É licenciado em economia pela Universidade Católica Portuguesa, onde também deu aulas, tendo obtido o grau de Mestre pela Universidade de Cambridge e feito um MBA no INSEAD. Passou pela EDP e foi consultor da McKinsey, tendo recebido o prémio de Excelência da CGD. Luís Castro Henriques chegou à AICEP em 2014 e lidera a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal desde 2017.
Foi reconduzido como presidente da AICEP. Quais são os maiores desafios neste arranque de novo ano e em plena pandemia?
O início do ano não está fácil, parece uma continuação de 2020 - temos de ver quando entramos em 2021... Os desafios imediatos são óbvios: aguardar até ao desconfinamento na Europa e nos nossos principais mercados emissores e de exportação. Já vimos que quando há desconfinamento a reação é rápida, aconteceu isso em 2020 - nos dados de agosto, novembro e em setembro até se exportou mais do que no homólogo. Claro que há um efeito de escoamento de stock, mas isto mostra a resiliência das empresas. Por isso, o maior desafio das exportadoras é o confinamento em todos os mercados com que trabalhamos, essa é a minha preocupação. Porque quanto maior o confinamento, maior a incerteza - sobre quando será retomada a atividade normal, quando temos a maioria da população vacinada e podemos retomar alguma normalidade; mas também sobre o timing deste confinamento mais rigoroso que agora vivemos. Sendo inverno no hemisfério norte, conjuga-se outras doenças, há picos de covid... por isso o tempo é o principal fator no imediato e a minha preocupação neste início de mandato. Depois, é definir estratégias a longo prazo - teremos o plano estratégico pronto em fim de março e tentaremos continuar o que se fez no último triénio, que teve uma concretização muito positiva.
Mesmo com um ano de pandemia?
Mesmo com um ano de pandemia atingimos quase todas as metas. As medidas que não conseguimos implementar foram em áreas diretamente impactadas: o lançamento de uma determinada tipologia de missões de captação de investimento, que se tornou inviável. De resto conseguimos tudo e também aprendemos novas tendências.
Que tipo de tendências?
Há três aspetos a ter em conta. Em primeiro lugar, as exportadoras eram competitivas em março de 2020, aumentávamos crescimento e exportações, portanto estávamos a fazer bem. O ciclo atrasou-se agora um ano e meio ou dois anos e o objetivo primordial é retomar atividade e exportações e potenciar investimento. Em segundo lugar, teremos de endereçar novas tendências - algumas destas macrotendências são impactadas pela pandemia e algumas das identificadas antes da pandemia aceleraram, nomeadamente a digitalização e a transição climática, preocupações que influenciam hoje toda a cadeia de valor. São novos fatores que tempos de incorporar. E por último, o país terá desafios diferentes. Nós há uns dois anos começámos a fazer ações cross-selling, onde cruzamos várias fileiras para apresentar um portefólio de produtos portugueses a consumidores durante um período muito intenso para ter um pico de notoriedade. Essa será uma necessidade cada vez maior, fazer ações de marca Portugal.
Vender Portugal em pacote e potenciar a imagem do país?
Exatamente, melhor e maior. E juntamos setores para ter o máximo de atenção de diversos segmentos de compra. Mas também porque precisamos de escala para apresentar a nossa oferta - é fundamental fazer isto de forma coordenada. Em 2018/2019, percebemos que se fizéssemos um inquérito a compradores estrangeiros diziam-nos que o que é português é bom.
Temos boa imagem, então.
Sim, dizem que são bons produtos; alguns que são bons e inovadores e outros já acrescentam que o design tem uma abordagem diferente. Esta conquista é uma enorme vitória das empresas portuguesas, há 15 anos não era assim. Mas se sair dos compradores profissionais e perguntar na rua, mesmo em Espanha ou França, onde nos conhecem bem, a resposta é diferente. Nós temos uma década para aumentar a fidelização de consumo, procura e margem, temos de dar notoriedade positiva global à qualidade dos produtos junto do consumidor final. Isso implica uma abordagem mais vasta. O plano estratégico só é discutido no final de março, mas estamos já a arrancar com isto, fizemos um diagnóstico no ano passado que nos permite saber onde estamos e quais são os principais vetores de preocupação e vamos ter uma reunião com o conselho consultivo da AICEP na próxima semana, o que nos permite auscultar a sociedade civil - tem as principais exportadoras, investidores, associações representados. Para discutir a marca e a notoriedade, a coordenação de imagem e de ações que serão fundamentais na década.
E o que diz esse estudo?
