
Por motivos históricos, o ensino básico em Portugal está dividido em dois ciclos: o primeiro, de quatro anos e o segundo, de dois. Depois de uma primeira proposta, em 2008, o atual Governo voltou a levantar a hipótese de fundir os dois, num único ciclo de seis anos. No episódio desta semana do Educar tem Ciência, um projeto da Iniciativa Educação em parceria com a TSF e o Dinheiro Vivo, João Marôco, professor catedrático do ISPA e Nuno Crato, presidente da Iniciativa Educação, analisaram as vantagens e os desafios associados a esta mudança.
A fusão dos dois ciclos não parece ter influência na aprendizagem dos alunos, começou por referir João Marôco. “Se olharmos para os resultados do PISA em função da duração do ensino primário no mundo inteiro, vemos que não há qualquer relação entre os resultados dos alunos e a duração do ensino primário. Na Europa, a relação também é praticamente nula”, assumiu o catedrático do ISPA.
Vantagens
Ainda assim, há vantagens para os alunos. Uma está relacionada com a maior possibilidade de vinculação. “O que a psicologia de desenvolvimento nos diz é que quando os alunos têm uma vinculação mais sólida com os professores há vantagens não só para a aprendizagem dos alunos como para o bem-estar e desempenho dos professores. Extrapolando, se há uma melhor vinculação mantendo os alunos com o mesmo professor durante quatro, cinco ou seis anos, é possível que no final desse período a aprendizagem seja melhor”, disse João Marôco, que aponta ainda outra possível virtude à fusão: ajudar a suprir a atual falta de professores. Uma opção com claras vantagens financeiras para o Estado, mas que se traduz numa sobrecarga de trabalho para os professores, alertou.
A transição mais suave entre ciclos foi outra das vantagens apontadas a um futuro primeiro ciclo de seis anos. “Pode ser feita uma transição mais lenta e os atuais professores do primeiro ciclo que não têm formação para o segundo ciclo, podem continuar a ensinar os primeiros três ou quatro anos e haver uma transição com entrada de outros professores a meio deste ciclo grande de seis anos”, referiu Nuno Crato, que sublinhou a importância de não haver um “corte brusco entre o quarto ano e os anos seguintes”.
Desafios
Neste momento, são cinco mil os professores do primeiro ciclo do ensino básico sem formação para lecionar o segundo ciclo. A necessidade de formação dos docentes é, para Nuno Crato e João Marôco, um dos desafios colocado pela eventual fusão dos ciclos. “O Ministério da Educação tem de assegurar que os professores que vão fazer esta continuidade têm formação para o fazer. O objetivo não é que o professor que ensinava a matéria em quatro anos a passe a dar em seis”, alertou João Marôco
Outro desafio passa pela adaptação das instalações escolares. “Em alguns sítios mais rurais, a escola do primeiro ciclo não tem capacidade para prolongar os alunos até ao segundo ciclo”, alertou Nuno Crato. João Marôco é mais otimista. Se é verdade que existem quatro mil escolas do primeiro ciclo que teriam de ser intervencionadas, o atual modelo de agrupamentos escolares poderá ajudar a ultrapassar o problema, com a deslocação de professores ou de alunos entre escolas do mesmo agrupamento, defende.
Nuno Crato, por seu turno, alertou para a necessidade de monitorizar o processo de modo a que a fusão dos dois ciclos não se traduza numa perda de qualidade do ensino. Dando como bom o exemplo do alargamento da escolaridade obrigatória até ao 12º ano, em que “houve muito cuidado com a avaliação do que se estava a passar”, o presidente da Iniciativa Educação sublinhou a importância da avaliação contínua do processo, bem como a necessidade de manter a avaliação separada dos dois ciclos até que se transite para um novo modelo.