Acabar uma viagem tem sempre sabor a porco agridoce com bocadinhos ácidos de ananás e amendoim salgado. Aquela lagrimazinha que se me escapa à saída da rampa mais feliz de Lisboa, quando descubro um sorriso familiar no meio de uma poça de estranhos e papéis com apelidos, tem 50% de cloreto de sódio para 50% de cana-de-açúcar..É mentira, as percentagens são mais salgadas que calóricas mas, nessa altura, entre o largar o carrinho e abraçar com carinho, já não se olha para trás. Afinal, quem é que volta a embrulhar o presente preferido?.A primeira pergunta que me fazem, já vem com a repetição de um refrão. Agora é a altura em que toda a gente quer saber se foi "giro" (foi), se não estava já fartinha da boa vida (nem por isso), se não morro de saudades do nosso pãozinho (olha) e do que é que eu gostei mais (arroz com pardais? Se isso é pergunta que se faça a quem viveu 150 dias excecionais). A conversa acaba sempre com as seguintes reticências: "depois tens que me contar tudo". E de repente, uma amnésia total..O Tudo vai aparecer nos próximos dias, semanas, anos. E da maneira mais chata possível. Porque não há nada que desespere mais alguém que não foi de viagem que ouvir referências pessoais e intransmissíveis de um turista-a-dias. É como quando alguém te obriga a ver o vídeo de casamento daquela prima afastada ou o álbum da lua-de-mel num Club Med qualquer. "Aqui havia um barzinho onde bebíamos um cocktail fofinho chamado "Pombinhos-Para-Sempre", lembras-te amor?".Leia mais: Crónicas Asiáticas em imagens.E então, eis que tudo se torna uma memória. Seja qual for a palavra que ouça, o viajante vai vomitar um facto com sabor a exótica nostalgia. "Isso foi em Moscavide? Que engraçado, uma vez na Índia...". "O teu irmão fez o quê? Isso não é nada, um dia, em Huacachina..." E é nessas alturas que eu dava metade das minhas pestanas para ser uma grande mentirosa e inventar peripécias ainda mais épicas, anedotas ainda mais divertidas..Mesmo assim, pestanejando totalmente, só posso responder com ligeiras poesias. A malta diz "pevides" e eu lembro-me das tardes passadas nas tascas de Hanoi, a avó diz "pijama" e eu recordo as aperaltadas cambodjanas a ir ao mercado, vestidas de cama, alguém diz um "Ai", e eu rimo com o delicioso Pad Thai e com o Sticky Rice (que eles dizem Rai) e mesmo quando ninguém diz nada, eu lembro o Silêncio no maior lago birmanês, nas montanhas do Laos, nas cavernas do Vietname. E basta alguém sorrir para eu me recordar de todos os sorrisos em línguas diferentes. E até a dormir, eu sei que vou sonhar com esta gente..Aquela que chega a Lisboa não é a mesma que daqui partiu. Gastei 7 kilos e 3000€, ganhei 150 dias de vida e um verão extra. Trouxe temperos e palavras novas, milhares de memórias bronzeadas, noites bem dormidas, manhãs bem acordadas. Gostei muito de ser eu, durante 5 meses. Acho que acabei de encontrar a resposta para o que gostei mais.......disso e do mar turquesa das praias da Tailândia, e do misticismo ocre dos templos de Bagan, e da areia em pó da ilha do Cambodja, e das manhãs submersas nos rios no Laos, e da comida surpreendente do Vietname, e dos mistérios de Angkor Wat, e das aventuras de piratas em Halong Bay, e dos sorrisos acriançados do Myanmar, e dos mercados de Phnom Pehn, e dos Budas de Hpa-an, e dos entardeceres em Hoi An, e da vida louca em Bangkok, e da vida leve em Don Khon, e da vida linda em Kampot e da vida toda em Luang Prabang. E sobretudo, da vida nova que aí vem....Não achavam que eu ia ficar por aqui, pois não?.Até para o ano que vem!.Menos de um ano depois da despedida, Mami Pereira regressa às viagens. Não perca as Crónicas Asiáticas, todas as 5ª, no Dinheiro Vivo. Acompanhe também todos os passos da viagem no Facebook e no Instagram..Leia ou releia todas as Crónicas Asiáticas aqui