Trabalhadores portugueses são os que mais rendimentos perdem com a transição energética

Salários. OCDE avaliou a perda de rendimentos dos desempregados de indústrias com elevadas emissões e concluiu que, em Portugal, é superior a 60%, mais do dobro do que nos outros países
O encerramento da refinaria da Petrogal em Matosinhos levou a um despedimento coletivo de 150 trabalhadores em maio de 2021. Alguns continuam desempregados
O encerramento da refinaria da Petrogal em Matosinhos levou a um despedimento coletivo de 150 trabalhadores em maio de 2021. Alguns continuam desempregadosArtur Machado / Global Imagens
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A transição energética tem custos, designadamente ao nível do trabalho, mas estes são particularmente elevados em Portugal. De acordo com o mais recente relatório sobre o emprego da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), que analisou, ao longo de seis anos, o efeito da perda de emprego nos rendimentos dos trabalhadores de setores com maiores emissões de gases com efeito de estufa (GEE) e concluiu que, com menos de 30%, as perdas médias anuais de rendimentos “são particularmente baixas na Austrália, Canadá, Alemanha, Países Baixos, Noruega e Suécia, mas são especialmente elevadas em Portugal, onde ultrapassam os 60%”. É o pior registo entre os 14 países analisados.

Com dados da Austrália , Áustria, Canadá, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Alemanha, Hungria, Países Baixos, Noruega, Portugal, Espanha e Suécia, o relatório da OCDE destaca que as diferenças entre países na perda de rendimentos dos trabalhadores revelam sobretudo “diferenças estruturais na dificuldade de encontrar outro emprego, refletidas pela taxa de desemprego, e no funcionamento dos mercados de trabalho, e não diferenças na composição das empresas e dos trabalhadores”. E acrescenta: “Estas diferenças estruturais estão, por sua vez, provavelmente relacionadas com a presença de políticas e instituições do mercado de trabalho eficazes e coerentes e, em particular, de políticas que facilitem a transição no mercado de trabalho”. 

O tempo para encontrar novo emprego e o número de dias trabalhados depois de o encontrar são fatores que ajudam a explicar a diferença. Em Portugal, especifica a OCDE, mais de 43 pontos percentuais de perda de rendimento devem-se à demora em conseguir novo emprego, que foi superior a um ano; 24 pontos percentuais têm a ver com o facto de terem sido trabalhados menos dias e 5 pontos percentuais referem-se à perda salarial no novo emprego. Já na Suécia, o país com a terceira menor perda de rendimentos, o emprego e os dias trabalhados explicam, respetivamente, 14 pontos percentuais e 9 pontos percentuais. 

O estudo reconhece que a transição energética trará novas oportunidades em atividades com baixas emissões, mas também aumentará o risco de perda de emprego nas que têm elevadas emissões. E atendendo às “persistentes perdas de rendimentos” associadas a esta transferência, a OCDE considera que as preocupações dos trabalhadores são “compreensíveis”. O problema, reconhece, é que essas preocupações podem “prejudicar o apoio público” às políticas de mitigação das alterações climáticas.

De acordo com o relatório, as indústrias com elevadas emissões, que incluem a produção de energia, a indústria transformadora pesada, bem como os serviços de transporte, foram responsáveis ​​por cerca de 80% das emissões de GEE na OCDE em 2019, mas representaram apenas cerca de 7% do emprego global.

A questão é que, estima a OCDE, entre 2019 e 2030, o emprego nas indústrias com elevadas emissões deverá contrair-se a uma taxa média anual superior a 2%, em resultado das “metas ambiciosas” de redução de emissões (por exemplo, o pacote legislativo Fit for 55 da UE), “muito acima da média anual de declínio do emprego de cerca de 1% observado nessas indústrias desde 2000”, o que “sinaliza um aumento pronunciado no risco de despedimento” nestes setores. 

E de que tipo de trabalhadores falamos? Diz a OCDE que se trata, “predominantemente, de trabalhadores do sexo masculino, um pouco mais velhos e com maior probabilidade de residir em zonas rurais”. Mais, tendem a trabalhar em empresas com salários “relativamente elevados, mas têm um nível de escolaridade relativamente baixo”. A combinação destes fatores ajuda a explicar a dificuldade em encontrarem rapidamente nova ocupação. 

A transição para uma economia descarbonizada “oferece grandes oportunidades para a criação de emprego e para o desenvolvimento económico”, mas, “sem atenção às competências, alguns trabalhadores, como os que trabalham em indústrias em declínio ou com acesso limitado à educação e à formação, podem ficar para trás”, alerta a OCDE.

A recomendação é para que os responsáveis políticos de cada países desenvolvam políticas específicas para apoiar os trabalhadores nesta transição energética, “não só para mitigar as perdas de rendimento e facilitar as transições profissionais para empregos de qualidade, mas também para mostrar que as preocupações com a perda de emprego estão a ser abordadas”.

São ainda necessárias políticas de melhoria de competências e de requalificação viradas para o futuro e eficazes para apoiar a transição para indústrias e profissões emergentes e a aquisição de novas competências, recomenda a OCDE.

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