Situação do Burkina Faso “assombra” a venda do banco da CGD em Cabo Verde

Caixa espera vender BCA até ao final do ano, ao grupo Coris, do Burkina Faso. O facto de este país estar na dependência da Rússia e ter sido incluído na “lista cinzenta” de países com risco elevado de branqueamento de capitais não deverá impedir operação, mas pode complicar relações do BCA com bancos europeus.
A CGD, liderada por Paulo Macedo, espera encaixar 70,5 milhões com a operação, com uma mais-valia de 16 milhões. Foto: Orlando Almeida/GI
A CGD, liderada por Paulo Macedo, espera encaixar 70,5 milhões com a operação, com uma mais-valia de 16 milhões. Foto: Orlando Almeida/GI
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A venda da participação maioritária da Caixa Geral de Depósitos (CGA) no Banco Comercial do Atlântico (BCA) de Cabo Verde, ao grupo Coris, do Burkina Faso, está a ser “assombrada” pela proximidade deste país africano com o Kremlin. Além de ter passado para a esfera de influência da Rússia, embora não seja alvo de sanções por parte dos EUA e da União Europeia (ao contrário do vizinho Mali), o Burkina Faso está na “lista cinzenta” de países terceiros que apresentam risco elevado em termos de controlo do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo. Uma situação que não deverá impedir a venda ao Coris, mas que poderá dificultar as relações entre o BCA e os bancos europeus e ocidentais, no futuro.

Desde 2019 que a Caixa Geral de Depósitos tenciona vender o BCA. Em março último, anunciou que chegou a acordo com a Coris Holding, do Burkina Faso, para a venda de 59,81% do capital, por 70,5 milhões de euros. Esta alienação insere-se num plano de reorganização da presença internacional da CGD e, no que diz respeito a Cabo Verde, explica-se com o facto de a Caixa deter outra instituição financeira no país, o Banco Interatlântico (BI). Será através deste último que o banco público liderado por Paulo Macedo pretende manter a sua atividade em Cabo Verde.
Além do Coris, estavam na corrida ao BCA o IIB Group, do Bahrein, bem como o ganês First Atlantic Bank. A Caixa escolheu o grupo do Burkina Faso, tendo obtido luz verde do anterior governo, liderado por António Costa.

A operação aguarda agora aprovação do Banco Nacional de Cabo Verde (BCV), o supervisor do setor financeiro daquele país lusófono. A 19 de julho último, a Lusa noticiou que o governador do BCV, Óscar Santos, prometia concluir a analise à operação num período que poderia ir de “um mês a três meses”, o que atira o closing da operação para este mês de outubro. No seu relatório e contas semestral, a CGD refere que espera concluir a operação até ao final do ano. Segundo o Jornal Económico, na apresentação de resultados do primeiro trimestre, o administrador financeiro da Caixa, Francisco Cary, deu nota aos jornalistas que o banco público tem mantido “contactos com entidades regulatórias em Cabo Verde”, não existindo “qualquer sinal de desconforto”. 

Uma vez que o Coris está sediado num país que se encontra na Lista Cinzenta do Grupo de Ação Financeira (GAFI), será de esperar que os reguladores sejam mais exigentes em relação às operações que os bancos ocidentais façam com o BCA. Isto embora o GAFI tenha reconhecido, num relatório em junho, que o Burkina Faso tem feito progressos a nível de mecanismos de controlo do branqueamento de capitais e do financiamento ao terrorismo, sem o retirar, para já, da Lista Cinzenta.

Segundo a Lei nº83/2017, de 18 de agosto, entre outras obrigações, os bancos que atuem como correspondentes de entidades oriundas de países terceiros devem monitorizar “em permanência e de forma reforçada as operações praticadas no âmbito da relação de correspondência”, em termos que permitam aferir “a consistência daquelas operações com os riscos identificados e com o propósito e a natureza dos serviços contratualizados no âmbito da relação de correspondência”. No caso das entidades de países com risco elevado, o controlo será mais apertado.

Questionada pelo DN sobre se existem riscos acrescidos resultantes do facto de o Coris ser oriundo de um país que está na Lista Cinzenta do GAFI e é considerado próximo da Rússia, fonte oficial da Caixa Geral de Depósitos respondeu que cabe às autoridades cabo-verdianas avaliar a operação. “A operação está a ser analisada pelo Banco Central de Cabo Verde, que é quem compete analisar a idoneidade, oportunidade e fit and proper da operação”, disse a referida fonte.
Burkina Faso na “dependência” da Rússia
Desde os golpes militares de 2022, o Burkina Faso tem vindo a colocar-se na esfera de influência da Rússia. Incapazes de derrotar os rebeldes islamistas ligados à Al-Qaeda, as tropas francesas foram expulsas do país pelo novo regime militar liderado por Ibrahim Traorée. A antiga potência colonial foi substituída pela influência moscovita, com a intervenção, bastante ativa, do grupo Wagner e do seu fundador, o falecido Yevgeny Prigozhin. O regime anunciou no início deste ano a saída da Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a intenção de abandonar a área do franco CFA, que liga o país a França. Tem-se afastado, assim, da União Europeia e do bloco ocidental liderado pelos Estados Unidos, embora não seja alvo de sanções, ao contrário do vizinho Mali. “Pode dizer-se, de facto, que o Burkina Faso, que tem uma situação securitária terrível, pelas incursões islamistas, está a cair numa crescente dependência da Rússia”, disse ao DN o embaixador e comentador Francisco Seixas da Costa. “Como sempre, ali como na vizinhança, o futuro far-se-á manu militari, seja em que sentido for”, concluiu.

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