Líder do Conselho das Finanças está preocupada com a falta de uma reforma coerente da despesa pública. Teme que bancos continuem a pesar no bolso dos contribuintes.
Um mês depois de Mário Centeno ter revelado o Programa de Estabilidade (PE), o Conselho das Finanças Públicas (CFP) analisou essas perspetivas até 2022. Considera que as intenções do governo são corretas, mas alerta para riscos que podem fazer descarrilar o plano. Entrevista a Teodora Cardoso, economista pelo ISEG, esteve no Banco de Portugal duas décadas, lidera o CFP desde o início, há seis anos.
O CFP diz que a estratégia delineada continua a não ser suficiente e é arriscada, porque a evolução orçamental depende muito da atividade económica e das políticas do passado. Se tivesse que escolher uma medida em falta qual seria?
Há uma medida, que aliás o próprio documento refere, não exatamente como uma medida mas como um conjunto de medidas, que é a chamada revisão de despesas, que aparece distribuída por vários tipos de despesas e já aparece há vários anos mas nós no CFP sempre temos sido adeptos da necessidade da concretização de uma revisão de despesas em profundidade mas as revisões de despesas que têm vindo a ser feitas, que têm algum mérito, não correspondem exatamente à ideia de uma revisão de despesas que implica informação que não está disponível em Portugal. A revisão de despesas bem feita supõe a existência de programas de despesa, que tem de ter não apenas uma finalidade e uma dotação orçamental mas também uma programação de resultados e uma identificação dos custos. Essa informação na nossa política orçamental não está disponível, pura e simplesmente.
O CFP já fala nesta necessidade há algum tempo. Já perdeu a esperança?
Não, não perdi, continuo a mantê-la até porque não é bem uma esperança, é uma exigência. Há um fator positivo que é a nova Lei de Enquadramento Orçamental (LEO) que prevê uma orçamentação por programas com base em informação que permitiria fazer um exercício desta natureza. Este é o lado positivo, o menos positivo é que essa LEO devia entrar em vigor a partir de setembro deste ano, mas será adiada por mais dois anos. Muita da informação e trabalho que é necessário para pôr em prática todos os princípios que a lei consagra ainda estão muito longe de serem conseguidos. Devia ser prioridade do Ministério das Finanças e do governo.
Voltando à questão inicial, no facto de o governo depender sobretudo da atividade económico e das políticas adotadas no passado, esses dois exemplos que deu resolveriam esse problema?
Não resolveriam o problema mas complementariam isso com uma política de despesas porque o nosso problema está há muito tempo do lado da despesa. O que temos feito, e nesse sentido não é muito diferente do que este programa prevê, é nas épocas em que a economia está a correr bem e as receitas crescem, usamo-las para aumentar despesas em atividades que são sempre perfeitamente legítimas e até consensuais mas sem uma grande preocupação nem de custos nem de eficiência destas despesas. Isto aconteceu ao longo de muitos anos e o que decorreu daqui foi que quando a economia vira e deixa de crescer temos problemas, porque as receitas respondem imediatamente à economia e nessa altura caem, os défices aumentam e a dívida cresce. Temos respondido a isto com mais dívida e aumento de impostos. Em qualquer destes lados, tanto pela dívida como dos impostos, já estamos num nível em que não temos espaço para aumentar mais. Por consequência sobram as despesas e nas despesas o que sobra é uma escolha de prioridades e de aspetos de eficiência e eficácia muito bem tratados e que exigem essa informação.
Diz que a política orçamental em 2017 foi restritiva e nota que há uma postura contracíclica, Isso não é suficiente a seu ver? É muito pelo lado da receita…
Se é do lado da receita não é contra cíclica, quase por definição, porque as receitas são a variável que varia com o ciclo. É do lado das despesas que está a insuficiência da previsão, embora esteja prevista na tal revisão de despesas que o problema é saber como é que se vai fazer.
Ouvimos as suas críticas e as da Comissão Europeia (CE) de que o governo não faz um ajustamento estrutural suficiente a médio-prazo. Mas a verdade é que na comparação de todos os Programas de Estabilidade (PE) da zona euro, o de Portugal é o que promete o maior esforço de consolidação nas finanças nos próximos anos – mais do que Itália e Espanha. Isso não devia ser suficiente?
