TaskRabbit. "Prevemos duplicar negócio todos os anos em Portugal"

A CEO da empresa, Ania Smith, acredita que a economia dos biscates veio para ficar e será necessário adaptar as leis laborais a esta nova realidade.
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Foi no primeiro verão da pandemia, em agosto de 2020, que Ania Smith se sentou na cadeira de CEO da TaskRabbit, uma plataforma vocacionada para serviços domésticos e pequenas reparações. A empresa faz parte da "economia dos biscates", porque permite a quem quiser inscrever-se para fornecer serviços ocasionais (os taskers), contratados pelos consumidores através da plataforma online.

Smith, baseada em São Francisco, chegou à TaskRabbit com um currículo impressionante, tendo passado por outras empresas estruturais da economia dos biscates, a Uber e a Airbnb. Entende como funciona este segmento e o que é preciso para o melhorar a nível global.

É com isso em mente que está a liderar a expansão da TaskRabbit para todo o tipo de mercados, incluindo Portugal, onde a empresa entrou em novembro de 2020. Acredita que é necessário adaptar as leis laborais para acomodar este tipo de trabalho flexível e defende que a TaskRabbit - comprada pelo grupo detentor da IKEA em 2017 - é uma empresa diferente das outras na economia dos biscates.

A indústria foi recentemente abalada com a divulgação dos Uber Files, e há cada vez mais vozes a defender uma maior regulação das empresas da economia dos biscates. Qual a sua opinião, uma vez que trabalhou na Uber?
Sim, trabalhei na Uber. Não estava lá quando estas coisas [do Uber Files] aconteceram, isto remonta a muito antes do meu tempo, foi feito durante a liderança do Travis [Kalanick].
Penso que como sociedade no geral, e nós como empresa, temos de ser conscientes de que a economia dos biscates está a crescer, e o crescimento certamente foi exacerbado pela pandemia. Vimos milhares de pessoas a entrarem na nossa e noutras plataformas, por um par de razões. Uma, perceberam que podem trabalhar de forma muito eficiente, e duas, gostam muito da autonomia e ter a flexibilidade de trabalharem ao seu ritmo. E na TaskRabbit, serem pagos ao nível que querem. Aqui, os trabalhadores estabelecem quanto recebem e levam para casa 100% do pagamento. Isso distingue-nos das outras empresas da economia dos biscates, incluindo a Uber.
Para os taskers, é muito importante ter essa autonomia. Isto é, poderem trabalhar nas condições que escolherem, serem os seus próprios patrões, poderem estabelecer o preço que querem cobrar e trabalhar quando querem nas tarefas que querem fazer. Dá-lhes muito mais autonomia e flexibilidade para escolherem como trabalhar. É nessa direção que temos de nos mover. Porque, como vimos, torna-se difícil quando não damos às pessoas direitos básicos para operarem na nossa plataforma.

Acredita, então, que os reguladores devem tomar medidas para acomodarem estas novas realidades?
A TaskRabbit trabalhará com reguladores, governos locais e estaduais, com os governos europeus, para garantir que estamos a oferecer as proteções certas às pessoas que trabalham através da nossa plataforma. Esse é o nosso objetivo, garantir que, como plataforma, damos aos taskers a autonomia de que precisam para fazerem o seu trabalho.
Como os reguladores escolhem trabalhar com outras plataformas é com eles, mas nós estamos focados em garantir que os taskers têm a autonomia necessária.

Como é que as coisas têm evoluído desde a pandemia?
Assistimos a um enorme crescimento. No global, a plataforma explodiu verdadeiramente. No primeiro ano [da pandemia] o crescimento foi de quase 70% e agora está quase nos 60%. São números grandes. Temos visto cada vez mais pessoas a inscreverem-se na plataforma. O número de novas inscrições aumentou cinco vezes desde o início da pandemia, o que é muito bom de ver.
Também assistimos a um grande crescimento da procura. Uma vez que as pessoas começaram a ficar mais em casa, precisaram de bastantes mais trabalhos domésticos. É bom podermos poupar-lhes tempo e ajudar com em tarefas como jardinagem, montagem de mobílias, pequenas reparações, montagem de televisões e várias outras categorias.