Tem dados muito interessantes. Em primeiro lugar, que Portugal é um destino com perceção muito positiva para fazer negócios, visitar, interagir - somos aqui beneficiados pela imagem turística e isso é muito interessante. Num painel com mais de 20 mil decisores de 73 países, estamos no top 24 dos melhores, o que quer dizer que não só estamos bem posicionados mas acima de tudo que o caminho pela frente é um esforço grande, porque estamos com uma concorrência muito séria. Relativamente à abertura de Portugal para fazer negócios, a perceção maioritária é muito positiva também, top 20. Mas quando se vai para a regularidade com que o fazem, aí já passamos para o top 30. O que quer dizer que falta fazer algo entre perceção e conversão.
Falta o quê?
Creio que é esta perceção do consumidor final. O comprador profissional compra por competitividade, qualidade e capacidade de a produção se adaptar ao que os clientes querem com preços que os clientes querem pagar. Veja o sucesso que temos no private labeling de muitos produtos em que somos reconhecidos como os melhores do mundo: é português é bom. Mas o consumidor entrar na loja e ver que é português e estar disposto a pagar mais por isso é que nos falta. É preciso ainda abertura, não do país mas no sentido de notoriedade, de virem fazer negócios connosco, ampliar e converter a notoriedade em negócios mais regulares, o que ajuda à fidelização, traz exportações mais regulares mas também maior margem. Esta perceção de valor tem impacto grande no preço a que se compra produtos - incluindo produtos finais industriais, máquinas feitas aqui. Quando conseguirmos afirmar nas nossas exportações a enorme qualidade do produto português, isso converte-se em preço. E isso é trabalho para uma década. Temos de começar já.
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Essa boa perceção de Portugal não é afetada pela burocracia, pelos impostos?
A preocupação da burocracia é transversal a todos os países e temos de vê-la como a história dos dois homens na savana a enfrentar um leão: nós só temos de correr mais depressa que o outro homem, temos de trabalhar o diferencial. Portugal não tem muito mais complexidade burocrática do que outros países. O que os preocupa, e estamos muito atentos a isso, é a incerteza, a variabilidade, não ter a certeza de que a ação A vai ter a consequência B. E aí sim, temos de procurar processos objetivos, por questão de transparência e de gestão de expectativas, de variação e variedade de custos. As empresas ficam muito mais preocupadas com a variabilidade dos impostos do que com o seu valor. Para ganhar competitividade, há que garantir a redução ao máximo da incerteza vs perceção. De resto, até temos perceções positivas relativamente à estabilidade social do país, somos um país de baixo risco, o que é tranquilizador para o investidor.
Tivemos nesta semana números das exportações : foram -10,2% em bens, menos 6,13 mil milhões. Caiu tudo menos comida e bebidas. Estão em linha com o esperado?
As expectativas em julho eram de queda de 13%, portanto caiu menos. Para mim, o melhor resultado era ser o mais perto possível da queda do PIB (-7,6%), mas o PIB é mais estável. Quando olhamos para as exportações temos de olhar para o confinamento a nível global e quando percebemos que, sobretudo no último trimestre, iam arrancar mais cedo e pela Europa fora isso teve logo impacto. Ainda assim, foi um trimestre bom, dado o ano. Estamos a falar numa queda de dois dígitos, o que é muito doloroso para as empresas... mas já esperávamos que o setor alimentar tivesse comportamento positivo e por isso criámos logo em maço uma task force para o agroalimentar, porque entendemos que iriam surgir oportunidades.
Logo em março?
Sim, foi das primeiras medidas que tomámos, uma task force para ajudar as empresas. Fizemos uma iniciativa - até mais de exercício cívico - de coordenação com o Infarmed sobre equipamentos de proteção individual e criámos uma equipa só para essas matérias e as de saúde, que continua muito ativa, até porque há agora um negócio de exportação aí, e também de apoio às farmacêuticas. E criámos a task force para o agroalimentar, para a logística e pequenas equipas para problemas mais tangíveis. Em junho estava resolvida a logística e no caso do agroalimentar começaram logo a surgir oportunidades, nomeadamente para suprir necessidades de cesta básica em alguns países europeus, por isso sabíamos que essas áreas iam manter-se ativas. Não que iam até aumentar exportações. Mas houve outros subsetores com comportamento notável: tivemos mais de 100 milhões a mais nos produtos farmacêuticos, o que é também uma tendência. Nós vendemos muito mais produtos farmacêuticos do que os portugueses imaginam.
Mas também há más notícias.
