Tirar o debate de 1980, trazer o país para 2022

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Salário mínimo de achómetro, sem olhar ao estado da economia e aos fatores que o deveriam nortear. Condições laborais dos funcionários públicos discutidas sem atentar ao serviço que prestam nem diagnosticar onde são mais necessários - e com que perfil. Progressão nas carreiras dos professores reclamada sem gastar um minuto a pensar no envelhecimento da classe e na sua desadequação à revolução digital e às características dos jovens e crianças de hoje.

Não é que os temas tenham perdido importância, mas em Portugal toda a discussão continua a ser feita em 1980 - não é só no aeroporto, na ferrovia, nas obras públicas, mas em tudo quanto respeita o trabalho, a burocracia, os serviços do Estado. Repito, serviços, aquilo que os cidadãos reclamam do Estado e que é financiado com o dinheiro dos cidadãos.

Não se pode levantar o pé da vontade de melhorar a vida dos portugueses, mas as empresas, de quem dependem empregos e salários, são penalizadas a todos os níveis, o lucro é equiparado a crime, o investimento desprezado, o tecido empresarial maltratado e olhado com desconfiança pelo fisco e pelas estruturas do Estado, que afogam a iniciativa privada em burocracia.

Não há discussão política ou vontade parlamentar expressiva no sentido de cortar nos impostos brutais com que o Estado carrega os salários para se financiar - quase metade do que uma empresa paga a um trabalhador é desviado pelo implacável sorvedouro público antes de lhe chegar às mãos. Mas a esquerda, que reclama a bandeira da proteção da classe laboral, empurra-nos para um poço profundo de ainda mais despesa, paga por cada um dos portugueses que diz querer ajudar. E a direita, que sabe que sem empresas não pode haver emprego nem riqueza para redistribuir, enreda-se na discussão, em vez de forçar caminhos melhores.

A justiça é discutida no campo dos grandes processos de corrupção - que não devem ser relevados, mas não se perde um segundo a olhar a injustiça tremenda de um sistema a que só os miseráveis e os imensamente ricos conseguem chegar, dadas as custas judiciais impraticáveis (porque visam financiar o sistema) e os prazos legais que são mera miragem. A causa cível mais justa arrasta-se por anos, um processo de falência ou de arrendamento leva mais de uma década a estar concluído, um caso administrativo ou fiscal perde-se em recursos e adiamentos, esvaziando as sentenças do seu efeito, mesmo quando favoráveis.

A inquestionável importância da educação não é abordada pelos temas transformadores prementes, ficando-se sempre pelo circuito fechado das condições da classe docente e da avaliação - rejeita-se como contraproducente a retenção de um aluno por falta de aproveitamento escolar em disciplinas nucleares, mas impõe-se como castigo para quem não assiste a aulas de educação cívica impregnadas de ideologia. Não se extravasa o confronto (!) entre ensino público e privado, dando lastro à desonestidade intelectual propagandeada de que só os ricos põem os filhos em colégios com o pendor intuído de que devem ser castigados por isso. Não se fala sobre a preparação dos professores para ensinar crianças nascidas na era digital, sobre a formação e o acompanhamento que nunca chega aos docentes, sobre a adequação de programas e métodos que em plena revolução tecnológica são iguais aos de há 40 anos, sobre a necessidade de uma ligação cada vez mais precoce entre escolas e empresas para melhor encaminhar os jovens e suprir as necessidades da sociedade que se quer fazer evoluir.

Fala-se da saúde em termos de quem a defende pública vs. quem quer privatizá-la, em vez de focar o debate no serviço prestado aos utentes e em como melhorá-lo; ensaia-se métodos de fixar profissionais à força em vez de criar soluções para atrair médicos e levá-los a decidir-se pelo serviço público, sem perdas.

Fala-se de interioridade num país que se atravessa em três horas mas que tem duas velocidades, uma nas cidades litorais e outra no imenso território esquecido pelos decisores, mesmo os do poder local.

Nada disto se afirmou em duas semanas de debate de ideias que deviam ajudar-nos a escolher em quem votar para nos governar. Não se viu propostas transformadoras, aquelas de que Portugal precisa para - abertas a discussão focada e aprazada ao compromisso de rápida aplicação - crescer e se desenvolver. Não é pelo IRS jovem que vamos conseguir manter os que aqui nasceram e atrair outros que tragam mais-valia na bagagem quando a moda de viver em Portugal passar. É urgente darmos o salto para 2022.

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