Reglobalização

Publicado a

Foram os países ibéricos que no século XVI deram origem ao fenómeno conhecido por globalização. Desde então a trajetória nem sempre foi linear, mas a tendência geral conduziu a um alargamento dos mercados e a uma crescente integração das cadeias de valor.

Houve, como é óbvio, fases de abrandamento e mesmo de retrocesso, vivendo-se atualmente uma delas - pode-se, por isso, afirmar que atravessamos um período de desglobalização. Olhando apenas para os anos mais recentes, a tensão comercial entre os EUA e a China (que, na realidade, se insere numa guerra geopolítica pela supremacia mundial), o Brexit, a pandemia e, mais proximamente, a guerra na Ucrânia têm contribuído para um afastamento ou dissociação dos países e blocos políticos e comerciais que, em Inglês, se vem designando por decoupling.

Para além dos impactos económicos diretos, esta série de acontecimentos tende a dar alento a tudo o que são fenómenos de populismo político geralmente associados a estratégias protecionistas. Acontece que a história nos ensina que épocas de protecionismo geralmente acabam mal - causam tensões que, com frequência, conduzem à tentação de resolver esse tipo de conflitos de interesses pela força das armas.

A desglobalização faz com que as empresas tendam a integrar-se em cadeias de valor mais regionais, reconfigurando as cadeias de fornecimento e de escoamento dos seus produtos. Há até quem afirme que se trata apenas de um abrandamento do processo de globalização e não de um verdadeiro retrocesso. A língua inglesa, sempre mais versátil para criar neologismos, designa este fenómeno por slowbalisation.

Isto não quer dizer que não possa haver pressões contrárias no sentido de um fortalecimento da globalização - não da "velha", mas de novas formas de operar em mercados globais. A crescente internacionalização do talento através do recurso a plataformas digitais potenciadoras de múltiplos formatos de trabalho bem como o reforço das tecnologias de automação, robótica, impressão 3D e inteligência artificial estão a puxar o mundo no sentido de novos palcos de atuação.

Isto significa que aquilo a que verdadeiramente se assiste não é a uma desglobalização mas a uma reglobalização. Os atores, recursos e atividades estão a ser reconfigurados, mas não deixarão de operar à escala global. Aqueles que melhor e mais rapidamente se adaptarem a estes novos contextos serão os que estarão melhor posicionados na grelha de partida para o mundo que se avizinha.

Acresce que tudo isto ocorre tendo como pano de fundo a crise climática. Todos sabemos que "em tempo de guerra não se limpam armas", mas a verdade é que a resposta àquele desafio tem necessariamente de ser global. Desde o reforço da economia circular até à transição energética, há todo um conjunto de medidas que tem de ser coletivamente adotado para, pelo menos, abrandar o aquecimento global bem como todos efeitos dele decorrentes, mormente a subida do nível do mar, a imprevisibilidade e os fenómenos extremos.

Trata-se de reptos coletivos que exigem respostas coletivas. No entanto, os ventos políticos não parecem soprar nesse sentido. Estarão os líderes mundiais à altura dos desafios que todos temos pela frente?

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt