É um médico que vai ajudar a examinar o País. Álvaro Beleza tem 61 anos e é o diretor do Serviço de Sangue do Hospital de Santa Maria. É também professor de Medicina Transfusional, na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Desempenhou diversos cargos na Ordem dos Médicos, tendo integrado o seu conselho nacional executivo entre 2007 e 2011. É militante do Partido Socialista desde 1985 e faz parte da Comissão Política Nacional desde 2011. Sente que é do PS “há muito tempo”.
Vai ser o primeiro médico a liderar a SEDES, uma associação que se dedica a refletir sobre os desafios económicos e sociais desde 1970. Nesta entrevista ao Dinheiro Vivo, diz que primeiro ficou surpreendido por ter sido eleito para presidente da Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (a SEDES), mas logo percebeu a razão: são tempos novos e problemáticos, estamos a meio de uma pandemia grave. (Parte 3 de 5 da entrevista)
Para aguentar a sociedade e a economia, o maior instrumento disponível foi, outra vez, a dívida. Acha que podemos ter uma nova crise financeira por causa disso?
Os meus parceiros, amigos e banqueiros com quem falamos na SEDES, até porque alguns são sócios da SEDES, estão muito preocupados, de facto. Acho que a crise de 2008 os ensinou a não cometer os mesmos erros, estou a falar da banca. Por isso é que a banca não está a dar tanto crédito a quem precisa, está com mais cautela para não ter o incumprimento do passado. Mesmo assim vai ter.
Mas temos os bancos centrais a injetar quantidades enormes de dinheiro.
Os bancos centrais estão a injetar porque a moeda é forte. Estou convencido que não vai haver problemas com a dívida soberana nos próximos anos. Mas o dinheiro que vem aí de bazuca ou como lhe queira chamar, tem que ser bem aplicado. Se não aplicarmos bem o dinheiro disponível, não vamos poder pagar a dívida e isso é o que se vai ver daqui a dois ou três anos.
Com este crise, acha que é preciso fazer uma reforma do código laboral para facilitar despedimentos e contratações e para acomodar a nova realidade que é o teletrabalho?
Acho que é preciso adaptar o código de trabalho às realidades atuais. Mais teletrabalho, mais trabalho digital, mas também tem que se evitar que as pessoas sejam exploradas só porque estão em casa e não ficarem a ter mais escravos do trabalho do que estavam na situação anterior. É preciso ter atenção a isso, mas é preciso adaptar a idade do trabalho.
Quando disse flexibilidade estava a pensar em facilitar mais os despedimentos? Há muitas queixas de economistas e empresários porque é fácil despedir coletivamente, mas o despedimento individual continua a ser um obstáculo. Já refletiram sobre isto na SEDES?
Ainda não refletimos sobre isso. Quando falei de flexibilidade, era a questão macro, digamos assim. Temos de ter fórmulas de trabalho diferentes que enquadrem o teletrabalho, das pessoas poderem trabalhar em casa, mas salvaguardando a produtividade das empresas, a felicidade das pessoas, a segurança do trabalhador.
O direito a desligar tem que existir também, em teletrabalho, concorda?
Nós temos que arranjar aqui uma forma de as pessoas serem mais livres, mais felizes, de poderem ter mais rendimentos, trabalhar melhor e produzirem mais. Temos que ter sempre o equilíbrio entre os vários fatores. Portugal tem aqui um problema porque nós não tivermos crescimento económico nível da Irlanda, da Holanda, da República Checa, da Lituânia. Países do mesmo tamanho que nós, digamos assim. O que é que eles fizeram que nós não? Também não somos iguais, claro. Mas há aqui razões, e essas razões nós vamos ter que as alterar.
Está a falar do quê?
Somos muito conservadores. O português tem muito medo da mudança. Nós vivemos numa sociedade de medo, já agora, o com o covid isso aumentou. Temos que ter mais esperança no futuro, mais autoconfiança e temos que nos adaptar mais. Quando eu digo flexibilidade, é no sentido de nos adaptarmos aos novos tempos, às novas formas de trabalho, às novas formas de convivência, respeitando os direitos que já são direitos adquiridos. A minha ideia não é acabar com eles, é até melhorá-los. Remos de recuperar o que tínhamos e melhorar para podermos progredir. Do ponto de vista da economia, porque é que não temos crescimento? Acho que a primeira razão de todas é a questão fiscal. Portugal tem uma carga fiscal altíssima. Tem que baixar.
Esse obstáculo fiscal foi maior do que, por exemplo, o excesso de endividamento das empresas?
As empresas estão endividadas porque a economia é frágil.
Mas acha que a maior barreira é situação fiscal? Por causa do investimento estrangeiro?
Estrangeiro e português. Porque o dinheiro hoje não tem fronteiras. O dinheiro português também se vai embora. O Pingo Doce fez a sede onde? Na Holanda... Porque o IRC na Holanda é mais favorável, os impostos mais favoráveis.
Por que razão os países nórdicos, escandinavos, têm cargas fiscais elevadas e continuam a ser economias ricas? Porque é que o exemplo a seguir não deve ser a Escandinávia?
Têm uma cultura de cumprimento, de solidariedade, de dever de pagamento de impostos que está intrínseca. O sueco sabe que quando está a pagar impostos, está a pagar para ele e para os outros, e é solidário com os outros. Os outros - e eu estou a fazer isto da Alemanha para baixo - não têm essa cultura.
Na Holanda, muito do que é devolvido à sociedade tem que ser pago, é um modelo diferente, é privatizado.
Não vejo nenhuma economia robusta que não seja privada, isto é, que não tenha uma economia de mercado. Mesmo a Suécia. Só que grande parte da riqueza da Suécia começa logo na Volvo, que é brutal. Teve uma crise complicada há 20 anos uma crise. Ultrapassou-a e reformou o sistema de saúde todo, há 20 anos.
E a Finlândia também teve um problema grave com a Nokia.
Exatamente, e adaptaram-se. São disciplinados, são cultos, têm uma educação rigorosa, têm boa formação profissional e sentido ético do dever.