O potencial para teletrabalho em Portugal não é dos mais elevados a nível europeu, mas ficou por concretizar mesmo após as condições mais extremas da pandemia que, no segundo trimestre de 2020, levaram mais de um milhão de profissionais para casa.
Novos dados da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho (Eurofound) e do Centro de Investigação Comum da Comissão Europeia, que serão publicados no próximo mês, indicam que mais de um em cada três trabalhadores poderia realizar as tarefas de trabalho fora das instalações do empregador. Serão 35,4%, naquele que é apesar de tudo o nono potencial mais baixo de passagem a atividade remota na União Europeia.
Os dados avançados ao Dinheiro Vivo apontam para que, apesar de uma adoção massiva do teletrabalho nos confinamentos, muitos portugueses com tarefas que podem ser realizadas à distância terão permanecido no trabalho. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, no primeiro embate da pandemia 22% ficaram em casa a trabalhar, sendo que já no início deste ano, noutro ponto agudo da crise, a percentagem foi de 21%, mais de dez pontos percentuais abaixo do potencial.
Já em dados anuais da Eurofound, o mercado de trabalho nacional esteve entre os que saltaram mais expressivamente para teletrabalho: de 4,8% em 2019 para 13,4% no último ano. É, porém, pouco provável que este nível se repita. "No nosso inquérito eletrónico, já assistimos a uma ligeira descida no trabalho a partir de casa entre julho de 2020 e março de 2021", constata Barbara Gerstenberger, chefe da Unidade de Vida Profissional da Eurofound. Mas "é difícil imaginar que iremos voltar aos números de 2019".
"A combinação entre querer, atrair e reter trabalhadores cuja preferência é por um regime híbrido, de a produtividade não ser penalizada e de permitir poupanças, pesa para que os empregadores aceitem e mantenham níveis mais elevados de teletrabalho", avalia a responsável.
Por cá, para já, a tendência de reorganização do trabalho não parece consolidada. Com o fim da recomendação de teletrabalho a partir de outubro, só duas de seis grandes empresas dos principais setores económicos contactadas pelo Dinheiro Vivo estiveram disponíveis para dar conta dos planos para o outono: Altice e EDP.
Na Altice, todos os trabalhadores com funções compatíveis podem optar por "um modelo híbrido e rotativo presencial-remoto". Também na EDP, essa será a sua política "daqui em diante e no pós-pandemia". Mas se a Altice "já realizava - e continua a estar disponível para o fazer, a pedido do colaborador - acordos de teletrabalho a tempo integral, efetuando uma análise das condições caso a caso", a EDP aguarda "o enquadramento da nova legislação do teletrabalho, a ser discutido entre os grupos parlamentares, para traçar os próximos passos neste aspeto".
Nas novas ofertas de emprego, a consultora Manpower estima que 70% das colocações em subcontratação com que lida sejam compatíveis com teletrabalho. A percentagem pode chegar a 100% na colocação de especialistas de tecnologia. Já na indústria, na logística, na restauração ou no retalho "é muito baixa a percentagem de vagas disponibilizadas em modelos de teletrabalho", refere Rui Teixeira, diretor-geral de operações.
Mas, nos setores com maior falta de pessoal, poderá haver maior aproximação aos desejos dos trabalhadores, admite-se. Nos dados da Eurofound, a percentagem de portugueses que gostariam de trabalhar alguns dias por semana ou por mês em casa, ou ficar 100% em teletrabalho, alcança os 67%.
ENTREVISTA Obrigar à compensação de despesas é o caminho certo, mas é preciso dar mais meios a inspetores do trabalho, diz chefe da divisão de Vida Profissional da Eurofound.
Portugal encaminha-se para obrigar ao pagamento de custos extra no teletrabalho, mesmo se definidos nas relações de trabalho. É boa solução?
Para garantir que a totalidade ou a maioria de trabalhadores são cobertos, ter uma lei que obrigue os parceiros a negociar é o caminho certo. De contrário, será muito irregular. A prova está no direito a desligar em Espanha e França. Após a lei, houve um aumento evidente nos acordos. Sem lei, não creio que tivesse sido o caso.
Na contratação coletiva em Portugal no último ano estas questões não surgiram.
Não é surpreendente que não tenha sido uma matéria visível na última ronda da negociação coletiva, que é frequentemente conservadora. Isto faz que seja tão importante haver um empurrão do legislador. Nas rondas de negociação coletiva de 2021 e 2022 vamos ver muito maior ênfase nestes tópicos.
As inspeções de trabalho precisam de mais meios?
Em muitos Estados membros o número de inspetores de trabalho foi reduzido, e o financiamento também caiu. Os inspetores precisam de formação, de existir em número suficiente e dos recursos. Além disso, em muitos países não há base legal para inspeções na casa dos trabalhadores. A Áustria é o único caso onde este direito existe. É um dos maiores desafios.