Antes da guerra, o objetivo da Europa era reconstruir o seu mix energético e descarbonizar-se até 2050. Contudo, este cenário evaporou-se perante a situação atual: mais de 40% do gás consumido na Europa vem da Rússia - um número que sobe para 95% na Chéquia e na Hungria -, juntando-se a ameaça velada de cortes e escassez no abastecimento. A questão que nos colocamos hoje é: o que podemos fazer quando o inverno se aproxima?
Quando alguns países começaram a considerar o carvão como uma alternativa ao gás russo, Frans Timmermans, Vice-Presidente da Comissão Europeia e líder do "Green Deal", afirmou que os tabus a esse respeito tinham desaparecido. Contudo, a verdade é que não nos podemos dar ao luxo de abrandar a transição para as renováveis. Temos de nos preparar para a outra grande ameaça que se aproxima: a crise climática. A independência e segurança energética da Europa dependem da sua capacidade de reduzir, o mais rapidamente possível, a dependência dos combustíveis fósseis.
Em resposta a esta necessidade, a União Europeia (UE) apresentou o pacote de iniciativas "REPower EU". A solução da Europa passa por um novo modelo energético baseado em três pilares: mais eletrificação, mais energias renováveis - neste sentido, é fundamental o foco que a Estratégia Solar Europeia está a colocar no "REPower EU" - e, acima de tudo, mais eficiência energética. Temos de ser capazes de alcançar mudanças estruturais através da eletrificação e digitalização. Esta convergência, a que chamamos Eletricidade 4.0, facilita a mudança para uma energia mais limpa e mais eficiente. A eletricidade é o melhor vetor energético para a descarbonização, tanto em cenários domésticos como industriais. Por sua vez, o digital torna a energia inteligente: torna visível o invisível, aumenta a eficiência e elimina o desperdício de energia.
No caso de Portugal, a implementação destas medidas é particularmente urgente. Ao contrário de outros países europeus, não dependemos do gás russo durante o inverno. No entanto, a crise energética também terá impacto na nossa economia - o Ministro das Finanças anunciou recentemente que o aumento dos preços da energia irá agravar em mil milhões a despesa do Estado. Por outro lado, a nível europeu, e até agosto deste ano, os governos já tinham gastado cerca de 280 mil milhões de euros em medidas para amortecer o impacto da crise energética nas habitações - investimento que será ainda maior nos meses mais frios.
Tudo isto torna clara a necessidade de agir com urgência. A boa notícia é que as tecnologias necessárias já estão disponíveis e que o retorno do investimento, no contexto atual, será muito rápido. A curto prazo, vamos proteger a nossa economia; a médio e longo prazo, vamos ganhar uma importante vantagem competitiva. No entanto, serão necessários uma grande agilidade e consenso para implementar os regulamentos e incentivos, bem como para ativar os fundos de recuperação da UE mais rapidamente.
Que ações pode Portugal empreender a curto prazo?
Entre todas as fontes "verdes", a energia solar é a mais rápida e fácil de implementar - mas precisamos de a aproximar do ponto de consumo para reduzir as perdas relacionadas com o transporte. O Centro Comum de Investigação da Comissão Europeia sugere que os painéis solares nos telhados de casas, edifícios terciários e industriais poderiam fornecer, em termos económicos, um quarto da eletricidade atualmente consumida na UE. O desenvolvimento da sua procura também contribuiria para criar mais postos de trabalho.
Quanto maior for a penetração das energias renováveis descentralizadas no nosso mix energético, mais urgente se torna criar um mercado de flexibilidade que, por exemplo, permita aos consumidores escolherem quando reduzir o seu consumo e dar mais energia à rede. Tudo isto implicaria também, por parte das empresas de eletricidade, uma maior digitalização das redes e investimentos.
Por outro lado, as microgrids vão desempenhar um papel estratégico - especialmente em instalações industriais, centros logísticos, centros comerciais e edifícios terciários -, porque tornam possível gerar, armazenar e gerir energia no local. O sistema ganha resiliência para enfrentar a intermitência das energias renováveis e, ao mesmo tempo, dá poder ao consumidor, colocando-o no centro do novo modelo energético e permitindo-lhe rentabilizar os seus recursos energéticos.
Em qualquer caso, não podemos olhar apenas para o lado da geração; precisamos de atacar a procura. Por um lado, devemos ativar mecanismos para a tornar mais flexível e, por outro, torná-la muito mais eficiente. A eficiência energética não faz manchetes, é mais difícil de visualizar, medir e até legislar, mas o seu impacto é enorme.
Em Portugal, aproximadamente 70% dos edifícios foram construídos antes de 1990, quando os regulamentos de desempenho energético dos mesmos ainda não eram implementados. Que tecnologias podem trazer um rápido retorno do investimento e um valor sistémico duradouro? A forma mais inovadora e rentável de aumentar a eficiência energética dos edifícios é equipá-los com soluções conectáveis, como ferramentas de monitorização, sensores, controlos e sistemas de gestão de edifícios.
No caso da indústria, a combinação de tecnologias digitais e software poderia trazer, a curto prazo, até 30% de poupança de energia, de acordo com a Agência Internacional de Energia. Para além disso, na maioria dos casos, os períodos de amortização do investimento seriam inferiores a dois anos.
Com tudo isto em mente, é certo dizer que os próximos tempos serão cruciais. Há anos que se fala da necessidade de dar início a uma transição energética, e agora estamos a viver as consequências de não o ter feito antes. Precisamos de nos preparar para o futuro com maiores ligações energéticas à Europa, introduzindo fontes de geração como o hidrogénio verde e preparando as nossas infraestruturas para a mobilidade elétrica, mas temos de agir já.
As tecnologias necessárias estão disponíveis e a digitalização que mudou as nossas indústrias está também a mudar o nosso ecossistema energético, permitindo novos níveis de descentralização, descarbonização e eletrificação. Podemos levar a cabo desde já muitas das ações acima mencionadas, pois apenas requerem uma mudança de mentalidade e de consciência por parte dos líderes das empresas - mas também de cada um de nós, enquanto consumidores.
Victor Moure, Country Manager Portugal, Schneider Electric