No mundo inovação, Silicon Valley é visto como o paraíso das startups e do empreendedorismo. Se fosse um país, o vale localizado na parte sul da baía de São Francisco, que acolhe a sede de empresas emblemáticas como a Apple em Cupertino, HP em Palo Alto e Meta/Facebook em Menlo Park, estaria no topo dos mais ricos do mundo. O seu PIB é idêntico ao da Suécia, apesar de ter apenas pouco mais de três milhões de habitantes e uma área que é cem vezes inferior à daquele país. .Com origens que remontam ao início do século XX, é a partir dos anos 1970 que se torna um ecossistema de inovação de referência, onde a Universidade de Stanford (mas não só...) assume um papel central enquanto catalisador de conhecimento tecnológico e de uma cultura empreendedora que deu origem a algumas das mais inovadoras empresas que fazem parte do nosso dia-a-dia. Às já anteriormente mencionadas, podemos acrescentar companhias como a Alphabet/Google, eBay, PayPal, Cisco e Netflix. Isto para além de acolher estruturas de muitas outras empresas de ponta que, não tendo sido aí criadas, buscam o dinamismo do seu ecossistema: Tesla, Microsoft e ainda as portuguesas Feedzai, Talkdesk e Veniam são apenas alguns exemplos. .Claro que Silicon Valley não é caso único no mundo. Outros ecossistemas vibrantes têm vindo a surgir não só nos Estados Unidos, nomeadamente na costa leste, mas também na Europa - tais como os que se desenvolveram em torno de Londres, Berlim e Amesterdão - e na Ásia, como os de Xangai, Seul e Singapura. .Contudo, o vale não tem apenas exemplos de sucesso. Steve Jobs, Anne Wojcicki, Mark Zuckerberg e Jack Dorsey são alguns dos seus mais emblemáticos empreendedores. Mas, a par deles, há muitos milhares de outros que pura e simplesmente falharam. Tal como, aliás, também eles podiam ter falhado. .E aqui entramos num dos mantras do Vale do Silício: "fail fast, fail often". Fazendo parte da sua cultura, o insucesso é valorizado por aquilo que representa em termos de experiência - quem nunca errou não é visto como um génio dos negócios mas como um simples sortudo que, sendo inexperiente, irá provavelmente espalhar-se com estrondo um pouco mais à frente. .Afirma-se, inclusivamente, que cerca de 90% das startups criadas em Silicon Valley falham. Mas será que é só lá que isso ocorre? Não, falham em qualquer parte do mundo. O que acontece é que lá o insucesso ultrapassa-se com rapidez ("fail fast") para que de seguida se possa tentar de novo... e, quem sabe, falhar mais uma vez ("fail often"). .É um pouco desta cultura que Portugal necessita. Perceber que o insucesso não é sinónimo de incompetência e falta de capacidade; perceber que só não falha quem nunca tentou; enfim, perceber que errar faz parte do processo normal de quem ambiciona o êxito. .Não quero com isto fazer a apologia do mindset prevalecente em Silicon Valley. Muito do que vi por lá não é necessariamente bonito, não faz parte do meu modo de vida e não o desejo aos meus alunos e àqueles que comigo colaboram. Vi lá muita gente a trabalhar estupidamente para além do razoável, apenas movidos pela ambição de virem a ser um futuro Steve Jobs. .Mas um pouco dessa ambição e, principalmente, de abertura ao risco não nos fazia nada mal. Porque, e volto a repetir, só não falha quem não tenta. Falhar faz parte do processo de evolução e quem falha não deve ser estigmatizado. Errar é humano - o problema é quando não se aprende com os erros: aí sim, passa a ser incompetência. .Tudo isto tem a ver com atitudes, quer individuais quer coletivas. E num país onde a maior parte da população acima dos 18 anos depende diretamente de decisões tomadas ao nível do Orçamento do Estado, a acomodação, a aversão ao risco e a falta de ambição funcionam como verdadeiros entraves à inovação e empreendedorismo e, consequentemente, ao crescimento económico e desenvolvimento social. .Carlos Brito, Professor da Universidade do Porto - Faculdade de Economia e Porto Business School