O "paradoxo da abundância" ou a "Maldição dos Recursos" [1] são conceitos sempre presentes na análise ao desenvolvimento do continente africano. A conexão estabelecida entre os recursos naturais abundantes e economias pobres obriga governos nacionais, organizações como a União Europeia e mesmo os cidadãos a fazer uma reflexão séria sobre as relações que se pretendem estabelecer com os países africanos, na base da confiança mútua e de parcerias que beneficiem todos os envolvidos.
O continente africano é rico em recursos naturais não renováveis: quer minerais, quer combustíveis fósseis. Contudo, a riqueza dos recursos naturais não se tem refletido num desenvolvimento económico que permita resolver o flagelo da pobreza.
A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD, no acrónimo em inglês) aponta, no relatório de 2019, que 89% dos 54 países da África subsariana são dependentes de commodities [2]. Recorde-se que essa dependência ocorre quando 60% do total das exportações têm por base matérias-primas sem valor acrescentado na cadeia produtiva, ou seja, commodities.
Verifica-se que a economia desenvolvida com base na venda dos recursos naturais tem gerado uma fonte de receitas que não estimula a criação de setores produtivos da economia, geradores de riqueza mais sustentável e com possibilidades de uma distribuição mais equitativa.
Existem opiniões que consideram os auxílios ao continente africano, associados com a dependência de recursos naturais, como uma das causas de uma certa "anestesia económica".
A economista Dambisa Moyo é uma das vozes mais ativas na defesa dessa opinião. A ajuda ao continente africano ascendeu a um bilião de dólares 1960 e 2010, contudo no pico desta ajuda a pobreza aumentou 11% passando a atingir 66% da população [3].
Ainda assim, não se poderá o ignorar o impacto que esta ajuda representa. Com efeito, contribuiu decisivamente para combater alguns flagelos na área da saúde e muito particularmente a mortalidade infantil. Todavia, muitos fatores socioeconómicos, como a educação, rendimento per capita ou o acesso a saúde ficaram aquém dos objetivos traçados nesse período.
Mesmo que no curto prazo existam problemas urgentes para resolver, como o financiamento imediato para o combate à pandemia, o caminho da capacitação de muita da população no continente africano ainda está por percorrer.
Por esse motivo, um dos grandes desígnios para o desenvolvimento apontado pela União Africana está relacionado com a industrialização do continente africano. Mais indústria gera mais emprego, formação e permite equilibrar a balança comercial do continente africano através de um crescimento económico sustentável.
A União Europeia não pode ser indiferente a esta ambição considerando que é o principal parceiro das exportações e importações do continente africano, representando 31% das exportações e 29% das importações [4].
Por esse motivo, o crescimento sustentável e o emprego são um dos temas a abordar na 6ª Cimeira entre a União Europeia e União Africana. Na agenda estarão outros assuntos, como a transição energética, a paz e segurança e seguramente a migração e a mobilidade.
Provavelmente, os dois temas com maior dificuldade para se obter um consenso serão o crescimento sustentável (industrialização) e a mobilidade.
É fundamental que a União Europeia atinja um consenso nestes temas para manter e reforçar o seu papel com o continente africano. Só não o fará se não quiser assumir qualquer posição de relevo no futuro contexto internacional e perder gradualmente o relevo que ainda tem.
O vazio que os Estados Unidos da América têm criado com a sua posição de retirada no contexto internacional tem sido ocupado pela China. E nesse aspeto o investimento realizado no continente africano levou a que a China se tornasse no principal credor do continente africano, alavancando a influência internacional que os 55 países da União Africana têm em diversas organizações internacionais.
Apesar de a China ter desempenhado um importante papel na recente infraestruturação de muitos países africanos, o futuro parece apontar um caminho oposto, com a retirada da China quer por via dos empréstimos que concede, quer por via da diminuição das compras de commodities.
