando atualmente a operar a 80% do registado em 2019. A gestão está entregue a profissionais, uma equipa com experiência e reconhecida pela sua capacidade. A TAP vai enfrentar muitos desafios, mas está agora melhor preparada do que há um ano".
Em 2020, a TAP voltou ao controlo do Estado, que passou a deter 72,5% do seu capital. Com esta mudança, Antonoaldo Neves deixou os comandos da companhia. Ramiro Sequeira, diretor de operações, assumiu de forma interina o cargo de presidente executivo. Neste verão, e após um processo de seleção, a francesa Christine Ourmières-Widener assumiu a presidência executiva. Ramiro Sequeira regressou às operações.
Pedro Castro, consultor da Skyexpert, empresa que é especializada em aviação comercial, defende que "é muito difícil julgar" qual o efeito para a TAP da inexistência de aprovação do plano de reestruturação e aponta dois motivos. O primeiro é que "não foram divulgados, nem comunicados detalhes do plano de reestruturação", sendo apenas do conhecimento público alguns detalhes. "Creio que justamente um ano depois do envio para Bruxelas, deveriam ser tornados públicos todos os detalhes sobre este plano sob ameaça de estarmos perante um caso de investimento público gigantesco - já se injetou o equivalente a quase três orçamentos anuais da cidade de Lisboa ou um quarto da despesa anual de Estado com a saúde numa única empresa", diz.
Aponta ainda que, para já, não existe "efeito nenhum. A TAP, em 2021, abriu oito destinos, dois dos quais de longo-curso, algo que exige enormes recursos de uma empresa - por exemplo, o destino de Cancún ou de São Francisco, pelas suas poucas frequências semanais, coloca as tripulações em longas estadias do outro lado do mundo, sendo esse longo período de ausência pago com ajudas de custo elevadas". Acrescenta que "nenhum dos novos destinos de 2021 beneficiou o turismo para Portugal, uma das grandes razões invocadas para justificar a injeção de dinheiro público".
Perda de slots
A perda de slots, em particular no aeroporto de Lisboa, deverá ser uma das medidas que a Comissão Europeia quererá ver implementada. Ainda nesta semana, a Ryanair - uma das vozes mais críticas ao apoio à TAP - defendeu que a transportadora deveria perder mais de duas centenas de slots por semana e que se conseguisse ficar com essas faixas reforçaria a operação em Portugal. "Achamos que a TAP devia libertar 250 slots por semana", disse Michael O"Leary, em conferência de imprensa, em Lisboa. À margem, afirmou que se tivesse mais faixas horárias em Lisboa - porque defende que a TAP tem faixas a mais na capital - "criaríamos mais frequências para as rotas existentes e novos destinos".
Pedro Castro defende que "a TAP já deveria ter perdido slots há muito tempo. Há já um ano que sabemos que a TAP reduziu a sua frota e que, por força de razão, não terá frota para garantir os slots do passado. No entanto, a TAP agarra-se a uma regra de suspensão da devolução de slots que não foi pensada para este abuso".
Referindo-se ao alívio das regras para as faixas horárias - antes da pandemia tinham de utilizar pelo menos 80% para manter os direitos sobre elas -, o consultor acrescenta que "essa regra só faz sentido para companhias que, assim que possível, vão restaurar a mesma capacidade que tinham anteriormente. No caso da TAP, é evidente que isso não será o caso porque, já sabemos, a frota será mais reduzida".
A Ryanair estimou também nesta semana que, em 2022, será a companhia a transportar mais passageiros para Portugal. Questionado se a TAP tem capacidade para disputar mercado e competir taco a taco com empresas como a Ryanair na conquista de passageiros, o gabinete de Pedro Nuno Santos reitera que são modelos de negócio diferentes.
"A TAP é uma empresa com um modelo de negócio diferente do das companhias de baixo custo, focadas na curta distância. A TAP tem o seu modelo de negócio preparado para operações de elevado rendimento, nomeadamente as viagens transatlânticas. O foco da TAP é a criação de valor para o país", diz. Por outro lado, e inquirido se a empresa pode precisar de mais apoio devido à nova vaga da pandemia, cujos efeitos não são claros, fonte oficial do Ministério das Infraestruturas responde que, "perante a informação disponível, o Plano de Reestruturação não sofreu nenhum aumento de dotação financeira face ao inicialmente previsto".
Casamento à vista?
Antes da pandemia, foi noticiado que haveria um interesse da gigante Lufthansa na TAP. Uma entrada da companhia alemã será, segundo várias notícias, bem vista pelo atual governo. A companhia de bandeira da Alemanha também foi apoiada por Berlim, mas já devolveu as ajudas de Estado que recebeu. O governo, sobre uma possível aliança com outra empresa europeia, diz apenas que "a TAP tem desenvolvido de forma ativa a sua lógica de parcerias com outras companhias aéreas".