Regressar a África  

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O resultado das eleições nos EUA reforçou a ideia de transição para uma nova ordem mundial, em que o isolacionismo prevalece sobre o multilateralismo, o protecionismo tarifário sobre o comércio livre, as guerras comerciais sobre a cooperação económica. Depois de um mundo fortemente globalizado e interdependente, assistimos à criação de blocos económicos e geopolíticos ensimesmados, quase estanques, que entorpeçam as relações comerciais e as cadeias de fornecimento.

Ao arrepio desta nova ordem protecionista, foi organizado na semana que agora termina, nas Canárias, o Fórum Empresarial Iberoafricano. A CIP esteve representada neste encontro, demonstrando assim o seu empenho em reforçar a cooperação económica quer dentro do espaço ibérico, quer entre os países ibéricos e África.

Sobre o potencial das relações económicas entre Portugal e Espanha, já aqui falei noutro artigo. Importa agora realçar a importância, para o espaço ibérico e também para o resto da Europa, de uma aproximação a África, contrariando o protecionismo que está a ganhar força no mundo. A tendência para a desglobalização obriga a encontrar países e blocos mais disponíveis para cooperar, tendo em vista a diversificação de mercados, parceiros e investimentos. Acresce que, ao promover o desenvolvimento de África, se está a aliviar a pressão migratória sobre a Europa.

A presença histórica de Portugal e Espanha em África deixou marcas profundas. Nem tudo correu bem, como sabemos, mas prevalece uma memória histórica, um sentimento identitário, uma relação fraterna a unirem os dois povos ibéricos ao continente africano. O Tratado de Tordesilhas, que dividiu o mundo em duas áreas de influência (a leste para Portugal e a oeste para Espanha), parece definitivamente enclausurado no baú da história. Os vizinhos ibéricos estão genuinamente interessados em cooperar, investir e negociar com os países africanos, fazendo jus às ligações histórico-culturais que mantêm com alguns desses povos.

Embora muito desigual e com graves problemas socioeconómicos, o continente africano encerra boas oportunidades de negócio e investimento. Oportunidades que são vantajosas para as duas partes: para os países ibéricos, uma vez que África é um mercado em crescimento, uma reserva de matérias-primas e um continente jovem (70% abaixo dos 25 anos); e para os países africanos, que veem no investimento estrangeiro uma via para minorar as suas carências e promover o desenvolvimento.

Para se ter uma ideia, o continente africano é composto por 54 países, que perfazem uma área de 30,37 milhões de km2 e uma população de 1,4 mil milhões de pessoas. O PIB é de aproximadamente 2,7 biliões de dólares, as reservas minerais representam 30% do total mundial e o setor industrial está a crescer em alguns países. África ainda apresenta muitas fragilidades infraestruturais, um défice de qualificação humana e evidentes atrasos tecnológicos, sendo que tudo isto pode ser mitigado com investimento internacional.

Portugal e Espanha podem criar pontes entre UE e os países africanos, funcionando a Península Ibérica como um hub de investimento, comércio e negócios com África. Mais do que intermediários, os vizinhos ibéricos devem ser protagonistas no fortalecimento das relações da Europa com o maior continente do Hemisfério Norte. Neste pressuposto, e enquanto país de vocação universal e dimensão atlântica, Portugal tem condições histórico-culturais para assumir um papel central nas novas relações UE-África. Sem nostalgia nem autoflagelação pelo passado.

Presidente da CIP

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