Um ano ainda é pouco para aferir que mudanças trouxe a pandemia à forma como se recruta em Portugal e com que benefícios conquistar os trabalhadores, apontam empresas de recrutamento como a Adecco, Randstad, Experis, Mercer ou a Manpower. Ainda assim, já é possível perceber algumas tendências, nomeadamente no que toca à maior ponderação na hora de trocar de emprego e na atenção que os candidatos fazem a um potencial processo de entrada numa nova empresa - tanto em teletrabalho como num futuro regresso ao escritório.
A atribuição de benefícios aos trabalhadores é um recurso mais utilizado para contratar em determinados setores, como nas tecnologias de informação, consultoria, farmacêuticas, indústrias e energia ou serviços financeiros.
A oferta de seguro de saúde para o próprio trabalhador ou familiares é a aposta mais comum, mas há quem comece a explorar outros campos. "As empresas têm sido muito criativas, alargando o tipo de benefícios que oferecem e, embora reconhecendo a importância do salário, valorizam também a qualidade de vida e a adequação ao momento pessoal e profissional em que se encontram os trabalhadores", explica Pedro Amorim, managing diretor da Experis, empresa mais focada no recrutamento de quadros de empresas e TI. "O seguro de saúde, tempo para os filhos, tempo e recursos para a formação... são várias as possibilidades para completar a remuneração", explica.
Já Vítor Antunes, managing diretor da Manpower, acrescenta entre os benefícios mais comuns "os dias de férias extra remunerados ou os planos de propinas".
"Algo muito valorizado é a flexibilização e personalização dos benefícios, poder escolher entre seguros de saúde, formação, ginásio, entre vários outros tendo um plafond de benefícios", sugere Nuno Troni, da Randstad. "Este modelo permite responder à diversidade de gerações na empresa que procura benefícios diferentes. O seguro de saúde faz parte dos benefícios tradicionais, valorizado por todas as gerações, enquanto o carro de serviço integra os pacotes salariais de quadros superiores."
Carla Rebelo, CEO da Adecco Portugal, destaca ainda "o acesso a condições especiais de parcerias negociadas com farmácias, ginásio e centros de beleza" como estratégia para recompensar os trabalhadores.
Para Paulo Fradinho, business leader da Mercer Marsh Benefits Portugal, além dos seguros, também são usados "planos de reforma, poupança e investimento, viatura e mobilidade - incluindo passe social, apoio a estudos e desenvolvimento, escolas e creches, fitness, tempo de descanso adicional, horários flexíveis, ferramentas tecnológicas". Este responsável nota que, desde o ano passado, "as empresas aumentaram os seus investimentos em benefícios ligados ao bem-estar e saúde mental, como os check ups, sessões de aconselhamento virtual, apoio via plano de assistência ao colaborador, apps de bem-estar e planos de bem-estar financeiro."
A tendência de dar maior atenção à saúde e bem-estar já existia antes da pandemia, explica Fradinho, mas a pandemia vincou a necessidade de estar atento a esta componente. "Antes da pandemia, 2 em 3 colaboradores sentiam-se em risco de burnout. Com a imposição do teletrabalho, com as escolas fechadas e as taxas de desemprego a subir, esta tendência terá naturalmente aumentado. Nesse sentido, verificamos que muitas organizações estão a promover programas de saúde e well-being, tendo, por exemplo, aumentado o interesse em programas de assistência ao colaborador e ao respetivo agregado familiar."
Candidatos ponderam mais a decisão de mudança
Em tempos de crise, os candidatos estão mais reticentes em mudar de trabalho, consideram algumas das empresas de recrutamento. "Os candidatos estão hoje mais ponderados na decisão de mudança, pois questionam a segurança e a estabilidade da nova empresa. No período pré-pandemia, o risco de mudança era menor, porque o mercado estava muito mais ativo e a pessoa rapidamente recolocar-se-ia no meio. Hoje, se o candidato estiver num projeto com um contrato sem termo, pondera muito mais uma possível mudança", explica Pedro Amorim, managing diretor da Experis.
Nuno Troni, da Randstad, diz que os grandes fatores de tomada de decisão continuam inalterados: "salário e benefícios, conciliação entre a vida pessoal e profissional, oportunidade de progressão de carreira e desenvolvimento de competências". Mas há uma novidade no "cardápio", como diz - a relevância dada ao modelo de trabalho, "nomeadamente à política da empresa relativamente a trabalho presencial versus trabalho remoto, assim como a flexibilização de horários (turnos), os locais de trabalho e a digitalização de processos." Perante estes critérios "é preciso também ter em consideração que num contexto de crise económica e de falta de confiança no mercado, o receio de mudança é sempre muito elevado, pelo que os candidatos procuram segurança na mudança para além de pretenderem um salto salarial significativo para cobrir esse mesmo risco".
A Randstad menciona que, quem estava descontente com a via profissional, terá mesmo optado por "congelar os planos de mudança, não trocando o certo pelo incerto e voltando a valorizar a estabilidade profissional, semelhante ao que assistimos durante a crise de 2012".
Flexibilidade passou a ser palavra de ordem no recrutamento
É um requisito procurado tanto por empregadores como por trabalhadores, apontam as empresas de recrutamento. Quem contrata procura candidatos com perfis mais adaptáveis à mudança e quem está à procura de um novo trabalho espera flexibilidade no regime de trabalho. Carla Rebelo, CEO da Adecco Portugal, nota que aquilo "que a crise veio trazer ao mercado de recrutamento foi a procura de pessoas com um perfil mais abrangente, generalista e flexível". "A flexibilidade ou a capacidade de resposta perante a incerteza enquadram características de um novo perfil cuja procura irá crescer", diz. Ainda que tudo esteja dependente dos setores de atividade, "os perfis generalistas vão passar a ser quase tão importantes como os especialistas, num contexto onde a tendência é as equipas serem mais reduzidas", refere Carla Rebelo.
"Não diria que assistimos a uma alteração, mas sim à aceleração das tendências anteriores", explica Vítor Antunes, da Manpower. "O que é transversal é a necessidade de diferentes competências nos nossos colaboradores. O crescimento do trabalho remoto, acelerou a necessidade de competências técnicas/tecnológicas, mas também a necessidade de competências comportamentais como a capacidade de colaborar e trabalhar em equipa. Não será diferente, mas será certamente muito mais rápido, até porque o ciclo de vida das competências também se vai tornando mais curto."
A Mercer destaca cinco competências que em tempo de pandemia se "têm tornado não só relevantes como críticas para as organizações", como é o caso do "self-management/ priorização; colaboração; adaptação (growth mindset); fluência digital; e gestão empática e inclusiva".