Esta retirada será ditada pelo forte endividamento e desaceleração do crescimento da economia chinesa segundo aponta o relatório da Euler Hermes e Allianz [5] que aborda as causas e consequências da nova estratégia de dupla circulação.
Este reposicionamento da China e a ausência prolongada dos EUA devem merecer a atenção da União Europeia.
A longo prazo, o horizonte de análise nas relações entre União Europeia e União Africana tem de incluir a evolução demográfica do continente africano, que será provavelmente a região mais populosa do mundo em 2050 [6]. Se evoluir positivamente na industrialização e aproveitar o crescimento demográfico, este cenário futuro tornará o continente africano num parceiro comercial muito diferente do que é atualmente.
Resta saber se a União Europeia quer manter e até aprofundar as suas relações com a União Africana. Neste tema Portugal tem um histórico e uma relação privilegiada com países africanos que deve motivar as instituições europeias para que se concretize esse futuro. A presidência do Conselho da União Europeia, neste primeiro semestre de 2021, é uma oportunidade extraordinária para esse esforço de aproximação e aprofundamento das relações UE-UA, liderado por um país de vocação universalista como é o nosso.
A diplomacia portuguesa cruza-se com a realidade africana, fruto das evidentes ligações com os países pertencentes à CPLP. A Ajuda Pública ao Desenvolvimento (ADP) bilateral desenvolvida por Portugal representa, em média, 41% da APD total [7], confirmando a concentração geográfica, ainda que decrescente, nos PALOP e em Timor-Leste.
Mais importantes ainda são os instrumentos de que Portugal dispõe e que serão úteis caso a União Europeia e a União Africana alinhem posições, particularmente sobre a industrialização ou temas como a mobilidade e a migração.
A língua portuguesa é um instrumento de trabalho para a educação e para os negócios, áreas de desenvolvimento cruciais para a industrialização. E existe um histórico relevante de investimentos portugueses realizados por muitas das grandes empresas portuguesas, mas também por pequenas e médias empresas.
A própria estrutura de cooperação institucional portuguesa desempenhada pelo Instituto Camões e pela SOFID (Sociedade para o Financiamento do Desenvolvimento) adequa-se a esta estratégia: investir na produção e formação local. Totalmente em linha com a sustentabilidade e o emprego, ou seja, a industrialização do continente africano.
No campo da mobilidade e da migração Portugal tem a ganhar com os desenvolvimentos positivos que possam ocorrer. É recíproca a força das comunidades dos PALOP em Portugal e vice-versa, nos respetivos países. Se esta ligação serve de "mola" para incrementar a mobilidade na CPLP, pode desempenhar o mesmo efeito num contexto de futuros entendimentos entre União Europeia e União Africana.
Será durante a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia que ocorrerá a 6º Cimeira com a União Africana. Existem expectativas sobre os avanços que poderão ser alcançados, mas acima de tudo existem dúvidas sobre a estratégia do governo português para potenciar o papel do nosso país com um continente que marca a história da diplomacia portuguesa.
A participação de Portugal na União Europeia e a relação com África, através dos PALOP e alicerçada na CPLP, são dois pilares da política externa portuguesa. No semestre em que Portugal preside à União temos a oportunidade de afirmar estas duas faces com resultados concretos no aprofundamento da relação entre estes dois espaços onde nos situamos. Ganhará a União Europeia por se aproximar de um continente que representa futuro. Ganhará a União Africana com mais oportunidades de desenvolvimento. E ganhará Portugal, muito além do prestígio natural que resulta de uma liderança eficaz e consequente. Assim saiba o Governo nacional protagonizar esse papel que a História e a circunstância determinam.
Nuno Carvalho é deputado do PSD
[1] "Escaping the Resource Curse" de Macartan Humphreys, Joseph Stiglitz e Jeffrey Sachs
[3] "Dead Aid: Why Aid Is Not Working" de Dambisa Moyo
[5] Euler Hermes
[6] ONU
[7] Camões - Instituto da Cooperação e da Língua