
“O código postal de uma criança não pode limitar irremediavelmente as suas oportunidades ao longo da vida”. Esta é a premissa da Teach for Portugal, uma organização sem fins lucrativos que atua em escolas mais desfavorecidas, levando dinâmicas que aumentam a motivação e melhoram os resultados escolares, diz ao DN Maria Azevedo, fundadora e diretora de programas.
Ao fim de cinco anos no terreno, a Teach for Portugal já envolveu mais de 30 mil alunos em 91 escolas de norte a sul do país. A organização assinalou este quinto aniversário convidando presidentes de grandes empresas parceiras da iniciativa, a tomarem o lugar de professor e durante o período de uma aula, inspirar os alunos com a sua experiência. Personalidades como Artur Santos Silva, presidente do BPI La Caixa, Rogério Campos Henriques, CEO da Fidelidade, ou Inês Oom de Sousa, da Fundação Santander, só para citar alguns, desceram dos seus gabinetes de conselhos de administração, na última sexta-feira, até algumas das escolas mais desfavorecidas do país. E falaram sobre empreendedorismo, literacia financeira e os objetivos do desenvolvimento sustentável de uma forma adequada ao seu público-alvo.
A iniciativa tem um duplo objetivo: por um lado estes altos executivos tomam contacto com uma realidade e podem sentir o apelo para se envolverem mais em soluções que a possam alterar, por outro, os alunos têm a rara oportunidade de serem inspirados por alguém que tem uma história de sucesso para contar e que ajuda a alimentar a ideia de possibilidade.
A filosofia da Teach for Portugal assenta no modelo de mentoria, já testado com sucesso desde há 30 anos, quando esta rede nasceu nos Estados Unidos. A ideia é ter uma segunda pessoa, jovem licenciada, a apoiar o professor com outras abordagens complementares e que possa reforçar a atenção personalizada a alunos que tenham mais dificuldades de aprendizagem ou de integração, explica Maria Azevedo.
A necessidade desta abordagem “é cada vez mais premente em Portugal”, à medida que a diversidade cultural aumenta vertiginosamente com a nova vaga migratória, considera a fundadora. “Temos contextos escolares em que há turmas mais de 50 nacionalidades e uma grande percentagem de alunos que não falam português nem sequer inglês”, lembra a ex investigadora em bioquímica.
“Antes do mais, é preciso fazer estas crianças sentirem que a escola é um lugar seguro que os acolhe e, para isso, às vezes basta uma coisa tão simples como tocar uma música tradicional dos seus países como um gesto de boas vindas ou falar de uma receita culinária”, lembra a responsável.
Mas o projeto vai muito além do lado simbólico, permitindo mesmo melhorar resultados escolares e baixar o absentismo, garantem os responsáveis da organização. “Comparados os resultados dos alunos com mentores e dos alunos sem mentores, verifica-se uma redução de 26% das negativas entre o primeiro e o terceiro período nas turmas em que o programa está ativo”, refere. E são resultados consistentes ao longo dos últimos cinco anos, acrescenta.
Qual é a receita para esta evolução? “Há, desde logo, uma maior motivação, que ajuda a reduzir o absentismo”. Por exemplo, há turmas em que o mentor precisa de focar mais no trabalho de colaboração entre os alunos, há outros casos em que são mais as necessidades individuais de cada um que têm de ser trabalhadas. Para prevenir o tema da violência nas escolas, “também estão previstas assembleias de turma ou de escola uma vez por mês, nas quais jovens, às vezes, com histórias de vida difíceis, podem abordar os problemas que os afetam e sugerir mudanças”.
A Teach for Portugal contrata jovens licenciados por dois anos letivos, pagando cerca de 28 mil euros, para assumirem um compromisso de envolvimento e liderança. Depois de selecionados, têm 350 a 400 horas de formação intensiva, normalmente no período do verão, antes do ano letivo, em metodologias diversas para dinamizar grupos. Em cinco anos a organização já formou 200 mentores e estão atualmente ativos mais de 100. Acabam por ter um horário semanal de 40 horas, sendo que uma parte do horário é destinado à recuperação de aprendizagens a matémática, português e inglês, as disciplinas nucleares.
Maria Azevedo explica que os contratos são apenas de dois anos, porque se pretende intencionalmente que os jovens que passem pela experiência sejam impelidos a desenvolver soluções e ferramentas para estes problemas sociais nas suas carreiras em políticas públicas ou se tornem empreendedores sociais com capacidade de liderança comunitária.
As escolas de eleição para os programas da Teach for Portugal são aquelas em que a percentagem de alunos apoiados pela Ação Social Escolar é superior a 50%, o que está, em regra, relacionado com níveis muito baixos de escolarização das famílias. Estes indicadores são, de resto, os principais preditores do sucesso escolar dos alunos, sobretudo, o relativo à escolaridade das mães.
Para conseguir sustentar este projeto nos últimos cinco anos, que tem um custo anual de 20 mil euros por mentor, a Teach for Portugal beneficia de um conjunto de parcerias diversificadas entre o Estado, no âmbito dos financiamentos ao abrigo do PT2030, e entidades privadas, mas também com municípios, como é o caso de Guimarães, Cascais e Alcoutim. Entre os parceiros privados destacam-se, por exemplo, a Fundação Santander e a Fundação BPI – La Caixa.
É também confiando na estabilidade destas parcerias que a Teach for Portugal assenta os seus planos de crescimento. “Prevemos crescer 5 vezes nos próximos cinco anos e termos 250 mentores por ano a ajudar a melhorar os resultados de dezenas de escolas a nível nacional”, especificou Maria Azevedo.
A engenheira bioquímica que foi investigadora na área do cancro, dedica-se agora a tempo inteiro ao projeto de transformar gerações de alunos que tinham tudo para dar mal, mas que podem, afinal, dar certo.