A indústria têxtil e do vestuário poderá perder mais de 50 mil postos de trabalho na próxima década. A estimativa faz parte do estudo 'Visão Prospetiva e Estratégias ITV 2030', apresentado no Simpósio da Indústria Têxtil, evento que decorre, nesta terça-feira, e no qual o setor pretende traçar "uma visão estratégica" para a próxima década. São três os cenário traçados e que preveem perdas de 11 mil a 56 mil empregos. Uma visão prospetiva para a próxima década, desenhada num contexto de "elevada volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade". Para a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), há uma única certeza: a indústria fez um trajeto "notável" na última década e, independentemente do cenário a considerar, "há futuro para a indústria têxtil e do vestuário (ITV)".
O estudo é da responsabilidade da ATP e contempla três cenários distintos, desde a visão mais pessimista, que admite o desaparecimento de 3500 empresas e de mais de 56 mil empregos, à mais otimista, que prevê o encerramento de cerca de mil empresas e de mais de 11 mil postos de trabalho. A grande diferença está na riqueza gerada. No caso do cenário 'chumbo', o mais negativo, cairá para menos de cinco mil milhões de euros de faturação, enquanto as exportações se ficarão por pouco mais de quatro mil milhões de euros. Em contrapartida, no cenário 'ouro', o mais positivo, o volume de negócios do setor subirá para mais de 10 mil milhões de euros, com as exportações a serem responsáveis por oito mil milhões de euros, um aumento de 30% e de 53%, respetivamente, face aos valores pré-pandemia.
A meio caminho entre os dois há o cenário 'prata', a "perspetiva conservadora, sem ser demasiado pessimista", admite a ATP no estudo, sublinhando a "probabilidade elevada" de este se verificar. E aqui estamos a falar de uma indústria que, em 2030, será constituída por um universo superior a 3500 empresas (contra as seis mil atuais) que empregam mais de 80 mil trabalhadores diretos, uma redução de mais de 51 mil face aos 131 539 existentes no final de 2020, ano em que o setor perdeu já, por força da pandemia, cinco mil empregos.
"Neste cenário, a maior ameaça é a desestruturação do cluster têxtil e vestuário, por perda substancial de massa crítica a jusante do mesmo, particularmente no que se refere às atividades de confeção, afetadas pela dificuldade em encontrar mão de obra capacitada e disponível a custos moderados, sem que tenham sido criadas medidas de compensação ou alternativas, quer por via da automação de processos, quer pela deslocalização para outros países de custos salariais mais baixos", pode ler-se no estudo.
Em declarações ao Dinheiro Vivo, o presidente da ATP garante que a meta é o cenário 'ouro' e que tudo está a ser feito para o conseguir. Quanto ao emagrecimento da fileira previsto em todos os cenários, Mário Jorge Machado aponta a questão demográfica: "Portugal, e o continente europeu, em geral, vai passar por problemas difíceis de substituição dos recursos humanos. Um problema que já hoje, em 2021, existe em muitas empresas e que se vai acentuar com o passar dos anos", garante, lembrando que 40% dos trabalhadores da fileira têxtil têm hoje mais de 50 anos. Ou seja, nos próximos 15 anos, o setor "vai precisar de 50 mil pessoas só para repor a mão de obra que se vai reformando. São valores muito significativos", sustenta. E, por isso, há uma "mensagem importante" a passar, é que o têxtil e o vestuário "é uma indústria inovadora, que dá formação e que gera oportunidades". Sem essa mensagem "será difícil", reconhece, já que a "competição pela mão de obra disponível no país será cada vez maior".
A robotização será uma ferramenta fundamental a ter em conta, já que permitirá amortecer o aumento dos custos dos fatores de produção, designadamente ao nível salarial. "Os preços dos produtos nos mercados internacionais têm subido pouco e uma empresa que queira refletir os aumentos salariais não consegue. Tem que ter ganhos de produtividade ou de perder margens e a margem já é estreita na grande maioria das empresas", defende. A solução está em "trabalhador produtos de maior valor acrescentado e em obter ganhos de produtividade, através do investimento em competências e em equipamentos".
Por outro lado, Portugal está no limiar da invenção de novas fibras têxteis, a partir da reciclagem de vestuário usado e com a incorporação de resíduos alimentares. "É uma oportunidade importante porque vai dar capacidade de produção de fibras à Europa, coisa que hoje não temos", diz Mário Jorge Machado.
