A próxima semana será pródiga em eventos relacionados com o mar, com o dia nacional a celebrar-se na terça-feira e destaque para a Expo Fish, organizada online pela Docapesca, com o apoio do Ministério do Mar, nos dias 16 e 17 - já considerada a maior feira virtual de pescado a nível interno. Portugal acolhe ainda a Semana Mar Para Sempre, de 15 a 21, que pretende alertar para a importância da pesca sustentável e a sensibilização dos portugueses para consumo de produtos com o selo azul do Marine Stewardship Council (MSC). Pretextos para uma conversa com a secretária de Estado das Pescas.
Um dos objetivos da Expo Fish é alargar o leque de mercados externos às pescas nacionais. É possível satisfazer um possível aumento da procura com as limitações impostas às pescas?
Na minha opinião, conseguimos dar resposta positiva ao aumento da procura. É necessário perceber que as frotas local e costeira portuguesas têm várias alternativas de pesca ao longo da costa, que devem ser apoiadas por forma a poder aumentar a quantidade e a variedade da oferta diária de pescado, salvaguardando sempre a boa gestão dos recursos de pesca disponíveis.
Foi o caso da sardinha?
No caso da sardinha, as possibilidades de pesca da frota portuguesa aumentaram de 12 mil toneladas, em 2020, para 27 mil, em 2021, o que está a permitir normalizar e manter a atividade da frota de cerco até ao final de novembro e, consequentemente, o aumento da oferta de sardinha principalmente para a nossa indústria conserveira, que encaminha para o mercado externo grande parte da sua produção.
As atuais capturas são sustentáveis?
Hoje, é fundamental perceber que os principais recursos disponíveis nas águas portuguesas se encontram, na sua maioria, a ser geridos dentro de limites biológicos de segurança, ou seja, as capturas atuais não comprometem a regeneração e a produtividade futura desses recursos. Esta sustentabilidade dos recursos foi alcançada com rigorosas medidas de gestão, maioritariamente nacionais e adotadas com a participação do setor e com grandes esforços dos nossos pescadores.
A que atribui a recente valorização do pescado em lota?
A valorização do pescado em lota é uma realidade que se deve a um conjunto de fatores diversificado, de entre os quais se salientam a ação cada vez mais capacitada das Organizações de Produtores, a melhoria das condições de segurança alimentar que se verifica nas lotas do continente, existindo cerca de uma dezena de lotas já certificadas, e as campanhas de promoção das espécies mais abundantes e menos valorizadas, mas que evidenciam igualmente a boa qualidade nutricional do pescado. Nos últimos meses a frota portuguesa soube manter uma atividade regular, mesmo durante todo o período da pandemia, assegurando o contínuo abastecimento do pescado aos mercados.
Em que é que isso se traduziu?
Em 2020, houve um ligeiro decréscimo do volume descarregado e verificou-se um pequeno aumento do preço médio do pescado. Entre janeiro e setembro de 2021, comparativamente ao período homólogo de 2019, ou seja, em período prévio à pandemia, verifica-se um aumento do valor de pescado transacionado de 8,4% e o preço médio do pescado registou igualmente um crescimento de 10,9%, o que se deve também ao incremento do turismo e do setor da restauração. Sublinhe-se que, neste momento, estamos com melhores resultados de primeira venda em lota, que no período pré-pandémico, ou seja, do que em 2019, ano em que se verificou o melhor resultado de valor de pescado transacionado em lota desde que há registos estatísticos sistematizados.
Que expectativas tem em relação à distribuição dos Totais Autorizados de Captura (TAC) para 2022, relativos a Portugal?