Sim, no vestuário estamos muito preocupados, porque houve reduções de mais de 500 milhões e em 2021 essas empresas têm ainda muitos produtos para escoar. É um setor a que estamos muito dedicados. Também houve perdas de mais de 300 milhões no calçado e temos de ver como ajudar. Na metalomecânica global, temos perdas superiores a 400 milhões mas em setores de outra escala, o que dá nota do comportamento, sobretudo no terceiro e quarto trimestres, de alguma recuperação, mostra excelente resiliência.
Em termos dos nossos maiores clientes, Espanha caiu 7,7% (-1,14 mil milhões), França 6,1% (-475 milhões) e Alemanha 11,3% (-814 milhões). Representam 40% da queda nas nossas exportações. Está otimista quanto à recuperação desses países - e nossa?
Estou, acho que 2021 vai se de crescimento. Mas mais do que tentar identificar um valor, há que identificar o triger de sucesso e esse para nós será o fim do confinamento no mundo.
Ainda nesta semana tivemos sinais de ânimo de Bruxelas, que antecipa recuperação para o verão. Será assim?
No segundo semestre... É o máximo que posso avançar. Há vários fatores aqui. O primeiro, quando é que as medidas de recuperação (estamos ainda em medidas de sobrevivência) são sentidas pelos consumidores finais e industriais. E isso vai depender do calendário de Bruxelas, é um processo a 54 mãos, não é fácil, mas chegará a bom porto. E é fundamental para as empresas portuguesas que pela primeira vez tenhamos esta solução conjunta e sistémica do bloco europeu. Que dá força ao que sempre defendemos: que faz sentido olhar para a Europa como um mercado interno, porque as medidas serão tomadas em sintonia. O segundo aspeto a que as empresas têm de estar atentas é o comportamento dos consumidores europeus a seguir à Páscoa. A pandemia pode ter o impacto de assustar o consumidor e levá-lo a não consumir tanto por não saber quando tudo vai acabar. Perceber tendências de consumo será fundamental, mesmo em indústrias como o automóvel porque quem compra carros são os consumidores.
Já se notam novas tendências de diversificação?
Essa aposta tem sido feita. Na diversificação de mercados já vemos comportamento positivo e tivemos crescimentos expressivos em três, Japão, Coreia e Irlanda, onde temos apostado muito. Abrimos a delegação em Dublin há dois anos e é positivo ver que já há resultados. O trabalho à volta do brexit claramente alertou as empresas para essa necessidade, ainda que o Reino Unido continue a ser um mercado interessante e atrativo - tínhamos de olhar para outros países na Europa, para o Canadá, os EUA. Internacionalização é isso: assim que temos o processo controlado num país, começar a olhar para outro. Depois, nas macrotendências de consumo, algumas aceleraram, incluindo o e-commerce - tudo o que se faz através da prestação de serviços digitais aconteceu quase de um dia para o outro. Por outro lado, e toda a nossa indústria vai ter de ter isso em conta, a sustentabilidade é uma preocupação e dar mostras de que o produto que faço tem o mínimo impacto no planeta. É uma preocupação crescente nos nossos mercados compradores e vamos ter de a seguir - o que já se fazia até com muita investigação e desenvolvimento, por exemplo no vestuário, têxtil e calçado , mas também no setor automóvel. Com esta transformação grande à porta, é importante para a indústria nacional e estrangeira cá apanhar esse comboio de início. O terceiro aspeto é que estas medidas conjuntas a nível europeu determinam um novo marco: a Europa, enquanto nosso mercado interno.
Preocupa-o o fim das moratórias e apoios às empresas?
Vivemos um enquadramento completamente diferente da crise de 2011/2012. Nessa altura estávamos a viver uma crise num conjunto de países. Hoje estamos todos no mesmo barco, logo vão tentar encontrar-se soluções conjuntas, é razoável ter essa confiança. É óbvio que isto terá impacto na solvabilidade das empresas. Elas têm de saber em quanto tempo vão conseguir debelar o problema, mas quando o souberem reduz-se a incerteza. Temos de aguardar, mas o fator de confiança é esse: estamos todos no mesmo barco.
O pior do brexit já passou?
O momento de maior risco sim. O pior seria termos uma situação desordenada, sem acordo. Agora, já sabemos qual é o enquadramento futuro da relação comercial e à partida é aberto e podemos continuar a funcionar. Estamos a sentir as dificuldades administrativas de um processo novo, mas tenho a certeza de que alguns aspetos serão otimizados. É óbvio que tenhamos nestes primeiros meses algum custo de adaptação, mas o maior risco já passou e correu bem.