Sobre os lucros dos bancos e a sua salvação

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É frequente, nos últimos tempos, ouvir e ler noticiadores e comentadores indignarem-se e apelarem à indignação com os lucros extraordinários e supostamente imorais da banca. Apresentam, em sustentação das suas indignações e dos seus apelos, dezenas e centenas de milhões de euros de lucros realizados. Ainda há dias, um telejornal exclamava, na sua abertura, que os bancos estão a lucrar 10 milhões de euros por dia. E quando querem enfatizar ainda mais o que entendem ser a imoralidade da situação, contrapõem os milhares de milhões com que os contribuintes avançaram para "salvar bancos".

Esta retórica populista e descuidada é perigosa porque pode facilmente conduzir a posições e a medidas que se tornarão contraproducentes para o bem-estar social. Por isso me parece importante contextualizar racionalmente os números soltos emotivamente atirados ao ar, para que as pessoas de bom senso e bem intencionadas os possam perceber melhor.

Assim, e começando pelos 10 milhões (número arredondado para cima) de lucros diários: este número, extrapolado, implica um lucro anual de 3,6 mil milhões de euros. O que parece muito, sobretudo para quem tem como referência o seu rendimento anual. Mas se compararmos, por exemplo, com a dívida pública (279 mil milhões), já é pouco: 1,3%. O problema é que nenhum destes comparadores - rendimento pessoal e dívida pública - faz sentido. O único comparador adequado é o capital de que os bancos dispõem e aplicam na sua atividade. E este (também arredondando para cima) é de perto de 40 mil milhões de euros, pelo que os 3,6 mil milhões de lucro anual representam uma rendibilidade de 9%. É muito ou pouco? Mais uma vez, depende do comparador aplicável. E, neste caso, o comparador adequado é o custo do capital para o acionista/investidor, que é, grosso modo, a remuneração mínima esperada por um investidor (i.e., fornecedor de capital) para investir nessa atividade, face às variadas alternativas de aplicação de capital que tem ao seu dispor: abaixo disso, não investirá e só acima disso o investimento se começa a tornar atrativo.

De acordo com vários estudos e métodos, de várias fontes, é estimado que o custo do capital no setor bancário europeu se situa num intervalo entre os 8% e os 10%. Portanto, os 9% de rendibilidade média que o setor bancário português registará (segundo os tais 10 milhões por dia), corresponde basicamente ao custo do capital, não sendo sequer particularmente atraente para que o setor consiga atrair mais capital, necessário para o crescimento do seu apoio à economia. Por outro lado, esta rendibilidade "meridiana", que se poderá manter em parte do corrente ano, beneficia de circunstâncias extraordinárias e transitórias, com pouca probabilidade de se manter por muito tempo. A prova de que a expectativa dos investidores é a de que estes níveis de rendibilidade se não manterão nos anos seguintes está na relação entre a cotação dos bancos e o valor contabilístico do seu capital (em jargão tecnocrático, no Price/Book value). Em Portugal, onde só temos um banco cotado, essa relação é de 60% (tem vindo a subir, em linha com os níveis médios na Península Ibérica e na Europa (70%). O que significa que o mercado estima que, no futuro previsível, a rendibilidade esperada do setor continua inferior ao custo do capital.

Por outro lado, ainda, se olharmos para trás e tomarmos um período longo, verificamos que nos últimos 15 anos (incluindo já o "extraordinário" 2022), a rendibilidade média da banca portuguesa foi de... 0%!! E, desde 2015, foi de 2,4%. Para continuar a ser o sustentáculo do desenvolvimento da economia portuguesa, que se espera possa crescer mais do que tem crescido, os bancos precisam de mais capital e para poderem atrair o capital necessário precisam de ter rendibilidade superior ao custo do capital. Pelo que, hostilizar os lucros dos bancos é hostilizar o crescimento da economia, ou então que esse crescimento seja apoiado por bancos residentes no estrangeiro, ali criando emprego, valor acrescentado e base fiscal.

Agora o mito dos bancos salvos pelos contribuintes. É frequente ouvir que o Estado gastou mais de 20 mil milhões de euros para "salvar os bancos". Para ser mais preciso no valor, recorro ao que o Tribunal de Contas aponta como o valor de "apoios públicos ao setor financeiro", entre 2008 e 2021: 22 049 milhões de euros. O problema é que, com estes apoios, o setor público não salvou banco nenhum. Vejamos, então, como se decompõe este valor: a) 5,5 mil milhões foram investidos na CGD, mas este é um investimento de acionista para viabilizar o seu próprio ativo (como muitos acionistas privados fizeram nos seus bancos); b) para apoiar dois bancos que atravessaram problemas transitórios - BCP e BPI -, o Estado emprestou-lhes dinheiro, com o que realizou um lucro de 1,1 mil milhões; c) por fim, o Estado gastou 17,8 mil milhões em "resgates". Mas nenhum destes "resgates" salvou bancos, pois todas as instituições através de cujos casos se consumiu essa verba - BES, Banif, BPN, BPP - desapareceram, nenhuma se salvou! Então quem foi salvo? Foram os depositantes desses bancos - que se os bancos fossem simplesmente liquidados, teriam perdido o equivalente a esse valor - e foi a estabilidade financeira, sem a qual teria havido, muito provavelmente uma profunda recessão económica, com todas as consequências económicas e sociais.

Vítor Bento, presidente da APB

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