
A Alemanha, a terceira maior economia do mundo, é um dos parceiros económicos históricos de Portugal, ocupando um lugar cimeiro como destino das exportações portuguesas (turismo incluído) e um lugar de topo como investidor estrangeiro, saliente sobretudo, desde meados dos anos 80 do século passado, quando abriu a grande fábrica Autoeuropa, em Palmela, principal âncora do valioso cluster automóvel nacional.
Mas há problemas a fermentar que podem prejudicar ou baixar a intensidade desta relação ou, pelo menos, provocar compassos de espera. Vendas que podem adiadas, investimentos que pode entrar em pausa, até a situação desanuviar.
Portugal está vulnerável porque a Alemanha é o terceiro maior mercado dos exportadores portugueses (a seguir a Espanha e França), absorvendo quase 11% dos produtos made in Portugal.
No total (bens e serviços), estamos a falar de um mercado gigantesco avaliado Gabinete de Estratégia e Estudos (GEE) do Ministério da Economia em quase 14 mil milhões de euros em exportações por ano (2023) repartidos por 8,2 mil milhões de euros em produtos (mercadorias) e o resto (5,8 mil milhões) em serviços, onde se destacam o exuberante turismo.
Segundo a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP), "na estrutura das exportações portuguesas de bens destacam-se em 2023 os mercados de Máquinas e Aparelhos (29,5%), Veículos e Outro Material de Transporte (18,8%), Instrumentos de Ótica e Precisão (10,3%), Plásticos e Borracha (7%)".
Ainda nas exportações, mas na componente dos serviços, aparece como segundo maior mercado gerador de turismo (a seguir ao Reino Unido).
O Instituto Nacional de Estatística (INE) a contabilizar mais de seis milhões de turistas (hóspedes) que escolheram Portugal para pernoitar (hotéis e outros alojamentos) durante todo o ano passado, marca que será claramente batida este ano pois até setembro, o país já recebera a visita de cinco milhões de alemães.
Investimento alemão sob pressão
Depois a vulnerabilidade talvez mais crítica e de maior repercussão a prazo, no desenvolvimento português: o investimento.
A Alemanha tem investidos em Portugal (o stock apurado pelo Banco de Portugal no final do primeiro semestre deste ano) mais de oito mil milhões de euros, valor que tem batido máximos históricos sucessivos, mesmo com a estagnação inevitável que aconteceu no primeiro ano da pandemia (2020).
É o sétimo maior investidor estrangeiro em Portugal, numa lista que costuma ser liderada por Espanha e França.
Segundo a Embaixada da Alemanha em Portugal, haverá atualmente cerca de 400 empresas de capital originariamente alemão, que empregam perto de 50 mil trabalhadores. A maior parte destas operações ocorrem na indústria transformadora tecnologicamente mais avançada.
De acordo com a AICEP, olhando apenas para a indústria pura, a Alemanha surge como o "maior investidor estrangeiro".
Volkswagen Autoeuropa, Bosch Car Multimedia Portugal, Continental Mabor, Mercedes-Benz Portugal, BMW Portugal, Siemens, são algumas das maiores operações empresariais, só para citar nomes sonantes e familiares dos portugueses.
"Portugal recebeu investimentos de grandes empresas alemãs, tais como a Volkswagen (Autoeuropa), Siemens (desde 1905 em Portugal), Infineon, Epcos, Bosch/Blaupunkt, Continental (Mabor), mas também de muitos fabricantes de renome da fileira moda (calçado e confecção), como por exemplo a Gabor, Ara Shoes e Priess Modelle, que encontraram no nosso país (nos anos sessenta e setenta do século passado) uma localização excelente para investimentos industriais. Também as grandes empresas alemãs do sector metalomecânico e de subcontratação (Edscha, Mahle, Kromberg & Schubert, Preh-Werke, HUF, Leica, Benteler e Grohe, etc.) instalaram fábricas em Portugal", diz a AICEP.
“Tem de se adaptar aos novos tempos”
Vários economistas avisam que Alemanha pode demorar a sair da atual armadilha da estagnação e recessão, de baixo potencial de crescimento uma vez que precisa de se reinventar novamente, fazer investimentos estruturais que estão em falta, reduzir a dependência ainda elevada em relação ao gás e ao petróleo.