Depende um bocado do que consideramos ser o ajustamento estrutural. Uma coisa é o ajustamento estrutural medido de acordo com os critérios da UE que, como sabemos, são extremamente frágeis e muito dependentes de uma coisa que o ajustamento estrutural não devia depender que é da conjuntura próxima, os parâmetros estruturais respondem muito à evolução, a curto-prazo, do investimento e do emprego. Mas não respondem à qualidade desse investimento e à qualidade desse emprego. É preciso complementar essas coisas e perceber se efetivamente há um ajustamento a nível do PIB potencial que efetivamente sustente o nível de despesas que Portugal defronta e que tem outro problema contra, que aliás a Espanha e a Itália também têm mas é problema deles, que é o problema da demografia. Tenho chamado a atenção para isso várias vezes: nós temos a população a diminuir e a envelhecer, o que significa que a nossa produtividade vai ter de aumentar para podermos financiar as despesas que vão decorrer do aumento de despesas com o envelhecimento da população, que acontecem na saúde e nas pensões. Isto com menos gente a trabalhar, porque há menos gente em idade ativa, mesmo que o emprego corra bem, significa necessidade de maior produtividade, e maior produtividade implica medidas estruturais que não são apenas aumentar o investimento para construir mais casas - não chega e não é o que precisamos.
O governo fala da necessidade de investimento na saúde, ou pelo menos na componente do envelhecimento, o que traz necessariamente mais encargos com saúde. O governo tem margem para usar as folgas orçamentais para saúde e educação, setores vitais da sociedade portuguesa, como pedem os partidos da esquerda?
Para já, era preciso começar por discutir se há folgas orçamentais, o que não nos parece ser o caso, pelo contrário. O que parece necessário é que sejamos muito criteriosos nas despesas, sejas nessas que vão aumentar espontaneamente, seja nas outras despesas e aí há muito a fazer - até porque nunca se fez! Nunca houve essa preocupação de gerir as despesas para uma restrição orçamental forte. Tivemos sempre uma restrição orçamental muito elástica, quando não há dinheiro arranja-se maneira de o arranjar ou passar para o ano seguinte…
Só para clarificar: em relação à folga, o que os partidos de esquerda referem é o facto de ter havido uma boa execução orçamental no ano anterior, que permitiria que o ajustamento de um ano para o outro não tivesse de ser tão intenso. Na sua opinião não se trata de uma folga orçamental?
Penso que não porque na situação em que estamos em termos quer de despesa, quer de dívida, quer de nível de tributação, quer do facto de essa folga se ter devido muito à conjuntura e não à política orçamental, tudo isto diz que temos de utilizar bem alguma folga que possamos ter para criar espaço para as despesas que vêm a seguir.
Podemos traduzir isso como as regras do Pacto de Estabilidade limitam muitas opções de investimento em sectores como a saúde e a educação?
Não, de todo. Isso é um problema nosso, não é um problema do Pacto de Estabilidade.
Diz que o Orçamento do Estado (OE) de 2017 teve uma postura restritiva. O que acha do orçamento atualmente em vigor?
O OE, em princípio, não tem problemas. No relatório que fizemos relativo ao OE dissemos isso, pareceu-nos que por um lado a previsão de défice é exequível, o problema está mais, e por isso é importante vê-lo na ótica do programa de estabilidade, na evolução a médio longo prazo do que ano a ano. O ano a ano reflete muito a conjuntura e se a conjuntura está boa, os objetivos são atingíveis. Nesse sentido há uma coisa que é positiva que é não estarmos, como fizemos frequentemente no passado, a aumentar todo o aumento da receita para aumentar a despesa. Isso é positivo e é viável. A questão é sempre se é suficiente tendo em conta as restrições a que a economia está sujeita.
Na nova análise ao Programa de Estabilidade faz vários alertas, um deles em relação aos apoios públicos à banca porque o programa de estabilidade não refere apoios adicionais ao setor depois de 2018. O CFP avisa que se ocorrerem, esses apoios terão impacto orçamental. Porque sentem a necessidade de fazer este aviso?
Não temos informação que nos permita dizer que eles vão ser necessários mas também temos informação suficiente que não podemos pôr de parte a hipótese de virem a ser necessários.
Pode concretizar?
O que vemos de notícias, quer relativamente aos lesados do BES, quer ao Novo Banco leva a admitir que há possibilidade de serem necessários novos apoios. O caso que diria que neste momento até está a correr bem, que é o da CGD, mas a CGD é um banco do estado, o capital é público e vai ter de ser capaz de manter os requisitos de capital que atualmente são muito exigentes. Se o próprio desenvolvimento da atividade da CGD o exigir, isso será necessário. É um apoio de uma natureza diferente mas pode exigir um investimento do estado. O problema é que temos um limite de capacidade de endividamento que temos de ter cuidado em não o ultrapassar. Temos de ter margens de prudência para evitar problemas.
Surpreende-me um pouco a referência à CGD porque o Ministério das Finanças e a própria administração da CGD referiram que o plano de reestruturação estava feito para o longo prazo e é um plano suficiente. Porque refere isso?
Não ponho isso em causa. O que digo é que sendo um banco público e de capitais públicos, a necessidade de capital não depende só dos problemas de reestruturação, depende da própria evolução da instituição, do crescimento dela, depende de regras que possam vir a ser criadas em termos de requisitos de capital ainda mais exigentes do que as que já existem. Não podemos excluir isto, não quer dizer que vá acontecer mas são áreas em que temos de ser prudentes.