
Com as exportações a cair, com exceção das destinadas ao mercado norte-americano, que está a crescer quase 3%, a indústria têxtil e do vestuário portuguesa olha com apreensão para 2025 e a entrada em funções da nova administração liderada por Donald Trump. Em causa as guerras tarifárias prometidas pelo novo inquilino da Casa Branca e que levam a Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP) a pedir ao Governo e à AICEP que reforce os apoios à promoção “da imagem do país e da imagem da indústria”nos EUA.
O mercado americano representa cerca de 8% das exportações da fileira têxtil, com especial destaque para o vestuário e os têxteis-lar. Foram quase 500 milhões de euros em 2022, valor que caiu 10% em 2023, mas que este ano voltou a crescer, num quadro generalizado de quebra nos mercados externos. Nos primeiros nove meses do ano, a fileira exportou bens no valor de 4169,5 milhões de euros, menos 6% do que em igual período de 2023. Para os EUA foram 318,3 milhões de euros, mais oito milhões do que no período homólogo.
Mário Jorge Machado, presidente da ATP, assume “grande preocupação” com uma possível subida das taxas a aplicar aos produtos europeus, o que os tornará mais caros e levará o consumidor americano a comprar menos, mas também com as consequências de um aumento tarifário sobre as empresas chinesas que, não podendo vender nos EUA, irão procurar outros mercados, em especial o europeu.
“Todos sabemos que muitas das empresas asiáticas têm estratégias de entrada no mercado vendendo abaixo do preço. Perdem dinheiro durante alguns anos, mas depois ficam donos do mercado. Já o vimos acontecer em vários setores e é um grande risco para a Europa”, alerta.
Mas, como em tudo, há oportunidades. Há que não esquecer que grande parte das marcas americanas são produzidas na China e noutros países asiáticos e esse poderá ser um espaço a ocupar por outros fornecedores. “É verdade que serão os países da América Central e da América do Sul os primeiros grandes beneficiados, dado que têm acordos preferenciais com os Estados Unidos, mas o que temos dito às empresas é que se preparem para esta guerra passando à ação”, diz o presidente da ATP, que considera que é preciso desenvolver muito rapidamente missões empresariais aos EUA e trazer potenciais compradores a Portugal.
“É verdade que estamos muito longe dos preços chineses, mas temos outras vantagens, como as questões da sustentabilidade. Mas conquistar novos clientes obriga a um grande investimento e as empresas não conseguem fazê-lo sozinhas”, admite Mário Jorge Machado, que estima serem necessários “no mínimo, um milhão de euros ao ano”, sendo que, para serem eficazes, este tipo de ações têm de ser feitas em planos de três a cinco anos. “Se não se fizer este investimento, para promover o país e a indústria, outros o farão”, vaticina.
Já a indústria do calçado tem nos Estados Unidos o seu 6.º maior mercado, com as exportações a crescerem 44% desde 2018 para os 101 milhões de euros em 2023. Um valor que representa uma quebra homóloga de 11,3%, num mercado que importou menos 30% de calçado em 2023. Este ano, os números mantêm-se negativos, com o setor a exportar 1,6 milhões de pares no valor de 70 milhões de euros para os EUA entre janeiro e setembro, o que representa um recuo de 10,2% em quantidade e de 11,5% em valor.
É, no entanto, assume a APICCAPS, a associação do calçado, “o maior mercado do mundo” e o que apresenta “o maior potencial de crescimento” para as empresas portuguesas. “É, por isso, a nossa grande prioridade”, garante o porta-voz da APICCAPS.
Paulo Gonçalves mostra-se cauteloso na análise aos efeitos da eleição de Donald Trump. “Há uma ameaça clara de alteração significativa da política externa norte-americana, que naturalmente não desejamos. Não gostaríamos, naturalmente, que a política externa americana se alterasse de forma significativa. Rejeitamos sempre novas ondas protecionistas que penalizem o comércio internacional”, sublinha. Ainda assim, admite, os cenários em cima da mesa, com um aumento das taxas na ordem dos 10% para todos os players e de 100% para a China , “poderão não penalizar diretamente o calçado português”. Em todo o caso, sustenta, “é naturalmente difícil antecipar as consequências de uma decisão desta natureza”.
Em termos globais, as performance das exportações de calçado permanecem anémicas, embora tenham vindo a recuperar ao longo do ano. O setor terminou o primeiro trimestre com uma quebra de 18% e o semestre com um recuo de 15%. No fim de setembro, a quebra é de 10,3% em valor (1301 milhões de euros) e de 1,3% em quantidade (51 milhões de pares).
“No essencial, porventura por via dos investimentos que estamos a fazer, estamos a aumentar as exportações em todos os outros materiais, designadamente no calçado impermeável e têxtil, que regista um crescimento total de 6,9%. A exceção é o calçado em couro, que recua 16,6%”, avança Paulo Gonçalves. A expectativa é que os últimos meses do ano possam já trazer “alguma recuperação”.
Outro dos setores industriais que tem vindo a apostar crescentemente nos EUA é o da madeira e mobiliário, com os móveis portugueses a representarem 75% do que vendemos para este mercado. Em 2010, os EUA valiam 13 milhões para esta fileira, o ano passado ultrapassaram os 139 milhões. E a AIMMP, a associação das madeiras e mobiliário, mostra-se confiante que esta tendência se manterá.
“Não obstante os anúncios públicos de potenciais medidas restritivas dos EUA relativamente às suas importações, observamos que as tarifas que têm vindo a ser anunciadas são de maior aplicação a outros setores de atividade do que relativamente ao nosso”, diz o presidente da AIMMP.
Vítor Poças lembra que as medidas anunciadas são “muito mais impactantes relativamente aos produtos oriundos de países do Oriente do que propriamente da Europa, o que de alguma forma pode distorcer a concorrência com benefícios para a Europa”. A nível global, as exportações de madeiras e mobiliário estão a cair 5,3% para 2261 milhões, uma redução que Vítor Poças considera ser fruto do “ajustamento de preços” no pós-covid.
Por fim, a campeã das exportações de bens, a metalúrgica e metalomecânica, está a recuar 4,2% no acumulado do ano, devido à contração dos principais parceiros comerciais, como Espanha, França, Angola e também Japão e Turquia, para um total de 17,4 mil milhões de euros.
Em setembro, as exportações da fileira cresceram 10,1%, face ao período homólogo, para mais de dois mil milhões de euros, o que leva a associação do setor, a AIMMAP, a mostrar-se “confiante” na recuperação da quebra até ao final do ano, permitindo que o Metal Portugal termine 2024 “com números muito semelhantes” a 2023, quando atingiu o valor recorde de mais de 24 mil milhões de euros.
As vendas para os EUA estão a crescer 4,4% para 574 milhões e Rafael Campos Pereira, vice-presidente da AIMMAP, admite que é preciso acompanhar a situação política com atenção, mas lembra que “o protecionismo à indústria local já vinha de trás” e que não é sequer exclusivo do governo federal.
“Há alguma inquietude por causa da presidência de Donald Trump, mas a questão do protecionismo não será muito diferente”, acredita.