Ao ministro da Economia, que irá encerrar o evento, o presidente da ATP vai pedir uma legislação "mais amigável" e apoios "mais importantes" para as empresas. "São as empresas e os seus trabalhadores que criam riqueza e que exportam os seus produtos. Mas a verdade é que o crescimento económico português continua a ser pequeno e continuamos a sofrer de leis que não nos permitem crescer", defende. Para Mário Jorge Machado, Portugal precisa de "pragmatismo na legislação e não de ideologia". "Há vários exemplos na Europa de países que têm leis que propiciam o crescimento económico, desde a Irlanda aos países de Leste, mas também a Holanda ou a Dinamarca, basta fazer benchmarking com esses casos", argumenta.
Sobre os apoios, o estudo assume o receio da indústria em ser relegada para segundo plano a favor das startups tecnológicas. "Existe o risco de os fundos comunitários a aplicar no período (até 2030), através do Plano de Recuperação e Resiliência e do Quadro Plurianual, terem um impacto limitado nas atividades transformadoras, com a migração dos apoios públicos para outros setores, comummente associados a maior modernidade, como as empresas tecnológicas ou de outras não transacionáveis, repetindo erros do passado", alerta a ATP. Por isso, recorda o Relatório Porter, que mantém atualidade, assegura, ao referir que são os setores tradicionais "os que melhor interpretam as vantagens competitivas do país".
Para a associação, há um "cenário idílico" sobre o potencial das "modernas atividades económicas", como as startups e os unicórnios tecnológicos, mas defende que é preciso "não esquecer" que o "suporte da base empresarial do país e da geração de emprego" está nas atividades da indústria transformadora, como a têxtil e o vestuário.
No estudo, a associação sublinha o "notável trajeto" da ITV na última década, transitando de uma atividade "predominantemente marcada pela subcontratação, em que pouco mais que o preço a distinguia da concorrência", para uma atividade centrada "no desenvolvimento do valor, na oferta de um serviço completo ao cliente, do design ao desenvolvimento do produto", com uma forte incorporação de conhecimento, criatividade, design e tecnologia, entre outros.
E se o passado ajudou a mostrar que o setor "resistiu sempre", saindo de cada choque competitivo "mais forte do que entrou, mesmo com o sacrifício de muitas empresa ineficientes e de muito emprego redundante", a associação nem tem dúvidas em garantir, pelo histórico vivido, que "há futuro para a ITV, independentemente do cenário, que pode ser mais ou menos positivo".
O trabalho deixa ainda recomendações várias aos diversos stakeholders do setor. Ao Estado é pedido que apoie "uma nova política industrial dentro do paradigma da reindustrialização", incentivando a criação de modelos de circularidade, mas também integrando nos sistemas de incentivos e medidas de apoio ao aumento da produtividade das empresas, designadamente considerando elegível o investimento direcionado ao reaproveitamento de equipamentos e à reconversão tecnológica produtiva. O Estado deverá, ainda, incentivar a recapitalização das empresas, através do Banco de Fomento e de outras entidades do sistema financeiro e de garantias mútuas, de modo a "superar fragilidades endémicas das PME". O combate à burocracia e a redução da carga fiscal são outras das recomendações deixadas.
Quanto às empresas, as fusões, aquisições ou acordos de parceria são fortemente sugeridos, na medida em que o ganho de dimensão é "fundamental" para a maioria das PME, "sob pena de se tornarem irrelevantes ou até desaparecerem precocemente, dada a crescente exigência da competitividade à escala global". Melhorar as práticas de gestão, pensar estrategicamente o negócio numa perspetiva de médio-longo prazo e promover elementos diferenciadores da oferta pelo investimento na inovação tecnológica são outras das recomendações, a par da intensificação da digitalização e do aumento da aposta internacionalização.
A aposta na terciarização do setor é outra das recomendações deixadas às empresas. "Tendo em conta que algumas fases dos processos produtivos justificam a deslocalização industrial, no todo ou em parte, para aumentar margens, importa fazer valer o know how adquirido e não prescindir dos centros de decisão, mesmo quando tal deslocalização é inevitável, evitando, assim, perder clientes e mercados", sublinha o estudo.