As propostas que foram divulgadas pela Comissão Europeia abrangem apenas 6 espécies. Uma vez que o habitual relatório da CE sobre as oportunidades de pesca para 2022, publicado em junho, aponta para uma significativa melhoria do estado dos recursos nas águas ocidentais, aguardamos que a proposta de TAC para 2022 reflita essa melhoria, que é agora muito evidente nas águas portuguesas. As obrigações previstas no âmbito da Politica Comum das Pescas no sentido do cumprimento de certos princípios na gestão dos recursos, com base nos pareceres científicos, emitidos pelo Conselho Internacional para a Exploração do Mar (ICES), dão menos margem para a aprovação de quotas muito diferentes da proposta que resulta da transposição do parecer. Para já, temos uma boa notícia para o Conselho de dezembro, que aprovará as possibilidades de pesca nas águas do Atlântico Noroeste, na área adjacente ao Canadá, uma vez que os TAC foram já estabelecidos no seio da Organização das Pescarias do Noroeste do Atlântico (NAFO) e a quota de bacalhau na zona 3M aumentará, em 2022, de 293 toneladas para 784 toneladas.
A frota em Portugal é compatível com as necessidades de consumo?
A capacidade da frota de pesca nacional deve estar equilibrada com uma exploração sustentável dos recursos, e Portugal tem feito muitos esforços no sentido de garantir esse equilíbrio. Paralelamente, têm sido adotadas medidas destinadas a melhorar as condições de segurança e de habitabilidade das embarcações, que vão ser reforçadas com o novo quadro de apoio 2021-2027. Relativamente ao comércio externo de produtos da pesca já referi o exemplo da sardinha e o aumento da produção nacional no ano de 2021. Este aumento da oferta permitiu reduzir importações e, ao mesmo tempo, aumentou as possibilidades de produção da nossa indústria que encaminha para o mercado externo uma parte substancial da sua produção
E a mão-de-obra?
É importante promover políticas que permitam captar jovens para as atividades marítimas, que dignifiquem a profissão, que criem melhores condições de segurança e de trabalho a bordo, que promovam o início da atividade de jovens pescadores e consequentemente que contribuam para o aumento do emprego na pesca. Esta é uma matéria muito importante e que será objeto de um estudo aprofundado, havendo já projetos de parcerias com diferentes entidades para otimizar a formação, analisar os possíveis modelos para diminuir o turnover no setor, através da melhoria das condições, dos salários, da capacitação, etc..
Considera satisfatório o nível de adesão da pesca nacional aos fundos europeus?
O MAR 2020 é o programa operacional que tem por objetivo implementar em Portugal as medidas de apoio enquadradas no Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas (FEAMP). A atual taxa de compromisso do FEAMP é da ordem dos 96,1%, e a sua taxa de execução financeira é de 62,3% (que corresponde ao valor pago sobre o programado, ou seja, taxa de pagamento incluindo, portanto, adiantamentos). Estamos confortáveis com estes indicadores, uma vez que, comparativamente ao verificado no anterior período de programação (PROMAR), a execução alcançada até à data, não obstante a regulamentação do MAR 2020 só ter sido publicada em 2016, permitiu o aproveitamento pleno das verbas recebidas. Note-se que, por incapacidade de realização, no período de 2012 a 2014, Portugal perdeu 20 milhões de euros de apoios comunitários no PROMAR.
Mas como estamos em relação a outros países?
A atual taxa de execução de Portugal é mais elevada que a verificada na média da União Europeia e é muito superior relativamente a Estados-membros com envelopes financeiros semelhantes ou mais elevados que o de Portugal, como é o caso da Espanha, de França, da Itália, da Grécia, entre outros. Gostaríamos obviamente de poder apresentar um nível de execução superior, mas, de facto, a pandemia veio introduzir um fator de incerteza que conduziu a atrasos na implementação e redirecionamento de investimentos programados que só agora retomam o seu percurso normal.
Perspetiva-se o acesso do setor ao Plano de Recuperação e Resiliência (PRR)?
