Como está a decorrer a época de saldos neste ano, em comparação com 2019?
Só dá para comparar com 2019, não é? Duas notas curiosas: a primeira, é que o tráfego desceu muito em comparação com 2019, sentimos isso ao longo de todo o ano de 2021, mas a verdade é que a quebra das vendas não foi tão grande como a queda de tráfego. Ou seja, temos cada vez menos pessoas a passear nos centros comerciais, e as pessoas que temos fazem compras, efetivamente. Portanto, temos um valor de vendas muito aproximado de 2019, especialmente depois do início da época dos saldos, sem isso teria sido completamente impossível. Estamos a falar de 10, 15% abaixo de 2019, o que se explica pela ausência de uma semana de saldos, a semana tipicamente mais forte. E no tráfego temos uma quebra muitíssimo maior, quase o dobro, de 30%. Estou a falar de valores de janeiro aproximados e não consolidados.
E em relação ao ano passado, qual é o balanço?
O primeiro semestre é o semestre do confinamento, nem vale a pena revisitarmos esse período negro, a verdade é que no segundo semestre conseguimos aproximar-nos muito rapidamente dos números de 2019, até à quebra em dezembro, quando há um novo alarme e novas medidas e aí sim, sentiu-se a quebra e ainda por cima num período decisivo para os nossos lojistas, como era o período do Natal. De qualquer maneira, estamos a falar de uma quebra à volta dos 15, 20%. Dados do segundo semestre não consolidados ainda. Estamos a falar de uma aproximação muito grande no segundo semestre aos dados de 2019, em vendas e não de tráfego. Há essa diferença, que é uma alteração de comportamento, que pode ter vindo para ficar, ou não. Agora depende de nós.
Qual foi o impacto do absentismo de trabalhadores nas lojas nesta última vaga da pandemia?
Relativamente ao encerramento temporário de lojas, houve casos pontuais, nenhum que tenha ultrapassado as 24 horas. Portanto, foi possível manter os ecossistemas a funcionar em pleno. Agora, sabemos pelo contacto que temos com os lojistas que foi no limite . Se não tivesse existido a alteração das regras de quarentena, então aí, sim, teríamos tido maiores quebras.
As restrições sanitárias ainda em vigor, como os limites de ocupação nas lojas, ainda se justificam?
Está o mundo todo a discutir o fim das limitações. Portanto, é o caminho que inevitavelmente vamos ter de seguir em Portugal. Se já devíamos ter iniciado esse debate? Provavelmente sim. Mas quero acreditar que as autoridades de saúde estejam a discutir o tema, pelo menos internamente. A vacina funciona, e isso faz toda a diferença.
A APCC quer o fim dos limites em termos de ocupação?
A nossa principal objeção à última regra de limitação era a criação de ajuntamentos. Não criou, portanto, é um não problema para nós.
Quais foram os setores mais afetados? E o montante dos apoios dados no âmbito do vosso plano de Retoma do Retalho?
Vestuário e moda, cinemas... Os cinemas não encerraram, mas foram especialmente apoiados, porque foram, de longe, os mais afetados. Foram dados apoios aos cinemas e a pequenos operadores com menos de três lojas. E isso foi feito na maior parte dos grupos. A adesão foi quase total, a esmagadora maioria dos operadores fez isso. E vão negociar certamente acordos para o futuro e para este ano. Não tenho ainda o valor dos apoios concedidos.
Tem números sobre encerramentos e novas aberturas em 2021?
São números não consolidados, mas estamos a falar de uma rotatividade de 6%. Normalmente, a média é de 10%. E a rotatividade é normal e até desejável no ecossistema. Abre uma marca nova, experimenta-se um conceito novo, abre-se um novo espaço, portanto, a média está nos 10%. Os 6% de 2021 foi um ótimo resultado. Foram aproximadamente 600 lojas que fecharam e 600 e tal que abriram. O saldo em princípio terá sido positivo.
Dos 86 operadores, quantos já interpuseram ações contra o Estado por causa da suspensão do pagamento de rendas em 2020?
Por grupo serão dois ou três, mas vai haver mais. Estão dois processos a correr. Um que é da APCC, da própria associação, que está neste momento no Tribunal Constitucional. Depois há as ações com os pedidos de indemnização ao Estado, que os centros comerciais individualmente apresentaram nos tribunais.
O comércio eletrónico é uma ameaça ao negócio dos centros comerciais?
O comércio eletrónico é a maior oportunidade de negócio que a indústria tem. Por variadíssimos motivos: primeiro, porque aumenta a importância do espaço físico. Parece uma contradição, mas não é, aumenta a importância que os metros quadrados que espaços como estes têm, porque é inevitável que as lojas se vão transformar numa espécie de showroom, com armazém e com a loja também a funcionar. Portanto, passam a ganhar nesta tripla função e, depois, permitem uma complementaridade que só melhora a experiência de compra. A ideia de que se possa chegar a uma montra olhar para determinado produto, fazer a compra online ou já ter feito a compra online e ir lá levantá-la é melhorar a experiência de compra. E tudo o que seja melhorar a experiência de compra aumenta o meu sucesso enquanto negócio, não diminui. A única questão é os lojistas serem capazes de dar este salto que muitas vezes é uma barreira que ainda temos, que é distinguir o e-commerce do comércio físico. Isso acabou, é tudo retalho. É não pensarmos no canal, mas pensarmos sobretudo na parte final, que é a venda. A existência de infraestruturas como os centros comerciais só ajudam o e-commerce e o e-commerce ajuda infraestruturas como os centros comerciais.
Isso aplica-se aos grandes retalhistas, mas para as pequenas lojas será assim?
