Tirar os pés de chumbo à Península de Setúbal

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A Península de Setúbal está inserida numa NUT II e NUT III que contabilizam dados socioeconómicos da mesma área geográfica, ou seja, a Área Metropolitana de Lisboa.

Contudo, os últimos dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística, reportando-se ao ano de 2015, indicavam que a península de Setúbal contava com um PIB por habitante de 12.519 euros, enquanto o resto da AML apresentava um PIB por habitante de 27.382 euros.

É evidente que a Península de Setúbal tem características socioeconómicas diferentes da restante NUT II e NUTIII em que está inserida. Ou seja, a realidade a norte do Tejo é distinta da realidade que se encontra a sul.

Importa recordar que em dezembro de 2019, em audição realizada na Assembleia da República, a Ministra da Coesão Territorial reconheceu a importância de a península de Setúbal ter uma política própria para acesso a fundos comunitários. Foi uma pergunta realizada pela PSD, e a primeira vez que assunto foi debatido na atual legislatura.

No entanto, desde dezembro de 2019 até à presente data não existiu qualquer medida do governo que corrija esta situação. O tecido empresarial da península de Setúbal continua a ser negativamente discriminado pela ausência de políticas públicas adaptadas às suas necessidades.

Contexto atual da península de Setúbal

As exigências para a saúde, setor social, proteção do emprego e empresas assumem uma nova realidade em todo o continente europeu.

As necessidades da península de Setúbal não são diferentes. Mas as limitações no acesso a fundos comunitários assumem uma maior dimensão no setor económico, particularmente nos apoios ao emprego e empresas.

Com o modelo atual, apenas excecionalmente o tecido empresarial da península de Setúbal acede a fundos comunitários. Nos últimos anos esta excecionalidade ocorreu na agricultura, empresas exportadoras, entre outras linhas de apoio. Porém, tiveram uma dimensão significativamente inferior quando comparadas a outras semelhantes no resto de país.

Ou seja, mesmo os setores económicos que beneficiaram de fundos comunitários tiveram um acesso qualitativo e quantitativo mais diminuto que outras regiões do território nacional.

Os efeitos da covid-19 na economia necessitam de uma resposta do governo e das instituições da União Europeia para manter a economia existente. Mas muito especialmente as empresas e os empregos que estas geram e mantêm.

Os efeitos negativos da pandemia covid-19 são transversais a diferentes setores económicos em todo o país.

É evidente que a realidade do país anterior à covid-19 mudou. Essa mudança reflete-se igualmente nos indicadores socioeconómicos que em outra ocasião poderiam justificar empregar mais meios de apoio à economia numa região em detrimento de outra. Intensificou-se a necessidade de a Península de Setúbal aceder a todos os fundos comunitários de uma forma transversal.

Se a estrutura e forma de funcionamento dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimentos é relevante para operacionalizar um sistema solidário nos estados membros, será antagónico que essa solidariedade não abranja regiões como a península de Setúbal.

Capacidade económica da península de Setúbal

Apesar de muitos dos postos de trabalho e bens tangíveis não serem elegíveis como despesas para efeitos de quaisquer apoios a Fundos Europeus Estruturais e de Investimento a península de Setúbal desempenha um importante papel na economia portuguesa.

A península de Setúbal contribuiu nos últimos anos entre 6% a 10% das exportações portuguesas. É uma região fortemente industrializada por empresas de todas as dimensões.

Neste sentido é uma região que contribui para o stock líquido de capital país e para as exportações portuguesas. Sendo fundamental manter e melhorar o stock líquido de capital e capacidade exportadora para concretizar a retoma económica do país.

A contração do PIB em 7,6% no ano 2020, deveu-se sobretudo à quebra no consumo privado e exportações, especialmente no turismo. Mas a recuperação dos 15,4 mil milhões de euros pelo setor privado contará com parcos recursos do Plano de Recuperação e Resiliência. Um terço será para o setor privado e dois terços para o público.

Apesar da recuperação do país residir na tipologia empresarial (não tem ainda uma forte presença do setor turístico) que se encontra no tecido produtivo da península de Setúbal, o acesso desta região a fundos comunitários é limitado.

As empresas desta região tiveram acesso limitado a adiantamentos, reprogramações e eventuais aumentos de níveis de coparticipação dos investimentos que ocorreram. Porque eram pouco os investimentos elegíveis para acesso a fundos europeus face às linhas de apoio em execução.

A atual legislação e regulamentos de acesso a fundos europeus não permite a inclusão de bens em estado de uso e contratos de trabalho realizados em data anterior à candidatura para acesso à linha de apoio do fundo europeu.

A impossibilidade de inclusão de bens em estado de uso e contratos de trabalho celebrados em data anterior à candidatura para acesso a uma linha apoio de fundos europeus afeta gravemente a possibilidade de manter o stock líquido de capital da península de Setúbal. Uma vez que investimentos em curso não são podem ser apoiados.

Aumenta-se assim o risco de perder investimentos em meios humanos e materiais e afetar estruturalmente a capacidade produtiva da região com os consequentes efeitos na economia nacional, particularmente na exportação.

Neste sentido, é fundamental que a península de Setúbal tenha acesso transversal aos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento que sejam futuramente disponibilizados.

O país, e a região da Península de Setúbal, têm perdido com a falta de alavancagem financeira que os fundo comunitários permitem. Torna-se evidente que o Projeto de Resolução proposto pelo PSD que propõe uma NUT III para estes nove concelhos é um "primeiro passo" acertado.

Contudo, o próximo desafio será decidir a política adequada com os dados socioeconómicos que forem revelados com a criação desta NUT III.

Em primeiro lugar será fundamental não misturar este processo com a regionalização, como a Ministra Ana Abrunhosa o fez em declarações no Parlamento.

Em segundo lugar é crucial que o governo construa uma proposta que confira à Península de Setúbal um estatuto de uma NUT II correspondente ao seu território com 9 concelhos. Ou, alternativamente, que esta região esteja numa NUT II que permita receber fundos comunitários condizentes com os níveis socioeconómicos expressos no cálculo estatístico que a NUT III revelará.

De uma forma ou de outra, o governo não deve deixar de atuar. A ausência de atuação da Ministra da Coesão Territorial transmite a ideia de que a NUT III será criada contrariando a vontade do governo. E que continuará a existir "barreira governativa" difícil de ultrapassar para permitir o acesso adequado ao principal instrumento de financiamento público e privado em Portugal: os Fundos Europeus Estruturais e de Investimentos, commumente designados fundos comunitários.

Nuno Carvalho, deputado do PSD

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