Notaram alguma diferença com o regresso ao escritório, depois de dois anos com muita gente em trabalho remoto?
Nem por isso, a procura continua a acelerar. Queremos ver como isto vai evoluir se houver uma recessão, por isso há claramente alguns ventos contrários, mas não achamos que estejam relacionados com o regresso ao escritório.
Claro, há preocupação com a inflação e estamos a enfrentar desafios políticos e económicos, mas ainda não vimos uma reversão relacionada com o regresso ao escritório. E sinceramente, nos Estados Unidos muita gente não está a voltar. A própria TaskRabbit decidiu encerrar todos os escritórios e criar um ambiente primordialmente remoto, em que permitimos a toda a gente viver onde quiser e trabalhar a partir de casa.
Mas sabemos que nada pode substituir a interação presencial e estamos muito focados na colaboração, por isso fazemos as "semanas de equipa" uma vez por mês, com reuniões e sessões de estratégia. Achamos que isso é importante, só não tem de ser feito diariamente.

Quais são os benefícios e as potenciais desvantagens de trabalhar com biscates em vez de ter um trabalho mais tradicional?
O que vemos é que a ideia do trabalho tradicional está a mudar e há cada vez mais pessoas a tornarem-se trabalhadores independentes numa série de segmentos da economia, não apenas neste tipo de tarefas, entregas ou algo similar. De forma geral, as pessoas gostam de ser os seus próprios chefes. Não me parece que isso vá mudar.
Há desvantagens? Isso vai depender da pessoa. A maioria valoriza muito a capacidade de ditar quanto recebe por hora e ao mesmo tempo ter flexibilidade.

No entanto, um emprego tradicional fornece proteções que a economia de biscates não inclui. Defende mais benefícios também para os trabalhadores independentes?
Bom, já vimos algumas dessas mudanças a acontecerem por causa da pandemia, quando os governos tomaram medidas e começaram a oferecer benefícios a todo o tipo de trabalhadores, incluindo os independentes. Acredito que na economia dos biscates temos de continuar a trabalhar com os governos, reguladores e outras plataformas para garantir que fornecemos alguns tipos de benefícios aos trabalhadores.
Por exemplo, poderem transferir coisas quando saem de uma plataforma para outra, ou que há formas de fazerem descontos na plataforma para terem seguro de saúde.
Mas neste momento, da forma como o sistema está estruturado, não temos maneira de oferecer este tipo de benefícios, porque se o fizermos os trabalhadores vão perder algumas das vantagens em termos de flexibilidade, autonomia e poder de decidir o salário.
O sistema, tal como foi estabelecido, tem uma dualidade em que ou uma pessoa é trabalhadora a tempo inteiro e tem uma série de benefícios, ou é independente e não tem direito a nada. Isso já não funciona na economia atual. Evoluímos para outra coisa e temos de atualizar o ambiente regulatório de forma a que seja possível oferecer benefícios a toda a gente.

Portugal tem leis laborais mais rígidas que os Estados Unidos, tal como outros países europeus. Como gerem essas diferenças?
Estar em vários países significa que temos de trabalhar com os vários governos. E já temos experiência nisso, porque os estados nos EUA funcionam de forma diferente entre si.
Obviamente, as leis em Portugal são muito diferentes das leis na Alemanha ou do Reino Unido.

Há algum país que esteja a crescer mais rapidamente? Como está Portugal?
Na Europa, todo o crescimento está a ser muito acelerado mas isso é porque chegámos há pouco tempo, temos uma base mais pequena. Em Portugal, mais que duplicámos desde o lançamento e continuamos a crescer a uma taxa muito elevada, com milhares de tarefas a serem completadas diariamente. Penso que isso é um atestado do trabalho que a equipa tem feito e mais ainda do produto oferecido, que é muito apreciado pelos taskers e pelas pessoas que vivem em Portugal e querem poupar tempo, querem ajuda a completar tarefas. Estão a reavaliar a vida e a repensar o que é importante. Para muitos, é passar mais tempo com os entes queridos e familiares e externalizar tarefas.

