O texto final da chamada nova lei das startups, aprovado na semana passada, marca uma viragem significativa na tributação dos regimes de remuneração assentes em opções de aquisição de participações sociais (stock options).
Uma mudança desde há muito reivindicada pelo tecido empresarial português, em especial pelo segmento das startups, é anunciada como uma medida a estas direcionada. Incompreensivelmente, contudo, desconsidera (quase) em absoluto as especificidades das startups.
O novo regime fiscal - que apenas tributa 50% dos ganhos com stock options a uma taxa de 28% - é aplicado a startups e a PME.
Ora, a qualificação e/ou reconhecimento como startup é totalmente desnecessária para efeitos do novo regime fiscal dado que este se aplica a toda e qualquer PME sem necessidade de estatuto de startup ou de desenvolvimento de atividade no âmbito da inovação. É assim totalmente obsoleta a referência ao conceito de startup do novo regime fiscal das stock options.
Por outro lado, as alterações introduzidas ao texto inicial, seguramente bem-intencionadas, introduzem uma série de incertezas quanto ao regime. As palavras contam. E a escolha de palavras do texto aprovado em nada abona a favor da certeza e segurança que se impõe.
Nos termos do texto final, o momento relevante para determinar a elegibilidade da entidade atribuidora do plano, é o da aprovação do mesmo (contrariamente ao texto da redação inicial que apelava ao conceito de "atribuição").
Esta mudança terminológica causa incerteza e estranheza.
Incerteza quanto a futuras alterações ao plano aprovado: sendo introduzidas alterações num exercício em que a entidade já não seja elegível, mas que afetem as opções atribuídas ao abrigo do plano aprovado no exercício de elegibilidade, deixam essas opções de beneficiar do novo regime fiscal?
Estranheza quanto à solução: a cristalização do momento "aprovação" para efeitos do novo regime fiscal permite que todas as opções que venham a ser atribuídas no futuro, ainda que a entidade já não se qualifique há muito como PME, possam beneficiar do novo regime fiscal, sem que se verifiquem os fundamentos que determinaram a criação do regime (i.e., dificuldade de atração e retenção de talento).
E os impactos da escolha de palavras não se ficam por aqui.
Anunciado como o regime que difere a tributação para o momento da venda, o termo escolhido para o efeito - alienação - deixa muito a desejar.
Como tratar as situações, recorrentes no mundo das startups, em que a alienação - transmissão do direito de propriedade de um bem - tem como contrapartida ações de uma outra entidade do grupo, ou mesmo novas stock options, sem que haja qualquer evento de liquidez?
O espírito da lei, consubstanciado nas palavras de quem o anunciou, seguramente ditaria a aplicação do novo regime; a letra da lei nega-o.
Estranha-se, também, a manifesta violação do Direito da União Europeia, traduzida na tributação discriminatória e agravada de trabalhadores que deixem de ser residentes fiscais em Portugal, nos casos em que se mudem para outro Estado-membro.
Uma palavra final para o que deveria estar e não está, para o que podia ter sido e não foi.
A atual redação assenta no pressuposto de que há um efetivo exercício da opção, por via da qual se adquirem valores mobiliários ou direitos equiparados, desconsiderando os casos em que as opções não comportam uma efetiva aquisição de valores mobiliários ou de direitos equiparados, sendo antes objeto de liquidação financeira.
Ao assentar no exercício de uma opção, ficam também de fora os planos de atribuição (direta) de valores mobiliários ou direitos equiparados, sem que conceptualmente se descortine uma razão válida para o efeito.
Não negando que se trata de um momento de viragem, com mudanças impactantes e há muito desejadas, fica ainda assim o amargo de boca de ser um regime que parece desconhecer as especificidades e desafios do universo a que primordialmente se dirige, ficando muito aquém de ser, nas palavras do ministro da Economia, "a lei mais competitiva do mercado europeu e, quem sabe, do mercado internacional".
Sócia e Coordenadora de Fiscal da CCA Law Firm