Somos todos portugueses de primeira

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Dificilmente a atual conjuntura poderia soar melhor aos nossos ouvidos: crescimento económico impulsionado pela procura dirigida ao nosso país (sendo o Turismo a alavanca destacada desse incremento), juros da dívida pública em mínimos históricos (o programa de compra de ativos do BCE teve papel preponderante até setembro último), o desemprego regista as taxas mais baixas dos últimos 15 anos (situando-se neste momento nos 6,8%), o défice continua a baixar de forma consistente (o próximo Orçamento de Estado anuncia um défice de somente 0,2%), e os índices de confiança dos agentes económicos prolongam a trajetória positiva observada desde o início de 2013 (renovando o valor máximo da série iniciada em novembro de 1997).

Ora, supostamente estariam reunidas as condições para finalmente levarmos a cabo as urgentes reformas estruturais de que Portugal carece (quase) desde sempre. Seja na Saúde, na Educação, na Segurança Social, no Sistema Tributário ou também agora nas Forças Armadas. Todavia, e ao invés do expectável, o Governo português propõe no Orçamento de Estado para 2019 sobretudo o aumento da despesa pública em benefício das crónicas clientelas: as progressões, os aumentos e as devoluções dos funcionários públicos (incluindo a despropositada reposição das 35horas de trabalho semanais), a integração dos precários na esfera da função pública, os eternos prejuízos das empresas públicas, as ruinosas parcerias público-privadas ou os muitos milhares de subsídio dependentes.

Isto é, acentua a nociva discriminação entre portugueses de primeira e portugueses de segunda sob o manto dos intitulados direitos adquiridos. Política separatista que ganha novos contornos com o Programa Regressar, embora neste caso tenhamos de ajustar a expressão para direitos a adquirir. Trata-se de um benefício fiscal com o objetivo de incentivar o regresso de grande parte dos cidadãos que emigraram durante os anos da grave crise económico-financeira em Portugal culminada com a intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI). A proposta do Governo exclui de tributação em sede de IRS 50% dos rendimentos de todos os quantos tenham residido em Portugal em algum momento do tempo, tenham saído do país até 31 de dezembro de 2015 e não tenham voltado em 2016, 2017 ou 2018. O Programa Regressar não diferencia profissões, rendimentos ou nacionalidades desde que a situação contributiva esteja regularizada.

Escusando-me de abordar qualquer questão relacionada com a constitucionalidade da medida, deixando a discussão para os especialistas, mas sublinhando que todos os cidadãos são iguais perante a lei, a pergunta a colocar aos legisladores, e como acertadamente escutei um destes dias, seria: é a residência em solo português um ativo justificativo para a discriminação positiva daqueles que venham eventualmente a regressar – e assim colocados em vantagem em relação àqueles que tenham permanecido em Portugal? Talvez as atividades produtoras de riqueza de cidadãos que regressem ao país valham muito mais do que as mesmas atividades de cidadãos que decidiram permanecer no território. Possivelmente, ter-se-á tratado de uma decisão errada.

Dir-vos-ei, independentemente deste juízo de valor, que também entendo necessárias políticas de atração das centenas de milhares de qualificados profissionais hoje espalhados pelos quatro cantos do mundo. A melhor geração que Portugal jamais concebeu merece esse comprometido esforço. Mas sem subterfúgios de amplitude duvidosa que permitam, a título de exemplo, aos futebolistas com salários milionários que tenham jogado no campeonato português o regresso com generosos benefícios fiscais. Atente-se no projeto da Fundação AEP Associação Empresarial de Portugal Empreender 2020 – Regresso de uma Geração Preparada que coloca ao dispor dos jovens uma rede de organizações, instituições e empresas habilitadas a apoiá-los nesse retorno. Oferecendo-lhes ferramentas, networking e informação. Dispensando vantagens, benesses ou regalias. Todos portugueses de primeira.

João Rafael Koehler, Investidor

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