Que tipos de tarefas estão a crescer mais?
É diferente de mercado para mercado. Em Portugal, há muita procura pela montagem de mobiliário. Temos uma parceria com a IKEA que é bastante forte em Portugal.
Outras áreas são pequenas reparações, jardinagem e serviços relacionados com mudanças, porque muita gente decidiu mudar de casa nos últimos dois anos.

Que tendências podemos antever para os próximos anos?
Penso que a economia dos biscates - ou de partilha, como lhe chamamos - vai continuar a crescer a um ritmo sem precedentes. Isso será mais visível em categorias como a nossa, isto é, oferta de ajuda para fazer coisas em casa. Acho que estamos muito bem posicionados.
As pessoas estão a reavaliar as suas vidas e passam cada vez mais tempo em casa. A casa ganhou um espaço maior na vida das pessoas do que tinha há três anos.

A TaksRabbit teria interesse em expandir a sua oferta de serviços?
Não. Queremos focar-nos em fazer um bom trabalho nisto e que os nossos taskers ofereçam um serviço de qualidade a todos os clientes. Achamos que poderemos fornecer um serviço melhor se estivermos focados nas tarefas domésticas.
Que garantias existem de que os serviços contratados através da plataforma terão qualidade e serão feitos no prazo acordado?
Só este ano já mediámos dois milhões de tarefas e 99,9% correm muito bem. Há várias coisas que ajudam a garantir um serviço de qualidade.
Em primeiro lugar, temos críticas na plataforma. De cada vez que alguém fornece um serviço, o cliente pode escrever uma crítica e dizer como correu. Também temos equipas que monitorizam a qualidade das tarefas executadas, para garantir que são feitas como deve ser. Se alguma coisa correr mal, há uma série de ferramentas para os utilizadores conseguirem que a tarefa seja bem executada.

Com tudo o que está a acontecer a nível global em termos da guerra, inflação, ameaça de recessão, mercados financeiros em queda, é possível manter otimismo quanto ao futuro? Pode a empresa ajudar a mitigar alguns problemas?
Absolutamente, e isso começa com os salários. Em Portugal o salário mínimo é muito mais baixo que o que nós oferecemos na plataforma. O salário médio na plataforma é de quase 12 euros por hora, e isso permite aos taskers ganharem mais que o salário mínimo no país. Isso ajuda a suavizar o efeito da elevada inflação.
Ainda estamos a ver um mercado laboral robusto, mas no caso de haver uma mudança, este tipo de plataformas ajudam as pessoas a encontrarem um ordenado significativo ou complementar.
Estamos aqui para ajudar tanto os clientes como os taskers a navegarem nestes tempos difíceis.

Quantas pessoas usam a plataforma em Portugal?
Temos quase dez mil taskers na plataforma este ano em Portugal, o que é um número enorme. Este número oscila mas temos continuado a crescer a base de "taskers."
Também tivemos perto de 140 mil tarefas executadas em Portugal desde o lançamento, o que é um número excelente dado o tamanho do mercado e do país.
Prevemos a duplicação anual do negócio durante os próximos anos, com base no crescimento que já experimentámos.

O que diz às pessoas que criticam a economia de biscates porque argumentam que é uma forma de exploração, tendo trabalhadores sem oferecer as proteções tradicionais?
Entendo esse ponto de vista, e por vezes a TaskRabbit é metida no mesmo saco que outras empresas da empresa dos biscates. Mas a chave é que somos muito diferentes. Tendo trabalhado noutras plataformas, posso dizer que somos extremamente diferentes e damos aos taskers a autonomia para estabelecerem a sua compensação. Isso diferencia-nos de muitas das outras plataformas no mercado.
O nosso objetivo é providenciar o máximo de trabalhos possível a todos os taskers, para que quando eles estabelecem os seus pagamentos a 12, 13, 15 euros por hora, possam preencher essas horas com o número de tarefas que quiserem e ganharem esse ordenado incremental.
Levam para casa 100% do que ganham. A taxa é cobrada aos clientes.

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