O Orçamento de Estado retificativo para 2020 (o chamado OE2020 suplementar) está assente num cenário negativo, mas ainda assim demasiado "otimista", sobretudo no que respeita ao consumo das famílias, pondo diretamente em xeque a previsão de receita fiscal, também ela aparentemente sobrestimada pelo Ministério das Finanças (MF) por causa do cenário otimista, alerta o Conselho das Finanças Públicas (CFP) num novo estudo divulgado esta quarta-feira.
Além disso, a tutela que agora é do ministro João Leão é acusada de ser pouco transparente no documento, não enviou a informação necessária para se poder avaliar decentemente a qualidade deste retificativo, lamenta o mesmo Conselho das Finanças.
"O cenário macroeconómico subjacente à Proposta de Alteração ao Orçamento do Estado para 2020 (PAOE/2020) representa riscos orçamentais consideráveis ao ter uma perspetiva aparentemente otimista quando comparado com as previsões oficiais mais recentes para 2020 em importantes agregados macroeconómicos", refere o CFP, que é presidido por Nazaré Costa Cabral.
"A concretização do crescimento do produto interno bruto (PIB) projetado pelo MF constitui um fator crítico para o cumprimento dos objetivos orçamentais. A qualidade dessa previsão assume um cariz ainda mais importante no atual contexto de crise".
O problema, diz o Conselho, é que "caso a contração da economia se revele mais intensa do que o previsto na PAOE/2020, isso terá um efeito ainda mais desfavorável no comportamento dos agregados orçamentais".
"Pode implicar um aumento mais acentuado da despesa com prestações sociais (estando em causa o subsídio de desemprego e, no contexto atual, o subsídio de doença e o próprio Rendimento Social de Inserção) e uma maior redução da receita fiscal (por via do consumo privado, cuja quebra parece ter sido subestimada no cenário subjacente à PAOE/2020)".
"Ainda no âmbito da receita, a medida de diferimento do prazo de pagamento de impostos é importante para assegurar liquidez às empresas, mas também encerra riscos descendentes, na medida em que o pagamento dessas obrigações ficais poderá ficar comprometido caso ocorram situações de insolvência", acrescenta a entidade no novo estudo.
Finanças opacas, falham no envio de informação crucial
"No entendimento do CFP, esta proposta de revisão orçamental deveria ser acompanhada dos elementos informativos suficientes para justificar as alterações que modificam radicalmente o OE2020 aprovado, apresentando um nível de detalhe pelo menos equivalente ao dos que acompanharam a proposta de lei de OE2020. Tal não sucede", acusa o Conselho.
Esta crítica nem sequer é nova. Em maio, o CFP já tinha reclamado e avisado as Finanças que estavam a ser demasiado opacas num documento com este grau de importância.
"Como referido pelo CFP em maio, a ausência de elementos informativos essenciais constitui uma lacuna importante no plano da transparência orçamental, com eventuais consequências na confiança dos agentes económicos, uma das dimensões mais relevantes da atual crise e, em termos mais gerais, na capacidade de escrutínio público das medidas e das políticas que têm vindo a ser adotadas neste contexto tão adverso", recorda a instituição.
Além disso, "o relatório que acompanha esta proposta inclui previsões macroeconómicas para 2020 e 2021", mas essas previsões "não foram sujeitas à apreciação prévia por parte do CFP."
A entidade de Nazaré Costa Cabral recorda que "por se tratar de uma revisão orçamental e não da proposta de orçamento, não existe uma obrigação legal de submeter as previsões a essa apreciação prévia (processo de endosso)".
Mas deixa entender que a postura das Finanças devia ter sido mais construtiva. Não foi e isso tem consequências sobre a qualidade e credibilidade do seu próprio OE. "A opção de não utilização deste mecanismo acaba por fragilizar a solidez institucional e a própria credibilidade dessas previsões enquanto ponto de referência na formação de expectativas dos agentes económicos."
(atualizado às 15h50)