Uma economia que vai crescer mais de 3% este ano e a acelerar, quando no Ocidente ainda se cisma e sofre com a crise. Um domínio esmagador das exportações no produto interno bruto (PIB) - mais de 60% -, com altas tecnologias a liderar (software e hardware de telemóveis, placas de processadores, ecrãs de LCD e LED, testes rápidos de VIH). Um sistema de saúde público que gasta o equivalente a 6,6% da riqueza anual. Desemprego em 4,2% da população ativa. Um excedente comercial de 10% do PIB. Inflação como gosta o Banco Central Europeu: próxima, mas abaixo de 2%. Dívida pública de 36% do PIB. IVA de 5%. IRC de 17% com deduções fiscais das mais generosas do mundo desenvolvido. . Esta é, em muitos aspetos, a economia que governo e indefetíveis do ajustamento prometem aos portugueses no futuro "pós-troika". Este país existe, mas está longe. É Taiwan, uma "província da China", como diz o Fundo Monetário Internacional. Está no extremo Oriente e despertou para as exportações de alto valor em 1980. Portugal só acordou a sério para esta realidade quando entrou no euro, em 2002. Talvez até mais tarde que isso. . As ruas de Taipé, a capital da ilha bonita (Formosa foi o nome dado há séculos pelos descobridores portugueses), emitem a tal vibração do crescimento, a azáfama, como é típico na Ásia, aliás: as milhares de motas aceleras nas pole positions dos semáforos, o país competitivo e de preços baixos escancarados nas montras, dos iPhones encavalitados em Samsungs, Asus, Acers e HTC e etc. E roupa de marca e outra menos marcada made in Taiwan. . Parece haver quase tudo para todos menos para os mendigos junto à estação central, debaixo do enorme viaduto, quando a noite cai e o céu promete chuva torrencial. Em todo o caso, até na pobreza o país compara bem em termos internacionais. . Há uma questão "por resolver". Taiwan é "livre" e "independente", mas na lei internacional continua a ser região autónoma da China. Pequim quer a ilha nos seus domínios, a esmagadora maioria dos taiwaneses também prefere assim, dizem as sondagens. . "Queremos manter o statu quo", diz a sorrir o vice-ministro das Relações Externas (equivalente ao MNE) num encontro com jornalistas. "A China continental é muito importante para nós", enfatiza Chu-Chia Lin. "Cerca de 40% das exportações vão para a China. E de lá importamos 60% do que precisamos." . De facto, se a China já é o centro gravitacional do mundo, o que dizer de uma ilha do tamanho do Alentejo com 23 milhões de pessoas. . Taiwan tem muitos investimentos, fábricas, mais de um milhão de expatriados na "mainland"; há vagas de empresários e turistas do continente a chegar diariamente à ilha. O fluxo é tão pujante que tiveram de impor uma quota semanal de cinco mil entradas para chineses. . Nem sempre foi assim, diz o vice--ministro Chu-Chia Lin. "Antes do governo do presidente Ma, que chegou ao poder em 2008, as relações entre os países eram fracas. Não havia quase turismo de chineses, nem voos diretos, nem acordos comerciais sólidos." . Ma Ying-jeou, do partido nacionalista (Kuomintang, muitas vezes referido como o irmão inimigo do Partido Comunista Chinês), tem vindo a fazer as pazes com Pequim. Até 2008 esteve no poder o Partido Democrático, mais hostil ao PC Chinês. "Taiwan, a ilha rebelde", costumam gracejar, com alguma condescendência, os da mãe China. . Tudo entre amigosMas nem tudo são vantagens. A ilha não tem assento como membro oficial em instituições como a ONU, a OMS ou o FMI. A importante exceção é a Organização Mundial do Comércio, da qual é membro desde 2002. Ironicamente, ou não, os EUA continuam a ser um dos maiores "amigos" de Taiwan. Mas é a China que lhe dá a primeira sombra nas questões escaldantes das disputas territoriais. O caso mais recente é um incidente grave com as Filipinas. . Má fama da zona euroEm Taipé, é a China que mais brilha, apesar do céu baço, da humidade e dos 32 graus tropicais. Já a Europa dá dores de cabeça, apesar de ainda ser uma "boa cliente". "Estamos muito preocupados com a zona euro. Estamos a aconselhar as nossas empresas exportadoras a diversificarem mercados e a apostarem mais na Ásia, na América Latina, para fugir à crise europeia", dispara Yuen-Chuan Chao, secretário-geral da Taitra, Conselho para Desenvolvimento do Comércio Externo, que na prática é agência de investimento, escola e organizadora de feiras internacionais, um misto de AICEP e AIP. . A feira das bicicletas é um dos expoentes, das mais emblemáticas. Também aqui Taiwan é gigante. A Giant Manufacturing Company é uma das mais importantes fabricantes de tecnologia para duas rodas e pedal. "Mas estamos preocupados porque a Europa representa já 8,7% das nossas exportações diretas e com a crise estão a cair a pique. Em 2012, desceram 19%", esbraceja Chao. . Portugal ignora 23 milhões de consumidoresE Portugal? Quando se pergunta, a resposta é invariavelmente "sim, sim", "ah, português", uma mais-valia para mercados como o Brasil e África, recorda