
A legislação conhecida como “ simplex” do licenciamento urbanístico, publicada na passada segunda-feira em Diário da República, é consensual junto dos vários agentes do mercado, que há muito a reclamavam e aguardavam. Mas não deixa de levantar dúvidas nos representantes da construção e da promoção imobiliária, que até apontam riscos. Manuel Reis Campos, presidente da Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas (AICCOPN), defende que “muitas das soluções encontradas são positivas e serão capazes de conferir aos procedimentos maior celeridade e simplificação”. Hugo Santos Ferreira, que preside à Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), considera a nova lei “grosso modo, positiva. Um bom começo”. No entanto, alerta este responsável, “a grande dúvida é se não estamos a trocar a segurança jurídica do negócio imobiliário pela aceleração dos procedimentos a todo o custo”.
Para o presidente da APPII, questões como o fim do alvará de construção e a utilização preferencial do mecanismo de comunicação prévia podem causar dificuldades aos investidores junto das seguradoras e dos bancos. “Vamos ver como é que o mercado vai reagir quando só há um título baseado em taxas pagas ou comunicações prévias, e também como as câmaras municipais vão responder”, diz.
Reis Campos alerta para a necessidade de “encontrar um equilíbrio entre a simplificação administrativa e a garantia da qualidade técnica e construtiva, uma vez que o diploma reduz significativamente a participação/validação da Administração Central e Local nos processos de licenciamento, passando a haver um risco acrescido para os investidores”. Esse risco agrava-se “pela vastidão dos requisitos técnicos e urbanísticos que se encontram dispersos por inúmeros diplomas legais”, lembra ainda.
O líder da construção chama também a atenção para a exigência de uma “forte adaptação dos municípios às novas regras, os quais terão de ser capazes de dar resposta às novas disposições legais, sob pena de, na prática, não ser possível concretizar a sua efetiva aplicação”. Nesta matéria, Santos Ferreira lembra a necessidade de “uma grande mudança na cultura instituída na administração do Estado, que é uma cultura da dificuldade, da criação de problemas, da corrupção...”. Em suma, defende, é “preciso melhorar a máquina administrativa do Estado. Enquanto houver um burocrata, haverá sempre burocracia”.
A reforma do licenciamento urbanístico exige também a elaboração do “famoso Código da Construção”, lembra Santos Ferreira. Já Reis Campos aponta a falta do código, mas também da plataforma eletrónica dos procedimentos urbanísticos, cuja criação está prevista no diploma, mas que só deverá estar em funcionamento em 2026. Como sublinha, são “instrumentos operativos imprescindíveis para se alcançar os objetivos da reforma e sem os quais esta não poderá ser verdadeiramente implementada na sua plenitude e extensão”.
Apesar do Governo considerar o simplex do licenciamento um veículo para a aceleração de projetos imobiliários residenciais e, dessa forma, responder às necessidades do mercado, essa pretensão não colhe consenso junto da construção e da promoção imobiliária. “O problema da falta de habitações é estrutural e não se resolve apenas com uma maior celeridade no licenciamento das operações urbanísticas, que apesar de ser muito benéfica, não será suficiente para colocar no mercado a habitação que o país tanto carece, a preços adequados aos rendimentos da maioria dos portugueses, em particular dos mais jovens, num curto espaço de tempo”, afirma Reis Campos. Para responder à escassez de casas, é “necessário apoiar os investidores, através da criação de linhas de financiamento e de um adequado quadro fiscal” e “investimento público”, frisa.
Em conclusão, “a celeridade do licenciamento é uma parte da solução, mas, por si só, não será suficiente para resolver o problema habitacional do país, que exige uma resposta integrada, com atuação ao nível do investimento público e do investimento privado” defende o presidente da AICCOPN. Já para Santos Ferreira, o simplex do licenciamento “é o início do caminho” para aumentar a oferta, mas “não é a solução. Vamos continuar a ter dificuldades”.