"Sou um bom capitão. O talento é doutros"

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É comparado com Gandhi e Martin Luther King

Jr., como figura de relevo na defesa dos direitos civis, mas o

arcebispo emérito sul-africano de 79 anos troça. Diz que recebeu o

Nobel da Paz porque o comité queria uma figura antiapartheid com um

apelido fácil. "Sou só um bom capitão", disse Tutu em

Oxford, no Skoll World Forum, este Verão. "Uso os talentos

alheios e, se a equipa joga bem, recebo os louros."

Queria ser médico mas acabou por tornar-se

professor e depois padre. Alguma vez pensou em ser gestor?

Não, não seria bom nisso. Se tenho dinheiro,

gasto-o. Além disso, na África do Sul onde cresci havia um tecto

para os pretos prosperarem. O único negócio que podia gerir era uma

loja - e nunca uma que fizesse concorrência à dos brancos. A

desigualdade era total e acho que não gostaria de frustrar-me tanto.

O apartheid demorou décadas a ultrapassar.

Onde encontrou força?

Acho que não sentíamos pena de nós próprios.

Vivíamos privados de muita coisa, mas não obcecados com isso.

Divertíamo-nos. Não éramos tão políticos como as gerações

seguintes. Mas uma pessoa só sobrevive até determinado nível de

repressão - veja-se a Líbia, que viveu assim 40 anos. Porque é que

não olharam à volta e viram outras partes de África a libertar-se?

As coisas acontecem, mas há uma evolução. Outros egípcios

defenderam os direitos humanos antes e parecia que tinham falhado,

mas vemos hoje que, na realidade, não falharam.

O apartheid teria caído mais depressa na era

do Twitter?

Talvez. Mas as pessoas comunicavam bem sem

redes sociais, mesmo com o Special Branch - uma força de segurança

terrível que parecia saber sempre tudo. Apesar da ameaça de prisão

e exílio, as pessoas não desistiam, ficavam mais determinadas.

Como conseguiu unir tantas pessoas diferentes?

Eu apenas trabalhava com as acções das

pessoas. Elas eram altruístas - não lutavam contra o apartheid por

ganhos próprios. E havia grupos antiapartheid em quase todos os

países. Era um fenómeno.

Como aprendeu a usar o humor para liderar?

A minha família gosta de pregar partidas e tem

bastante sentido de humor. Para sobreviver num ambiente destes, temos

de estar à altura. Apesar de tudo o que sofreram, os sul-africanos

têm esta maravilhosa capacidade de rir - caso contrário tínhamos

enlouquecido. Às vezes eu dizia qualquer coisa de improviso e

pensava: "Eu disse mesmo isto? Foi inteligente!" Mas não

podia ser assim, espontâneo. Havia sempre umas velhotas a rezar pelo

povo sul--africano. Acredito que eram essas orações que me

ajudavam.

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