"A Alemanha deve adaptar o seu modelo económico para se adaptar aos novos tempos", afirma o gabinete de estudos do banco BPI.
"Na década anterior à pandemia, o desempenho económico da Alemanha foi impulsionado por políticas bem-sucedidas destinadas a promover as Pequenas e Médias Empresas (PME), pelo dinamismo do sector industrial assente no fornecimento barato de gás russo, pela capacidade de produzir bens de alta qualidade, especialmente automóveis, e pela forte orientação para a exportação".
"Este modelo está, no entanto, ameaçado pelo abrandamento do comércio mundial, pelas guerras aduaneiras, pela emergência de novos rivais (nomeadamente a China) e pelo fim do acesso ao gás russo", avisam os mesmos analistas.
Quem está radicado na Alemanha está mais inquieto. É o caso de Klaus Wohlrabe, economista sénior do influente Instituto de Estudos Económicos (Ifo), sediado em Munique.
"A percentagem de empresas alemãs que temem profundamente pela sua sobrevivência económica aumentou para 7,3%", conclui o novo estudo. "É provável que o aumento constante das insolvências empresariais na economia alemã se mantenha", afirma o economista.
"Para além da falta de encomendas, a crescente pressão competitiva internacional está a perturbar de tal forma muitas empresas que estas vêem o seu futuro gravemente em risco”, acrescenta Klaus Wohlrabe.
"O número de insolvências empresariais está muito acima do nível dos anos anteriores", "a falta de encomendas em todos os sectores está a conduzir a consideráveis estrangulamentos de liquidez" e, ao mesmo tempo, "a combinação entre os elevados custos da energia e a crescente concorrência internacional está também a ter um impacto particularmente negativo".
O medo de não sobreviver afeta principalmente "a indústria transformadora, onde 8,6% das empresas reportam graves problemas económicos, quando no ano passado, o número foi 6,4%".
A Alemanha, sabe-se agora através da Comissão Europeia, terá caído novamente em recessão, em 2024, com um deslize de 0,1%, naquele que é o terceiro retrocesso económico em cinco anos, apenas.
O primeiro foi em 2020 por causa da pandemia, o segundo foi em 2023, quando ficou exposta a fratura inflacionista provocada pelo aumento dos preços da energia (muita dela russa) e, já este ano, (como no precedente), por causa da fragmentação no comércio mundial e com o fosso crescente entre Ocidente e amigos da NATO e outros (China, Rússia, etc.). A Alemanha é um exportador nato, por assim dizer.
Para Portugal, trata-se de uma situação delicada por causa dos impactos diretos que acontecem por diversas vias.
A mais crítica é a do comércio externo. A relação muito antiga entre Alemanha e Portugal radica num modelo de captação de investimento (cá), sobretudo em indústrias de alta intensidade tecnológica, que depois exportam quase tudo o que produzem para o mercado alemão e o resto do mundo.
Luís Miguel Ribeiro, presidente da Associação Empresarial de Portugal (AEP), descolou-se a Estugarda esta semana para participar na Automotive Interiors Expo, "uma importante feira do setor da Europa onde está representada a cadeia de valor da indústria automóvel especializada em componentes e sistemas de interiores automóveis". Com ele foram quatro empresas: Bramp, Fehst, Maxiplás, Trim NW.
Ainda há algum otimismo no ar. “A Alemanha é um dos principais parceiros de Portugal, contudo, é recomendável uma abordagem estratégica, estruturada e persistente ao mercado. Em termos de oportunidades de negócios, é um mercado interessante para a economia digital, soluções energéticas, mobilidade e transportes, saúde, vestuário, têxteis, calçado, semicondutores, entre outros" e, além disso, tem "um elevado poder de compra", remata o responsável empresarial.
Rating máximo, dívida baixa, economia à defesa e política ao ataque
O Governo da “coligação semáforo” caiu porque não houve consenso para aumentar despesa e dívida. Economistas dizem que é um bocado inevitável abrir os cordões ao orçamento, sobretudo, no setor militar e devido à ameaça russa. “Lacuna” de investimento da Alemanha nesta área pode rondar 230 mil milhões de euros, diz um especialista do país.
