Semana de 4 dias beneficia mais trabalhadores com baixos salários

Trabalho: Projeto-piloto envolveu 41 empresas e mais de mil trabalhadores, com vantagens reconhecidas por patrões e funcionários. Investigadores recomendam plano a 10 anos para tornar os 4 dias a norma, com envolvimento das grandes empresas e benefícios fiscais a PME.
Funcionários envolvidos dizem que só mudariam para emprego de 5 dias se recebessem mais 20%.
Funcionários envolvidos dizem que só mudariam para emprego de 5 dias se recebessem mais 20%.Rodrigo Cabrita / Global Imagens
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A semana de quatro duas pode funcionar em todos os setores, sendo as mulheres e os trabalhadores com salários e qualificações mais baixas os mais beneficiados. A conclusão é do relatório final do projeto-piloto que  hoje é apresentado, destacando que, em geral, os trabalhadores com formação académica superior “têm acesso ao teletrabalho e maior autonomia na gestão das suas horas” e que os que auferem mais de 1100 euros “têm mais recursos para adquirir tempo livre, seja contratando empregados domésticos ou encomendando refeições já preparadas”. O estudo envolveu 41 empresas e mais de mil trabalhadores. Destas, só quatro regressaram ao modelo da semana de cinco dias no final do teste.

“A semana de quatro dias é uma prática de gestão legítima e viável, que proporciona benefícios operacionais às empresas, como melhor ambiente de trabalho, redução do absentismo e aumento da atratividade no mercado de trabalho”, pode ler-se no relatório, a que o DN/Dinheiro Vivo teve acesso. No entanto, reconhecem os investigadores Pedro Gomes, da Birkbeck - Universidade de Londres, e Rita Fontinha, da Henley Business School, esta é uma mudança que, para ser bem sucedida, requer uma “reorganização profunda”.  

Realizado ao longo de 2023, o estudo incluiu 41 empresas que adotaram diferentes formatos” da semana de quatro dias, sendo que 21 destas juntaram-se, desde junho e durante seis meses, a 20 que adotaram esta prática já antes disso. No total, houve 120 empresas, de diversos setores e regiões, a manifestar interesse na primeira fase do estudo, a de divulgação e sensibilização, mas acabaram muitas a desistir ou adiar a implementação do teste por “desafios diversos”, designadamente, a incerteza gerada pela instabilidade política internacional e a inflação elevada. 

Houve casos de multinacionais interessadas que não obtiveram aprovação da sede. Curiosamente, nas empresas que avançaram para a segunda fase, do teste-piloto propriamente dito, 55% são lideradas por mulheres, “o dobro da incidência no universo empresarial português, onde apenas 27% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres”. O que levou os investigadores a concluir que estas “manifestam maior abertura à ideia” do que os líderes masculinos. 

Embora houvesse empresas de 12 distritos, a maioria está localizada em Lisboa e Porto, sendo de pequena dimensão, com menos de 20 trabalhadores. Educação, saúde, indústria e consultoria são alguns dos setores representados. Só uma organização, uma creche, precisou de  aumentar o número de trabalhadores, em 4,5%, para realizar o teste. A semana de quatro dias permitiu uma redução horária, em média, de 13,7% e, para 40% dos gestores, gerou poupanças a nível de consumo energético e de consumíveis. Reduções no absentismo, aumento na capacidade de recrutamento e diminuição na rotação de funcionários são outras da melhorias reportadas pelos gestores. 

Da parte dos trabalhadores,  é indicada uma “evidente redução” da exaustão e desgaste, bem como dos sintomas negativos de saúde mental. Além da melhoria da saúde mental e física, destacam, o melhor equilíbrio entre trabalho, família e vida pessoal. Consequentemente, dizem-se mais satisfeitos com o trabalho e a vida em geral. Indica ainda o relatório que os trabalhadores valorizam este benefício em 28% do salário, sendo que “o valor atribuído à semana de quatro dias é maior em mulheres, trabalhadores com filhos, com salários inferiores a 1100 euros e com mais baixas qualificações”. 93% dos trabalhadores gostariam de continuar  a trabalhar quatro dias por semana.

O impacto positivo nos trabalhadores é uma vantagem competitiva da empresa no mercado de trabalho, porque a maioria diz que só consideraria mudar para um emprego com semana de cinco dias se lhes pagassem mais 20% do que ganham atualmente.

E se é verdade que os resultados agora obtidos “não podem ser generalizados”, uma vez que  o projeto-piloto incorporou apenas empresas que se voluntariaram para o efeito, e, por isso mesmo, não justificam a implementação da medida por imposição legislativa, os investigadores acreditam que a semana de quatro dias “representa um objetivo promissor” e, por isso, delinearam um plano, ancorado em três eixos, com propostas concretas, para que esta possa ser uma realidade dentro de 10 anos, um prazo escolhido de modo a que os grandes passos neste percurso coincidam com momentos de eleições. “A decisão que tomamos coletivamente de quantas horas queremos trabalhar é uma escolha que devemos fazer enquanto sociedade, bem informados sobre os custos e os benefícios”, defendem. 

A primeira fase, a decorrer até 2028, é a da experimentação, envolvendo as grandes empresas e as suas comissões de trabalhadores, conduzindo um teste-piloto no setor público e realizando experiências setoriais e regionais, “com o envolvimento de sindicatos, associações e autoridades locais”.  Mais difícil poderá revelar-se a sugestão de ser realizada uma experiência nacional de “alteração da data de todos os feriados ao longo de um ano, concentrando-os nas sextas-feiras dos meses de abril, maio e junho desse ano”.

O segundo eixo é o dos incentivos e contempla medidas como o  acesso facilitado ao trabalho a tempo parcial, ou como benefício para pais com filhos pequenos ou para trabalhadores perto da idade de reforma. Do lado das empresas são sugeridos incentivos fiscais a setores tradicionais que adotem a semana de quatro dias em sede de negociação coletiva e a pequenas e médias empresas. Os benefícios poderão ser fiscais ou de “alívio de regulamentações burocráticas”.

Por fim, os autores do estudo sugerem que devem ser incluídas disposições no Código do Trabalho que regulamentem a semana de quatro dias, implementada legislação laboral sobre limites máximos de horas semanais, “começando com grandes empresas”, e promovidas iniciativas a nível europeu para a redução do tempo de trabalho, em colaboração com outros países membros da UE.

"A semana de quatro dias iria melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores, mas acreditamos que, se o processo de implementação for bem executado, ela poderia também impulsionar a produtividade, a satisfação e a inovação nas empresas, contribuindo assim para o desenvolvimento socioeconómico do país”, pode ler-se no documento.

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