"Se o Pacto torna a limitar o investimento público, arriscamos nova recessão. Vai ser impopular"

Paul De Grauwe é professor de Economia na London School of Economics e vice-presidente do Conselho das Finanças Públicas (CFP) de Portugal. Nesta entrevista ao Dinheiro Vivo, fala sobre os apoios contra os efeitos da pandemia, o Pacto de Estabilidade e o papel fulcral do BCE no futuro pós-crise covid-19.
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Paul De Grauwe nasceu na Bélgica em julho de 1946 (vai fazer 75 anos, este ano). Doutorado pela Universidade de John Hopkins, nos EUA, é um economista prolífero, de grande reputação internacional, e um dos maiores críticos da construção europeia, designadamente das regras orçamentais, que considera asfixiantes. Rejeita o Pacto de Estabilidade como ele é e as metas rígidas para o défice e a dívida.

Considera que a Alemanha controla o BCE, tendo impendido a instituição de agir rapidamente contra as sucessivas crises, agravando assim as recessões do passado recente, sobretudo nos países do sul, como Portugal.

Atualmente é professor de política económica europeia na London School of Economics. Foi deputado na Bélgica, foi consultor do antigo presidente da Comissão, José Durão Barroso. Conhece bem a realidade portuguesa e agora ainda mais.

É vice-presidente do conselho superior do Conselho das Finanças Públicas. É investigador do Centre for European Policy Studies, em Bruxelas, e do Centre for Economic Policy Research, em Londres.

Parte 3 de 3 da entrevista ao Dinheiro Vivo

O Pacto de Estabilidade e Crescimento está suspenso até 2022, inclusive. Que Pacto devíamos ter no pós-pandemia?

Primeiro, penso que nos devemos livrar das metas numéricas do Pacto. Elas não funcionam. A meta de 3% do PIB para o défice nominal, dos 60% do PIB para a dívida pública, a ideia do orçamento equilibrado, a meta da despesa. Devíamos abandonar estas regras porque, como vimos nos últimos anos, são tão frequentes os choques desde o princípio [da aplicação do Pacto] que depois tivemos de admitir que o Pacto deve ser temporariamente suspenso ou posto de lado para lidarmos com essas circunstâncias. Isto não faz sentido algum.

O investimento público futuro voltará a estar em risco com o regresso do Pacto?

A regra do orçamento equilibrado, que está no Compacto Orçamental [Fiscal Compact] e é vista como a prioridade, diz que os governos nacionais não podem financiar investimento público através de dívida, emitindo obrigações do tesouro. E essa não é realmente uma regra inteligente. Não há qualquer razão para que o investimento público, se for bem escolhido, de qualidade, que aumente a capacidade produtiva de um país e gere retorno no futuro, não possa ser financiado por dívida.

O investimento público nestes anos de retoma da pandemia vai ser financiado com subvenções, que é dinheiro que vem de nova dívida europeia.

Sim, o paradoxo nisto tudo é que o investimento público a nível europeu, no Next Generation EU, já pode ser financiado com dívida [obrigações emitidas pela Comissão Europeia]. Em termos de unidade do projeto europeu, isto não faz sentido. Temos de abandonar esta regra porque a maioria do investimento público dos próximos anos vai ter de ser sempre feito pelos governos nacionais, não por instituições europeias.

O orçamento europeu até 2027 (Next Generation EU) não vai chegar e muito será pedido aos governos ainda?

O Next Generation EU, macroeconomicamente falando, é uma coisa ótima, mas vai ser insuficiente para o investimento que é necessário na Europa a prazo. É por isso que precisamos de usar a capacidade de financiamento dos governos nacionais. Eles têm capacidade para o fazer, assim os deixem fazer. E existe um enorme consenso entre os economistas sobre isso. Claro que agora os governos são autorizados a gerar défices elevados para apoiar a economia, evitar o colapso económico. Mas quando as regras forem reativadas, volta a ser proibido e isso coloca problemas ao investimento público que vai ser crucial para o ambiente, para modernizar e fazer infraestruturas em muitos países.

Há economistas que alertam para o facto de os fundos europeus não serem realmente a fundo perdido porque vão exigir mais dos Estados no futuro. A dívida contraída pela Comissão para haver subvenções vai ter de ser paga. É assim?

A dívida contraída para financiar o orçamento Next Generation EU deve ser paga com nova dívida no futuro. E isto não é errado. Os mercados existem e devem ser instrumentos para tornar estes investimentos possíveis. Este investimento público é para o bem de todos, para tornar possível o crescimento sustentável, criar emprego e aumentar a produtividade. Se o Pacto tornar a limitar o investimento público, voltaremos a ficar aprisionados no futuro e votados a uma nova recessão ou estagnação. E isso vai ser muito impopular.

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