A digitalização é hoje tema do dia, mas já vem sendo concretizada há anos - basta pensar no relacionamento que temos com o nosso banco. Porque há ainda tanto desconhecimento ou receio sobre o tema?
Temos visto em Portugal um grande avanço ao nível da digitalização, e observados isso no sucesso do MBWAY, na utilização da Internet por 83% da população portuguesa, ou no grau de digitalização muito elevado do nosso sistema tributário - que é um dos melhores da Europa e que muito tem feito para combater a fraude fiscal no nosso país. O que acontece é que em muitas áreas ainda não estamos como seria suposto, em particular na gestão das empresas. Um caso óbvio é o nosso ao nível do e-commerce, mais pelo lado das empresas do que do lado do cliente. O conhecido estudo We Are Social indicava que em 2019 65% dos portugueses já tinha feito alguma transação online, algo que de certeza que disparou durante a pandemia, mas paradoxalmente, sabemos que 90% das empresas portuguesas não vende online. E, em parte, é o reflexo de uma parte do tecido empresarial. Por exemplo, sabemos que 26% das empresas portuguesas considera já ter completado a transformação digital, o que não só revela que não compreenderam que esta é uma transformação contínua, como é importante que o façam para que o Portugal consiga ter o crescimento económico que desejamos.
A perspetiva de perda de empregos e substituição do homem por robôs com skills altamente especializados é um risco para a nossa sociedade?
É um risco semelhante ao que os artesãos correram quando se inventou a maquinaria industrial. Houve quem não se adaptasse e visse a sua função desvalorizada por máquinas que faziam melhor e mais rápido, da mesma forma que outros aproveitaram a mudança, novos empregos e especialidades foram criadas, e deu-se um significativo salto de longo prazo na qualidade de vida. Provavelmente, estamos a viver uma situação semelhante e na qual é fundamental que a nossa aprendizagem seja contínua e a adaptação muito rápida. As profissões de trabalhos repetitivos e de pouco valor acrescentado irão provavelmente desaparecer a prazo, mas nascerão outras e todos seremos mais produtivos num mundo em que o software trata das tarefas repetitivas, chatas e administrativas, e onde os seres humanos podem estar dedicados à criatividade, decisão estratégica e liderança. Como referiu o incontornável Yuval Noah Harari, a evolução do ser humano deu-se pela sua capacidade de inteligência ficcional coletiva, e penso que devemos olhar para a tecnologia como uma espécie de power up das nossas capacidades de colaboração e criatividade, não como substitutos. Se olharmos para as empresas, isto é ainda mais verdadeiro. Imagine o que é uma empresa que tenha o software a tratar de todo o trabalho administrativo? Não teremos uma empresa com menos pessoas a fazer a mesma coisa, teremos uma empresa com as mesmas pessoas que fará muito mais e será muito mais rentável. Temos de ver o copo meio cheio, não meio vazio.
A questão dos empregos que vão desaparecer é uma das mais prementes. Estamos a fazer o suficiente para garantir que não teremos uma crise social e humanitária dentro de poucos anos?
Penso que ainda não estamos a fazer tudo o que é possível, e é prioritário que haja um debate profundo e sério sobre este tema. Não de uma forma fatalista, mas de preparação de Portugal para a sociedade da era digital. E esta preparação deve ser pensada no ensino obrigatório pelo menos em três níveis. Primeiro, a mentalidade digital, que permite que todos conheçam as vantagens e desafios de um mundo em alta velocidade e constante mudança. Depois, a adaptação comportamental a este novo mundo onde as solicitações são constantes e roubam-nos o foco, onde a privacidade e a cibersegurança devem ser uma preocupação, e no qual a aprendizagem contínua deve ser fomentada desde cedo. Por fim, competências digitais como a programação serão cada vez mais importantes e devem ser incorporadas nos currículos, tal como o é a matemática, a história ou a língua portuguesa. Se queremos preparar a sociedade para o futuro temos de incorporar estas competências no ensino.
De que forma o 5G tem nisto um papel ativo e importante? E a atitude do regulador a prejudicar a evolução?
