Em 2015 a TAP foi privatizada. Por decisão do governo então liderado por Pedro Passos Coelho o Estado vendeu a maioria do capital (61%) da companhia aérea ao consórcio privado Atlantic Gateway, liderado por Humberto Pedrosa e David Neeleman.
Em 2016, em resultado de uma opção puramente ideológica, o governo de António Costa decide reverter a decisão de privatização e reassumir o controlo sobre 50% do capital.
Hoje, em 2020, a TAP é uma companhia aérea nacionalizada, descapitalizada e em risco de falir.
Não há registo, em nenhum outro país europeu, que em matéria de aviação civil o fundamentalismo ideológico e a agenda política se tenham sobreposto ao bom senso e às decisões estratégicas de gestão, como aconteceu nos últimos anos em Portugal. Em boa verdade, não passaria pela cabeça de ninguém, muitos menos a quem tem responsabilidades de governo, impor a nacionalização de uma empresa de aviação que nos últimos 10 anos apenas por uma ocasião conseguiu apresentar resultados positivos. Entre 2008 e 2018, a TAP acumulou prejuízos de 822 milhões de euros, já deduzindo os lucros de 21,2 milhões de euros registados em 2017.
Ainda assim, o governo entendeu que a opção de gestão que melhor se coadunava com as circunstâncias seria abdicar da participação do acionista privado estrangeiro, indemnizá-lo em mais de 55 milhões de euros para que este abandonasse a empresa e concentrar em si todos os riscos de viabilização da companhia, que até aí repartia com o consórcio! De facto, o coração (socialista, no caso) tem razões que a própria razão desconhece.
Há décadas que são conhecidas as condições impostas pela Comissão Europeia para dar luz verde ao apoio do Estado a uma companhia aérea. Exige, nada menos, do que a definição de um ambicioso programa de contrapartidas a atribuir às outras empresas do ecossistema que não dispõe de iguais privilégios, a partilha de rotas apetecíveis e disputadas, a redução da atividade para permitir a entrada de outros players no mercado onde a transportadora opera, entre várias outras limitações e necessidades de ajustamentos.
Está, por isso, bom de ver que o governo não andou bem quando, em 2016, decidiu readquirir o capital de uma empresa que deveria, desde 2018, ser 100% privada e provavelmente cotada em bolsa, como o são as suas congéneres. E voltou a andar mal, quando em julho deste ano, ao invés de negociar a permanência e o reforço da presença do acionista privado no capital da empresa, optou por pagar para que este saísse exonerando-o assim de qualquer responsabilidade na viabilização futura da companhia.
Ora aqui chegados, depois de várias decisões estratégicas que levantam dúvidas quanto ao seu acerto e decorrido um longo processo de nacionalização absolutamente incompreensível, a sobrevivência da TAP, está agora dependente de um agressivo processo de downsizing. O plano de reestruturação entregue pelo Governo em Bruxelas, contempla um corte nos custos com pessoal na ordem dos 230 milhões de euros já em 2021, mantendo-se depois entre este valor e os 325 milhões nos anos subsequentes. Este objetivo será concretizado através de duas formas: saídas de trabalhadores, por acordo ou rescisão contratual, e um corte transversal de 25% dos salários dos que ficarem.
Com necessidades globais de financiamento na ordem dos 3 mil milhões de euros, o governo terá forçosamente de injetar na TAP além dos 1.200 milhões previstos ainda para este ano, entre os 970 e 1.164 milhões de euros, em 2021. Em 2022 estes valores recuam para um intervalo entre os 473 milhões de euros e 503 milhões e em 2023 atingirão montantes entre os 379 milhões e os 438 milhões de euros. Por fim, em 2024, as necessidades de financiamento da companhia fixam-se entre os 329 e os 420 milhões de euros.
A TAP emprega mais de 10.000 trabalhadores e tem um peso muito significativo no volume de exportações do país. É chegado, por isso, o momento da ideologia dar lugar à ponderação e ao bom senso e da política não se sobrepor à gestão.
Ricardo Gonçalves Cerqueira, gestor