Rui Pena Pires: "Campanha do Pingo Doce foi um disparate"

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"Se considerarmos que a responsabilidade social das empresas é criar e motivar a negociação, a campanha do Pingo Doce foi um disparate." É desta forma que Rui Pena Pires, sociólogo e pró-reitor do ISCTE, em Lisboa, vê o desconto de 50% realizado pelos supermercados do Grupo Jerónimo Martins.

Não pelo desconto ou pela estratégia de marketing mais agressiva, mas porque anula o que considera ser uma tarefa das empresas: promover um bom ambiente económico.

Em vésperas da Conferência "Proteção Social - Novos desafios para a sustentabilidade social em Portugal", o pró-reitor do ISCTE debruça-se sobre a importância da negociação entre parceiros e não esquece que a data escolhida pelo Pingo Doce pode ameaçar essa mesma negociação.

"É um disparate porque não se escolheu o 1º de Maio só porque dava jeito, a escolha foi simbólica e intencional e só deteriora a negociação. Do lado da responsabilidade das empresas, foi irresponsável", defende.

Ainda assim, Rui Pena Pires diz que a solidariedade social tem sido uma boa aposta do grupo liderado por Alexandre Soares dos Santos. "Acho que o grupo JM tem feito coisas boas do ponto de vista da proteção social, na formação profissional, ou no programa Novas Oportunidades." Diz contudo que "não precisávamos de um marketing gratuito que só vai aumentar o confronto ideológico."

As empresas, refere, têm de ajudar a sociedade a funcionar, e lembra o papel dos países nórdicos para a regulação da sociedade a par do crescimento e da produtividade. "Ouvimos falar muito da Alemanha quando dá jeito, e quando não dá jeito, não se fala.

Na Alemanha foi possível códigos dentro das empresas e uma alteração do horário de trabalho em proporção com o salário, e isto porque há negociação. É de mentalidade e de regras. Se se definirem regras de negociação e concertação e se aplicarem, o comportamento da sociedade altera-se."

O doutorado em Sociologia confessa porém que não é muito adepto da responsabilidade social das empresas, já que acredita que têm uma responsabilidade unicamente económica, tendo o Estado como regulador.

"Acho que esta intervenção deve dar-se às empresas margem para atuarem na ordem económica e ao Estado na proteção dessa actividade económica. Esse é o segredo dos nórdicos, que têm níveis muito elevados de proteção social e têm taxas de crescimento económico elevadíssimas."

Lamenta contudo a falta de capacidade negocial em Portugal e forte "crispação entre os parceiros".

"Nós temos um problema grave em Portugal a nível da Concertação porque temos um principal parceiro sindical que não tem orientação para negociar. Instala-se uma lógica confrontacional" e "quando há austeridade, é difícil construir jogos em que todos ganham.

A obrigação dos agentes económicos é não exacerbarem a confrontação que já é inerente à própria austeridade," conclui.

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