o líder da associação para o comércio. . Portugal, que precisa de exportar para sair da crise, não tem representação diplomática, nem sequer um escritório comercial para divulgar as exportações, captar possíveis investimentos. "É dos poucos que não têm entre os países europeus", afirma Jian-gueng Her, o diretor-geral do Centro Económico e Cultural de Taipé, em Lisboa. E porquê? "O que acha o senhor?", riposta. . "Governo deve ter coragem e aproximar-se de nós"Aparentemente, a principal barreira entre Taiwan e Portugal é a China. Para não beliscar sensibilidades diplomáticas, Lisboa não tomou ainda qualquer iniciativa substancial para se aproximar. . Em Taiwan acredita-se que a paralisia é um misto de falta de iniciativa por constrangimentos financeiros com um certo receio de enfrentar a China, hoje grande investidor e aliado proeminente de Portugal. Devia ser mais fácil. . Taiwan entende. O tamanho importa. Ela própria tem inúmeras fábricas instaladas em terras chinesas, onde a mão-de-obra é muito mais barata. Tem mais de um milhão de "expatriados". Naturalmente, Pequim faz questão de saber que peças mexem no seu tabuleiro. . "A ideia com que fiquei é que qualquer passo deve ser bem explicado, Portugal deve dizer o que pretende no longo prazo porque os chineses não gostam de surpresas, é algo cultural", observa José Junqueiro, deputado do PS que, juntamente com quatro parlamentares, visitou a ilha no início de maio a convite de Taipé. Ficou "maravilhado com o avanço económico e social", confessa. "Tinha lá estado há dez ou 12 anos, não tem nada que ver." . "O governo português tem de ter coragem e aproximar-se de nós", diz, sem assombro, Yaser Cheng, subdiretor-geral do departamento europeu do MNE. "Há interesse mútuo em aprofundar relações. No comércio, mas também na investigação académica, na partilha de experiências". Um dos dossiês do interesse de Taiwan é a expansão de rotas aéreas. Portugal poderia fazer alguma coisa por isso, dão a entender. . Enquanto tudo se mantiver como está, as relações entre os dois países continuarão irrelevantes. Em 2012, Portugal exportou para lá 53 milhões de euros em mercadorias, menos 17% do que em 2011. . IRC de 17% a 30 minutos de TGVA bandeira de Taiwan podia ter este número: 17%. É a taxa de IRC a que depois ainda abatem grandes deduções fiscais a investimentos em investigação. O ex-líbris do país é o parque científico e industrial de Hsinchu, a 70 quilómetros de Taipé e a 30 minutos de TGV. Bilhete de ida: 7,2 euros. Hsinchu é o maior e mais antigo cluster tecnológico de Taiwan. É um investimento 100% público e, na prática, um projeto imobiliário do Estado. É lá que estão sediadas as grandes empresas de semicondutores nacionais, como TSMC, AUO, UMC, as marcas que andam escondidas no miolo dos nossos telemóveis e televisões. . Daqui exportam para a China, onde os aparelhos ganham a sua forma final. O parque tem 500 empresas, 150 mil trabalhadores, um bairro operário com três mil habitantes, um lago artificial com um templo taoista para os mais crentes, escola de chinês e inglês. . Fundado em 1980, "hoje não tem espaço para mais empresas", diz Chiang Chin-Feng, secretário-geral da administração. "A ideia de formar o cluster surgiu nos anos 70, com a crise do petróleo, altura em que percebemos que tínhamos de dar um salto qualitativo na indústria." Foram buscar a inspiração "aos Estados Unidos e ao Japão". . "O nosso IRC é de 17%, competimos diretamente com Singapura e Hong Kong. Temos uma dedução de imposto nos gastos com I&D que vai até 15% do valor investido se não exceder 30% do que se deve pagar em IRC". "O parque - este e os outros - é ainda zona franca para importação de materiais elétricos e eletrónicos", completa Chiang. . O incidente filipinoTaiwan está rodeada de água e de tensões fronteiriças." Ao largo, importantes rotas comerciais marítimas. A China continental está a 200 quilómetros. O caso mais recente aconteceu no passado 9 de maio, quando um barco da guarda costeira das Filipinas atacou um pequeno pesqueiro de Taiwan, provocando a morte de um tripulante. Aconteceu na zona económica exclusiva partilhada pelos países de forma tácita. . O "incidente" caiu mal e azedou as relações já de si pouco entusiastas entre os dois. Manifestações diárias têm-se sucedido à porta da Embaixada de Manila em Taipé. O assunto é abertura de jornais e de telejornais. A entrada de filipinos, uma das comunidades imigrantes mais fortes em Taiwan, ficou "congelada", até ver. . Sempre com a mãe China na retaguarda a observar os acontecimentos e com os EUA a pedirem responsabilidade, Taiwan reagiu de forma mais dura que o habitual: era preciso um pedido formal de desculpas, não a Taipé, mas ao povo de Taiwan. . As Filipinas começaram a recuar no tabuleiro, mas a situação continua por resolver. O xadrez é um jogo que leva o seu tempo. . *Em Taipei. O jornalista viajou a convite do Ministério dos Negócios Estrangeiros, República da China (Taiwan)