“Rir é o melhor remédio?” - Quando as Marcas Nos Fazem Sorrir (e Refletir)

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Nos últimos dias, um debate sobre os limites do humor ocupou as manchetes em Portugal, reacendendo uma discussão necessária: até onde pode ir a piada, e como é que as marcas podem (e devem) usar o humor para criar ligações positivas com o seu público?

O humor é uma das ferramentas mais poderosas de comunicação. Quando bem utilizado, quebra barreiras, humaniza as marcas e cria memórias afetivas. No entanto, quando mal interpretado ou levado longe demais, pode gerar divisões. O caso recente envolvendo a conhecida humorista Joana Marques e os não menos conhecidos “Anjos” mostrou como a linha entre o engraçado e o ofensivo pode ser ténue, ou como aquilo que é divertido para uns pode magoar outros. Acima de tudo, relembrou-nos que o humor deve unir, criar associações positivas e alavancar o potencial de criação de valor. E fez-nos pensar que limites inflexíveis de sensibilidade e de melindre podem, ao contrário do que se pretendia, resultar num enfoque nas associações negativas. E, nestes casos, nem se cai em graça, nem se é engraçado, e todos saem a perder.

Foquemo-nos então nos bons exemplos. Algumas marcas nacionais parecem entender na perfeição que o humor, quando aliado ao respeito e à criatividade, é uma forma de conquistar o público e de deixar um lastro de memórias agradáveis que vale a pena explorar. Algumas marcas conseguem mesmo criar a expectativa junto da sua audiência acerca daquele que vai ser o seu próximo slogan, a sua nova abordagem à clique do momento... Numa cultura de alto contexto, como é o caso da portuguesa, a marca Licor Beirão é um bom exemplo de campanhas que brincam com o duplo sentido e a tradição portuguesa: a marca Licor Beirão soube usar o humor para se manter relevante. Quem não se reconhece nas tradicionais campanhas de Natal em que a marca parodia com a tia que oferece sempre um pijaminha, que a marca incentiva, depois, a trocar por uma garrafa de Beirão? (“O que fazer com os presentes que não queremos?”)

Outro exemplo nacional que faz referência ao humor português chega-nos do Porto. A Super Bock usa alegações descomplicadas e, frequentemente, plenas de personalidade. O apelo à amizade, ao convívio e à autenticidade estão no ADN da marca, que consegue ser engraçada sem nunca cair no ofensivo. No caso da Super Bock o humor é subtil, assente sobretudo em interações sociais comuns, mas relevantes. Campanhas que usam a simplicidade e a ironia tipicamente portuguesas conseguem criar identificação imediata. É o caso da campanha “Pelas amizades que não querem ser outra coisa.” – dispõe bem, toca em temas do dia-a-dia e faz-nos sorrir quando nos vemos um muitos dos cenários ali retratados.

E não apenas as marcas nacionais parecem ter sabido aproveitar o bom humor português com anúncios que retratam a vida doméstica de forma cómica e exagerada. Há relativamente pouco tempo a Ikea brindou-nos com uma série de campanhas que beneficiaram da polémica do momento. Foi o caso das estantes do escritório do chefe de gabinete do primeiro-ministro onde se encontraram 75.800 euros! (“Boa para guardar livros. Ou 75.800€.”) Quem resistiu a partilhá-la no calor do acontecimento?

Durante a ditadura, os portugueses aperfeiçoaram a arte do humor subtil. Com a censura a controlar cada palavra, o riso escondia-se nas entrelinhas, nos ditos populares e nos slogans aparentemente inocentes. Era uma forma de resistência — rir para não chorar. Alguns exemplos dessa época (e de outras mais recentes) mostram como o duplo sentido e a ambiguidade se tornaram marcas do humor português. "Há mar e mar, há ir e voltar" (uma frase que podia ser sobre pesca… ou sobre a saudade dos emigrantes), mas que ficou conhecida numa campanha de marketing social a apelar a comportamentos responsáveis nos banhos de mar; "Quem tem um amigo, tem um pneu" (slogan da Mabor que brincava com a confiança e a resistência); "Não há duas sem três" (usado em campanhas de cerveja, mas que podia aplicar-se a muitas outras coisas..).

Este legado mostra que o humor português sempre foi inteligente, obrigando o público a ler nas entrelinhas — uma herança que algumas marcas souberam aproveitar. Fazer rir é uma arte, e usar o humor em publicidade exige equilíbrio. Uma piada mal calculada pode alienar o público, mas uma campanha bem conseguida cria laços duradouros. O segredo está em conhecer o público a quem nos dirigimos pois o que faz rir um português pode não funcionar com outros; não humilhar: o humor deve unir, nunca marginalizar; saber o timing certo: uma piada forçada perde toda a graça, mas aproveitar o momento pode valer a pena e compensar um esforço last mile.

O humor em Portugal tem raízes profundas, moldadas pela história e pela cultura. Se antes era uma forma de resistência, hoje é uma ferramenta de aproximação — e as marcas que o usam bem saem a ganhar. No final do dia, o melhor humor é aquele que deixa todos a rir, e tem a maestria de não ferir susceptibilidades, criando assim uma marca no coração das pessoas. Porque, quando bem feito, rir é mesmo o melhor remédio.

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