Fizemos um inquérito no ano passado aos lojistas e só 16% não tinham comércio online e acredito que esse número acabará por diminuir muito. Um café, uma tabacaria saem fora do pacote, agora em tudo o resto a adesão a esta omnicanalidade é uma inevitabilidade. Está toda a gente a fazer esse processo.
E que papel está a APCC a desempenhar nessa transição digital? Que ações têm no terreno?
Estamos a liderar esse processo. A medida mais simbólica é o programa de incubação, em que estamos a tentar captar negócios que estão no digital para virem também para a parte física, porque o que assistimos nestes últimos dois anos foi uma série de negócios a aparecerem no online e queremos dar-lhes esta componente física, dando-lhes mais canais e, depois, na própria associação queremos começar a juntar os marketplaces. Porque há questões importantes que vão precisar da nossa participação, certamente. Estou a referir-me à questão do livre comércio dentro da UE e para fora da UE. O maior concorrente hoje em dia de um centro comercial é um portal ou marketplace que fique na China e que consiga expedir produtos a um terço do preço do que expedimos aqui na Europa, porque tem outros custos sociais. A balança tem que ser equilibrada. Esses é que são os nossos concorrentes não é, traduzindo para marcas, a Worten, é a Alibaba. A Worten tem também espaços físicos aqui e o comércio que faz é dentro dos padrões da UE, o que significa também dentro dos padrões fiscais. Mas se me ponho a concorrer com uma Alibaba, não tenho hipótese. Pelo menos com estas regras. E bem sei que a UE tem dado passos firmes e que o Plano de Recuperação e Resiliência também passa muito por isso, pela alteração da fiscalidade e das importações, mas isso tem de ser corrigido.
Os centros comerciais querem passar a incluir as vendas online dos seus retalhistas na determinação da renda?
A renda tem uma componente fixa e depois tem um prémio - que muitas vezes se chama de renda variável - sobre as vendas. Antes de discutirmos a componente do prémio, queremos discutir sobretudo a integração da omnicanalidade, que é de que forma o espaço físico pode contribuir para o aumento do negócio dos nossos retalhistas. Tudo o resto virá por si. A nós interessa-nos que os nossos lojistas vendam mais, temos a ganhar com isso.
Mas aquilo que eles vendem através do comércio eletrónico não entra nas vossas contas.
Ainda não, mesmo que seja entregue nas lojas do centro comercial.
O objetivo é que entre?
É uma discussão que é inevitável, mas estamos a falar de dois três anos. Faz parte da integração da omnicanalidade, reformular a própria forma como é cobrada a renda.
Vão mudar as regras?
Não foi o que eu disse, o que eu disse é que contribuir para o aumento das vendas é o nosso propósito. Chegar a essa parte da conversa é uma inevitabilidade.
De que forma vão contribuir para o aumento das vendas?
Promovendo a omnicanalidade sempre que possível, promovendo alterações aos próprios espaços físicos que facilitem maior integração entre digital e físico, aumentando a expressão dos pontos de entrega, mas também a facilidade de armazenamento, assegurando tráfego, assegurando vendas online.
Esse caminho será essencial para que os centros comerciais sobrevivam?
Se for ver os números da SIBS, os centros comerciais recuperaram mais depressa do que o comércio de rua. Há alterações profundas de consumo que vêm com esta pandemia, mais permanentes, e os centros comerciais já se estão adaptar. Se olhar para o mix de um centro comercial hoje em relação ao que era há 20 anos, é completamente diferente. Tem a parte toda dos serviços, bancos, clínicas, solários, ginásios, o centro comercial virou uma pequena aldeia, no sentido mais agradável da expressão. Portanto, não estão em risco de extinção, pelo contrário, tenho a certeza que mais facilmente os centros comerciais sobrevivem do que qualquer outro formato de comércio. E se souberem integrar a omnicanalidade, mais ainda.
E quais são as perspetivas para 2022 em termos de tráfego e volume de vendas?
Em fevereiro, março deveremos estar a falar de números muito semelhantes aos que tivemos em 2019, ou mesmo iguais. E creio que o mercado terá numa dinâmica de crescimento. Houve muita retração do consumo, e portanto a retoma será para crescer em relação a 2019. A realidade não será igual para todos os centros comerciais. Os shoppings residenciais vão recuperar mais depressa do que aqueles em zonas de escritórios. Estas não voltam a estar tão ocupadas como estavam antes.
Que medidas pede a APCC ao novo governo?
Há duas questões importantes para nós, e eu tenho discutido isso com o governo. A primeira é a igualdade de oportunidades entre marketplaces nacionais e operadores digitais, portugueses e europeus, com os restantes operadores e isso está a ser resolvido, com a harmonização fiscal entre operadores, o livre acesso ao mercado digital. Isto quer dizer que se eu abrir uma loja online, isso não me serve de nada, porque na prática temos dois ou três gatekeepers a quem temos de pagar portagem para termos livre acesso ao mercado digital. Traduzindo: eu tenho de pagar à Google ou ao Facebook para existir, e isto, em bom português, é extorsão. Eu pago uma portagem para pagar a um senhor para conseguir aparecer numa coisa que devia ser natural e espontânea se o algoritmo à partida não fosse comercialmente tendencioso. Este igualar de oportunidades é absolutamente decisivo. Isto só é negociável ao nível macro, estamos a falar do governo, da Comissão Europeia, são negociações que já existem com gigantes multinacionais, e que têm que ser vencidas, ponto. Eu tenho de conseguir abrir um negócio e não ter que pagar portagem para aceder ao meu mercado, e pagar portagem a uma entidade privada, ainda para mais. Bem sei que a autoestrada é dele, mas não é toda.