Não tenhamos dúvidas que o 5G será uma porta aberta para um salto tecnológico incrível, com todo o conceito das cidades inteligentes, Internet of Things e inteligência artificial a funcionar em pleno. Até agora, já havia a tecnologia, mas ainda não tínhamos a infraestrutura que permitisse tudo isto em grande escala. O 5G trará esta magnitude e melhorará certamente a nossa vida, e é certo que a polémica em torno da sua regulação, é por si só, um sinal de que é uma coisa séria e que não deve ser levada de ânimo leve.
Que conselhos daria a quem desempenha hoje funções pouco especializadas? E de que forma pode a gestão de uma empresa antecipar-se aos problemas?
Quem tem funções pouco especializadas tem uma grande oportunidade de requalificação para a área da TI, onde existe cada vez mais necessidade de talento qualificado. Existem inúmeras escolas de programação ou implementação de software, como por exemplo o projeto que temos na PHC de requalificação profissional para desempregados ou pessoas à procura de mudar de carreira (chama-se Learning Experience). Quanto à gestão das empresas, costumo dizer que every business is a software business. Ou seja, que todas as empresas precisam de ter uma gestão suportada por software em todas as áreas da organização. Só assim serão mais rápidas a reagir aos problemas, com informação sempre acessível, controlo de custos, processos automatizados e pessoas em colaboração constante. O software é a peça chave para a agilidade das empresas e para a rápida adaptação. Aliás, um dos grandes segredos da PHC é a utilização do software para tudo, o que nos permite, como aconteceu em 2020, uma resposta em tempo útil a todas as adversidades e desafios que foram surgindo.
Além da digitalização, a pandemia mudou a forma de gerir e as organizações. Quais são as modificações mais flagrantes e que vieram para ficar?
Posso destacar três grandes alterações ao nível da gestão. Primeiro, o teletrabalho trouxe um novo pensamento sobre a produtividade, já que a microgestão de controlo pela observação torna-se numa impossibilidade, obrigando a que se olhe mais para entrega do resultado como o elemento essencial de avaliação, e não o número de horas que uma pessoa trabalhou. Depois, abriu-se a porta para os novos modelos de negócio transformarem setores tradicionais. Por exemplo, vimos alguns restaurantes apostarem nas entregas ao domicílio e negócios de entrega de fruta em casa por modelos de subscrição - negócios que se transformaram para dar resposta à conjuntura. Por fim, vemos novos hábitos na gestão das empresas que perdurarão no regresso ao escritório, como as reuniões por videoconferência ou a formação online. O que é engraçado é que há um denominador comum em todas estas alterações, chama-se software. Pois nada disto seria possível se não houvesse tecnologia pronta para responder ao desafio de gestão. Felizmente, qualquer empresa portuguesa tem à sua disposição ferramentas que lhe permitem gerir melhor e ter maior sucesso perante situações adversas.
Há ainda resistência a estas mudanças?
Como em qualquer processo de mudança, há desde os early adopters até aos mais céticos. O que me leva a pensar que a questão é mais: "por quanto tempo haverá resistência?" Os que adotarem mais tarde as boas práticas de gestão ficarão para trás em relação aos que já estão a tirar partido do caminho digital. E como diria Charles Darwin, não são os mais fortes que sobrevivem, mas sim o que se adaptam mais rapidamente.
Quais são as características mais valorizadas hoje num emprego?
Vivemos numa "economia da experiência" e o mercado de trabalho não foge à regra. É por isso que as empresas que proporcionarem um maior impacto emocional do trabalho nas vidas dos seus colaboradores serão as mais valorizadas. Sabemos que empresas em que as pessoas se sentem bem, onde são reconhecidas e onde lhes é dado espaço para crescer, são as que proporcionam felicidade aos seus colaboradores. É também por isso que estamos a trabalhar neste projeto "Best Experience at Work" em que queremos redefinir toda a experiência de trabalho na PHC, e que será acompanhado da inauguração das nossas novas instalações nos próximos meses. Queremos continuar a concretizar este sonho de sermos uma empresa que proporciona todas as condições para cada um ser a melhor versão de si mesmo.