O primeiro-ministro lançou às empresas um caderno de encargos visando o aumento do salário em 20% nos próximos quatro anos. Não referiu se em termos reais, que soava a utopia, ou em termos nominais, que pode nada ser, dependendo da inflação. .Lançou esse caderno de encargos num tempo em que o aumento dos preços de matérias-primas, combustíveis e energia vem dificultando a vida das empresas e não ponderou até que ponto, numa economia de mercado concorrencial e a aberta como a nossa, tal acumulação de custos poderá ser absorvida pelo acréscimo da produtividade, sem o que necessariamente se repercutirá no preço dos produtos, na perda de clientes e em falências. Nem o grau de inovação e de diferenciação dos nossos produtos, nem o poder de mercado das empresas são de molde a sobrepor-se à concorrência emergente da globalização. .É certo que nas esquerdas há quem tenda a ignorar esses efeitos, por julgar alienante o conceito de produtividade e considerar que o aumento do custo dos fatores pode ser compensado pela diminuição das margens de lucro. Esquecendo que é a rentabilidade que condiciona os investimentos na tecnologia, na organização e na inovação que sustentam atividade e emprego, nomeadamente face à generalizada descapitalização das empresas. .Também o primeiro-ministro não lembrou a calamidade da política fiscal, em que o peso dos impostos nos salários atinge o valor de 41,8%, bem evidenciado no recentíssimo Relatório da OCDE. Uma enormidade em termos absolutos e relativos. .Poderia até ter esquecido tudo isso. Mas não deveria lançar esse caderno de encargos sem enunciar as tarefas que a ele próprio competiriam, diminuição dos custos de contexto, reformulação de uma política energética que se traduz na energia mais cara da Europa, favorecimento de uma política fiscal amiga do crescimento, correção de uma justiça tardia que estrangula o exercício da gestão, eliminação do condicionamento industrial vigente, burocrático e castrador de iniciativa..Pena é que o senhor primeiro-ministro ficasse por uma proposta de insustentável leveza, "fumo que logo se esvai", e não acompanhasse o repto aos empresários com o seu próprio caderno de encargos, com as medidas que corrigissem o pano de fundo em que se processa a atividade económica, essenciais ao aumento sustentado dos salários. .Isso seria governar. .Economista