Talento com diversidade de neurónios entra na Critical Software

Tecnológica portuguesa recebe esta semana primeiros funcionários com perturbações do espetro do autismo e já admite contratar mais pessoas nestas condições no próximo ano.
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Estima-se que existam pelo menos 100 mil pessoas com autismo em Portugal, a que se somam os diagnósticos de perturbações como o síndrome de Asperger e de La Tourette. O mercado de trabalho neurotípico - sem esta patologia - exclui habitualmente esta população porque impera o (falso) preconceito da sua falta de valor. Mas o cenário parece estar a mudar.

A Critical Software quer dar o exemplo em Portugal: a partir de quinta, dia 21, vai receber os primeiros oito funcionários com esta condição nos escritórios de Lisboa e de Coimbra da tecnológica que desenvolve sistemas críticos de segurança para a aeronáutica, comunicações, defesa, espaço e automóvel.

"Os empregadores costumam associar-se à fragilidade do diagnóstico em vez das competências: 85% das pessoas com autismo não costumam encontrar emprego, pelo que temos de dar o nosso contributo. Percebemos que a diversidade funciona muito bem e contribui para as nossas soluções", justifica ao Dinheiro Vivo a responsável de recrutamento do projeto, Catarina Fonseca.

Como recrutar talento tecnológico em Portugal é cada vez mais difícil, "este não é um programa de responsabilidade social". Na última década, a empresa apostou em programas de requalificação para atrair diversos talentos com formação de base em farmácia, antropologia e direito, para dar alguns exemplos.

A tecnológica portuguesa associou-se à fundação dinamarquesa Specialisterne para a primeira edição do programa de talento dedicado à neurodiversidade. Durante mais de um mês foram abertas as candidaturas para profissionais com autismo e síndrome de Asperger. Ter mais de 18 anos, nível médio de inglês e "clara motivação para a área da tecnologia de informação" foram os requisitos.

Depois de receber 70 inscrições, a empresa selecionou dez candidatos para cinco semanas de formação. Em paralelo, quem já trabalha na Critical Software também teve de abrir a mente e sair do rótulo.

"Estamos a desconstruir um estigma que existia e nós próprios ficámos na dúvida se seríamos neurotípicos ou neurodiversos. Tivemos sessões de sensibilização, com pessoas internacionais, para criar consciencialização das equipas. Temos de respeitar a forma diferente de ser e vamos passar a ser muito mais assertivos na nossa comunicação", detalha. Entre os 1000 trabalhadores da tecnológica, "alguns lidam com esta realidade por causa de alguns elementos na família".

O diagnóstico de autismo aponta desafios na interação social e nos comportamentos mas grande competência na parte intelectual. Catarina Fonseca assinala que "são pessoas que podem trazer muitas mais-valias e que podem ter elevados níveis de produtividade quando fazem aquilo de que gostam".

Pessoas como os novos 'recrutas' da Critical Software são geralmente "muito orientadas para o detalhe, muito persistentes e resistentes, com pensamento lógico muito desenvolvido e conseguem manter o nível de atenção durante muito tempo".

As pessoas neurotípicas não têm outras características tão vincadas como "excelente capacidade de memória, reconhecimento de padrões e enorme honestidade e lealdade quando estão comprometidas com a tarefa".

Para já, os oito novos funcionários são todos homens "porque o diagnóstico para as mulheres não é tão conhecido" e não está tão desenvolvido pela medicina. Em alguns dos casos, formação incompleta em informática não foi um obstáculo para juntarem-se à tecnológica.

O sucesso desta iniciativa vai levar a uma nova edição do programa no próximo ano e com mais objetivos. "Temos a ambição de trazer mais empresas, para integrar mais 25 pessoas", estima Catarina. A Critical TechWorks, resultado da parceria entre a tecnológica portuguesa e a BMW, deverá ser uma das empresas proponentes.

Até lá, os novos trabalhadores da Critical Software e as equipas que os vão acolher terão acompanhamento psicológico durante seis meses. Aí será feito o balanço das mais-valias proporcionadas pelos trabalhadores com autismo e síndrome de Asperger.

Não existem dados em Portugal sobre o número de pessoas com autismo no mercado de trabalho em Portugal. O Instituto Nacional de Estatística apenas indica, a cada cinco anos, quantos trabalhadores têm dificuldades sensoriais ou limitações motoras. O único estudo relativo à deficiência e ao emprego data de 2011.

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