Sonhos olímpicos

Num país com fraca cultura desportiva, os Jogos Olímpicos sobem ao palco para despertar sentimentos ambíguos. As marcas estão sobretudo envolvidas numa lógica global, num contexto onde as grandes multinacionais questionam a viabilidade do investimento. Recados de atletas medalhados são também o espelho da realidade.
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Caiu o pano sobre uma das mais atribuladas edições de sempre dos Jogos Olímpicos de Verão e Portugal rejubila com a conquista de resultados nunca antes alcançados. Será? Pelo menos é essa a visão do COP, que passou uma mensagem de dever cumprido. A contabilidade é conhecida e não deixa margem para dúvidas, embora seja também certo que países com menos metade da população portuguesa - como a Croácia - apresentarem um rácio de medalhas muito superior (8 contra 5). Menos evidente é o interesse das marcas naquele que é o segundo evento desportivo com maiores audiências do planeta, logo a seguir à norte-americana Super Bowl - onde um anúncio de televisão de 30 segundos atingiu este ano a impressionante quantia de 5.6 milhões de dólares.

Procter & Gamble, Toyota, Google, Samsung e Coca Cola são as cinco marcas que mais investiram nesta edição, destacando-se num bolo de mais de 3 mil milhões de dólares. Toda a incerteza decorrente do cenário de pandemia e o consequente afastamento do público tornaram esta aposta menos aliciante. E também os erros e escândalos da organização japonesa, com um rol de demissões e intrigas que levaram a um certo distanciamento dos patrocinadores. Ao ponto de algumas destas marcas terem estado ausentes na cerimónia de abertura.

À parte da lista de marcas oficiais dos JO, a polémica regra 40 do Comité Olímpico Internacional - introduzida em 1991 e atualizada este ano - limita a associação direta ao movimento. Durante o período de blackout, que decorre entre o dia da abertura da aldeia olímpica e dois dias após a cerimónia de encerramento, as marcas patrocinadores de atletas e/ou missões olímpicas nacionais (que não sejam também marcas oficiais dos JO) têm a sua ação limitada no que à comunicação diz respeito. Com uma margem de manobra um pouco maior após a revisão desta regra, as marcas que patrocinam diretamente um atleta, federação ou desporto são ainda assim obrigadas a estar na sombra durante os dias mais apelativos da campanha - o que diminui claramente o interesse do negócio. E é precisamente de negócios que falamos quando uma marca decide realizar este tipo de investimento. Neste ponto, tenho de concordar com Daniel Sá a propósito da polémica em torno das declarações de Jorge Fonseca, vencedor da medalha de bronze no Judo, que lamentou a falta de interesse de marcas como a Adidas e a Puma em patrociná-lo. Em Portugal a realidade é nua e crua. O desporto é futebol e depois existem as "modalidades". Todos os holofotes mediáticos estão com a bola e pouco sobra para todas as outras modalidades. Quando uma marca investe num desporto ou num atleta está a realizar um investimento que tem de ser rentabilizado. A Adidas é patrocinadora de Nélson Évora e a Puma de Pedro Pablo Pichardo e Patrícia Mamona, mas estes não são os únicos patrocinados por marcas globais. Outro exemplo é o skater Gustavo Ribeiro, que integra - tal como Pichardo e Teresa Bonvalot - a equipa de atletas Red Bull. Estas marcas integram os seus atletas nas suas estratégias de comunicação, não colocando em mãos alheias o sucesso destas apostas.

Acompanho há 20 anos este mercado e sei que hoje, mesmo com todas as facilidades da tecnologia, muitas federações de desportos olímpicos simplesmente não comunicam. Antes da partida para Tóquio, um jornalista desportivo dizia-me que há anos que não recebia um único Comunicado de Imprensa das federações de várias das modalidades presentes. Com uma comunicação inexistente ou amadora nunca vão existir resultados - seja em mancha mediática, seja em número de contactos - que justifiquem o investimento das marcas. Por algum motivo, a Federação Portuguesa de Futebol tem 12 sponsors e a de Judo apenas um: os Jogos Santa Casa. Acredito que não será possível inverter este cenário, mas há muito terreno para conquistar pelas ditas modalidades e isso só será viável com um plano estratégico de longo prazo executado pelos melhores profissionais. Veremos se em Paris 2024 vamos assistir à repetição deste erro e dos mesmos discursos, colocando as marcas no papel de más da fita e os atletas no de vítimas.

Gonçalo Bettencourt da Câmara é especialista em Comunicação Estratégica

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