Quanto ao PRR, o Mar tem uma componente específica de 252 milhões de euros, dos quais 21 milhões são para a transição verde e digital e segurança nas pescas. No entanto, as empresas ligadas à economia do mar podem recorrer a diversos apoios transversais, como as Agendas/Alianças Verdes para a Inovação Empresarial e investimentos em Qualificações e Competências. Os avisos para as primeiras medidas de apoio às empresas de pesca através da melhoria da eficiência energética e da maior utilização de energias renováveis vão ser publicadas ainda este ano. Além do PRR, o novo FEAMPA 2021-2027 é um dos instrumentos centrais para o financiamento e desenvolvimento do setor do mar e prevê uma alocação de 378,6 milhões de euros de fundos comunitários. O Programa Operacional que será brevemente apresentado por Portugal à Comissão Europeia será colocado em discussão publica e aprovado no decorrer do 1.º semestre de 2022.
Que dimensão atribui à aquacultura no futuro das pescas?
Este setor de atividade tem absorvido investimentos significativos nos últimos anos com o objetivo de assegurar uma aquicultura ambientalmente sustentável, eficiente, inovadora competitiva e baseada no conhecimento. Os resultados começam a ser visíveis com um crescente volume de produção e com uma maior diversidade de espécies produzidas, que não se resumem a peixes e bivalves, visto que têm sido realizados investimentos vários na produção de algas, que representam um potencial enorme, para a alimentação humana e fabrico de rações, mas também para outras indústrias, como a da cosmética ou dos biocombustíveis, com a vantagem de que as algas são ainda capazes de captar carbono e assim contribuir para o combate às alterações climáticas. Também o estado de maturidade já alcançado nas tecnologias de produção aquícola em offshore permite perspetivar uma evolução muito positiva deste segmento de atividade nos próximos anos.
É uma atividade com impacto ambiental. É para apostar?
De uma forma geral, importa garantir que o inevitável crescimento desta atividade (dada a crescente procura de alimentos) se desenvolva de uma forma que simultaneamente garanta a competitividade económica internacional e a minimização dos impactos da atividade, promovendo a sustentabilidade do setor. Nesse sentido, perspetivamos que o próximo programa de apoios europeus do FEAMPA se foque em investimentos produtivos que reforcem os níveis de inovação (produtos, processos, startups, cooperação com centros de investigação), de eficiência energética, de adoção de princípios de economia circular, de digitalização e de internacionalização, não descurando a redução do impacto da atividade no ambiente que a rodeia, a saúde e bem-estar animal e a melhoria das infraestruturas de suporte à atividade.
A sobrepesca é uma preocupação?
Embora não tenha uma dimensão muito relevante no contexto das pescas portuguesas, a sobrepesca constitui uma permanente preocupação de todos os responsáveis do setor e tem merecido no quadro nacional e comunitário um vasto conjunto de medidas visando a sua eliminação. Em primeiro lugar, o reconhecimento da importância da investigação científica para a correta avaliação dos níveis sustentáveis da captura a realizar pelos diversos tipos de frota.
O que está a ser feito?
Além da fixação de TAC e quotas, a medida de gestão mais importante para a União Europeia, existe um conjunto de medidas técnicas europeias, que se referem, por exemplo, às malhagens das artes e tamanhos mínimos, e um conjunto relevante de medidas nacionais com defesos e áreas de interdição à pesca que têm contribuído para gestão regional dos nossos recursos. Finalmente, o reforço do controlo é indispensável para fazer cumprir as disposições da Política Comum de Pesca e garantir a conservação dos recursos pesqueiros, assegurando o combate à pesca ilegal, não reportada e não regulamentada.
Como encara a presença em Portugal da certificação MSC, para a pesca sustentável?
O MSC, tal como outras certificações ambientais, garante uma informação ao consumidor de que o peixe que consumimos hoje estará também disponível para as próximas gerações, promovendo a sustentabilidade dos recursos e a sua valorização. É parte integrante do consumo responsável que todos queremos incentivar e que apoiaremos, sendo certo que parte de iniciativa dos agentes económicos do setor. Atualmente, nenhuma espécie tem certificação MSC mas estamos disponíveis para colaborar com setor, como fizemos na certificação da sardinha entre 2010 e 2013, uma vez que se trata de certificações que asseguram a sustentabilidade na captura e valorizam o produto, facilitando o acesso a determinados mercados.