Depois de anos de hegemonia económica e de estabilidade política (a era Angela Merkel que durou quase 20 anos, de 2005 a 2021), a Alemanha hoje, apesar da queda do muro, é uma país dividido e com contrastes cada vez mais vincados.
As Finanças Públicas estão numa posição invejável, tendo em conta a necessidade de agir e de lançar medidas que contrariem os efeitos dos choques externos que ainda hão de surgir num futuro próximo.
Rating máximo, dívida baixa (das mais reduzidas entre as maiores economias do mundo), uma capacidade orçamental que está agora, por causa da estagnação e recessão interna, no centro de uma disputa política, com as forças mais extremas de direita no governo (que entretanto colapsou) a pedir ainda mais restrição financeira ao Estado federal.
Num país que precisa de relançar e reinventar a economia, investir e inovar mais, que quer apoiar ao máximo a Ucrânia, que quer ser um líder mundial na despesa militar no âmbito da NATO (para tentar responder à fúria do Presidente-eleito dos EUA, Donald Trump), haver tamanha disputa sobre se se deve usar ou não a margem orçamental existente e aliviar o travão da dívida é algo que aquece o debate político e económico e que cava o fosso entre o centro-esquerda e a direita mais liberal ou radical que esteve no governo até há poucos dias.
O Governo germânico, através da sua Embaixada em Portugal, explica que a demissão do ministro das Finanças, Christian Lindner, pelo chanceler federal, Olaf Scholz, a 6 de novembro passado, significa que a chamada "coligação semáforo” entre SPD (socialistas), Aliança 90/Os Verdes (Partido Verde) e FDP (Partido Democrático Liberal, liderado por Lindner), "fracassou após três anos".
O serviço diplomático explica que "o chanceler Scholz deixou claro que a sua confiança em Lindner foi quebrada" a partir do momento em que o ministro se recusou a fazer um orçamento mais orientado para a despesa por, alegou, ir assim violar a regra constitucional alemã relativa ao endividamento público. "A demissão de Lindner foi necessária para evitar inflingir danos sobre o país”, disse Scholz.
As eleições federais estão agora marcadas para 23 de fevereiro de 2025. Se Scholz for reeleito, algo que não está nada garantido, a ideia será "usar os fundos [públicos] para reforçar a ajuda à Ucrânia e elaborar um pacote de apoio à economia alemã", que permita "baixar os preços de energia" e "premiar o investimento".
Travão da dívida vai ser difícil de desarmar
Niklas Steinert, analista principal da agência de rating Standard & Poor's não tem dúvidas: a Alemanha pode gastar mais para levantar a economia, mas não sem contenda política nos próximos meses.
"O travão da dívida pode continuar a complicar a formulação de políticas após as eleições antecipadas", sendo também verdade que "uma política orçamental conservadora" como essa "pode complicar os investimentos públicos e o crescimento económico a longo prazo", receia o economista.
"Atualmente não esperamos alterações no quadro orçamental, mesmo depois de eleições" e "o travão da dívida irá, muito provavelmente, continuar a determinar a disciplina orçamental que tem caracterizado a Alemanha" nas últimas décadas.
"Consideramos que as métricas de crédito da Alemanha são fortes" o que permite à S&P não ter dúvidas sobre o músculo financeiro da maior economia da Europa, mesmo estando em recessão. "A nossa classificação de crédito soberano de longo prazo é AAA", o nível mais alto possível e encontra-se estável.
Mais armamento
Florian Dorn, investigador do instituto Ifo, em Munique, diz que o governo alemão, seja ele qual for, vai ter mesmo de alargar os cordões ao orçamento e dar prioridade aos gastos militares.
"A Alemanha falhou de forma reiterada no cumprimento da meta da NATO de 2% do PIB [gastos com Defesa] durante as últimas três décadas" e isso dá uma "uma lacuna de cerca de 230 mil milhões de euros em investimentos necessários na defesa".
Segundo Dorn, “os salários dos soldados e os custos do equipamento militar são significativamente mais baixos na Rússia ou na China, do que nos países da Europa Ocidental", pelo que a pressão financeira também é maior por esta via.
"Até que o aumento da eficiência e das estruturas conjuntas de Defesa na Europa dê frutos, a atual situação geopolítica exige mais despesas militares". Para o perito, não há volta a dar.