
A Helena quer trabalhar das 9 às 17 horas; ao Samuel dá-lhe mais jeito laborar das 6 às 14 horas; a Cristina precisa de ir ao médico e só está disponível das 16 horas até à meia-noite. Numa empresa de transportes, os exemplos multiplicam-se aos milhares. É necessário conjugar as preferências dos trabalhadores com os horários de circulação diária dos comboios. Quem está a fazer as escalas dos funcionários não tem capacidade para processar tanta informação num tão curto espaço de tempo.
A Siscog, ao ter desenvolvido uma plataforma para resolver problemas como este, tem conquistado clientes no setor dos transportes nos últimos 38 anos. A empresa portuguesa tem clientes como Metro de Lisboa, Medway, Metro de Londres e operadores ferroviários de países como Espanha, Países Baixos, Suécia, Finlândia, Noruega e também no Canadá. No ano passado juntaram-se os norte-irlandeses da Translink e os escandinavos da CargoNet.
O trabalho desenvolvido a partir dos escritórios de Lisboa e do Porto acaba por ter efeitos, ainda que indiretos, no serviço prestado aos passageiros. A tecnológica criou um sistema cognitivo (é daí que vem o nome da empresa) que ajuda nas operações diárias das empresas ferroviárias.
O Metro de Lisboa usa três das quatro soluções desenvolvidas pela Siscog: ferramentas de construção de horários, gestão da frota e também do pessoal a bordo e dentro das estações. “Recorremos a otimizadores para evitar uma série de atrasos e de problemas”, refere em entrevista ao Dinheiro Vivo o responsável pela área de desenvolvimento estratégico da companhia, Eurico Matos.
A solução também permite à transportadora da capital “definir melhor os níveis de serviço, evitando comboios vazios ou sobrelotados, respondendo rapidamente aos indicadores de procura” e ainda “proporcionar melhores condições aos trabalhadores”, através da adaptação dos turnos às necessidades pessoais. A empresa, no entanto, apenas fornece a ferramenta aos clientes, que depois “definem objetivos de serviço muito concretos” e que, por exemplo, vão variando com a disponibilidade de material circulante. Para outros clientes, há ainda uma solução para o planeamento das manobras dos veículos dentro das estações.
Em quase quatro décadas, as ferramentas desenvolvidas pela empresa mudaram de orientação: “Já lá vai o tempo em que as soluções eram sobretudo para poupar dinheiro. O mercado está a mudar muito: é necessário satisfazer cada vez mais o pessoal e também há cada vez maior preocupação com o consumo energético”, nota Eurico Matos.
Apesar disso, há elementos constantes: os fundadores, Ernesto Morgado e João Pavão Martins, mantêm-se como acionistas únicos (metade do capital para cada um) e na liderança da empresa. Não há intenção de alterar a estrutura acionista e os lucros são para continuar a serem reinvestidos. Também consistente é a aposta na inteligência artificial - “não a vamos aplicar só porque sim” - e nos operadores ferroviários: “Estamos atentos ao surgimento de empresas privadas”.
Aposta nos Estados Unidos e trabalho remoto
A tecnológica foi criada em 1986, quatro anos depois de os fundadores terem concluído um doutoramento em Inteligência Artificial nos Estados Unidos. O país vai ser a próxima grande aposta da Siscog e já lá tem um escritório a funcionar. “Estamos a tentar entrar neste mercado e estamos disponíveis para trabalhar com operadores de grande dimensão”, sinaliza Eurico Matos.
Ao longo dos anos, a empresa tem tentado apostar noutras geografias, mas vários desafios acabaram por surgir: “Não vingámos na América Latina após a realização de estudos de mercado. Na China, chegámos a fazer vários protótipos para o Metro de Xangai, mas a política de transferência do conhecimento não nos serviu”, recorda a agora gestora de Marketing, Natalina Magro.
Com cerca de 150 trabalhadores, a empresa faturou 13 milhões de euros no ano passado e tem conseguido recrutar novos elementos ao longo dos anos - há mesmo um bónus para quem fizer recomendações certeiras.
A aposta no trabalho remoto tem sido uma das principais opções e explica por que no dia em que visitámos a sede, em Lisboa, havia apenas cinco funcionários. Num mercado tão competitivo como o das empresas de software, a possibilidade de trabalhar a partir de qualquer lado é um trunfo.