O Tribunal de Contas quer "mais rigor" dos donos de obras públicas na elaboração de projetos e na interpretação do que são "circunstâncias imprevistas" que possam justificar trabalhos adicionais. É que, só nos últimos três anos, os trabalhos a mais realizados em empreitadas públicas levaram a um agravamento de custos destas em 106 milhões de euros. Já os trabalhos suprimidos geraram uma poupança de 44 milhões de euros, pelo que o aumento dos encargos para o erário público decorrentes dos contratados adicionais foi de 61 milhões de euros.
Em causa estão 2.709 contratos analisados, entre 2017 e 2020, pelo Tribunal de Contas, referentes a obras de 395 entidades públicas, num valor global de 3.795 milhões de euros. Destas empreitadas, 771 foram alvo de 1.580 atos ou contratos adicionais, que determinaram acréscimos financeiros de 106 milhões e a supressão de trabalhos contratuais no valor de 44 milhões.
Os dados constam do mais recente relatório do Tribunal de Contas, que destaca que o número de adicionais a contratos de empreitadas remetidos à instituição diminuiu em 2017, para 297 casos, mas voltou a subir nos anos seguintes. Em 2018 foram 454 e, no ano seguinte, atingiram já os 829. "O valor do acréscimo de encargos aumentou e o da supressão de trabalhos contratuais diminuiu", frisa.
Tal como "diminuiu ligeiramente" a percentagem de contratos de empreitadas em que não houve lugar a alterações. Foram 1.938, correspondentes a 71,54% do universo total analisado. E a maioria correspondem a obras das autarquias. "No universo dos contratos de empreitada de obras públicas que não foram objeto de alteração, a Administração Local continua a ser o setor que outorgou o maior número (1.459), bem como o maior montante (1.267 milhões de euros)", pode ler-se no relatório, que especifica tratarem-se de empreitadas referentes a vias de comunicação e a edifícios.
Nas 771 obras sujeitas a alterações de contratos, a Administração Local é, também, a responsável pelo maior número de contratos adicionais - 505 no total -, mas é ao setor empresarial do Estado que corresponde o montante mais elevado, quer nos contratos iniciais, no valor de 803 milhões, quer no agravamento de custos, que foi de 49 milhões. Se conjugado o aditamento de trabalhos com os suprimidos, explica o Tribunal de Contas que a maior expressão líquida foi na Administração Local, com 32 milhões de euros.
A Infraestruturas de Portugal lidera simultaneamente a tabela das entidades com maior número de contratos sem alterações - 146 contratos no valor de 418 milhões de euros -, como a tabela das que registam maior volume de trabalhos adicionais e de trabalhos suprimidos: são 362 atos em 137 obras, com um valor global de quase 45 milhões de euros de trabalhos a mais e de quase 25 milhões nas supressões.
As autarquias de Sintra, Vila Nova de Gaia e de Lisboa e a Domus Social - Empresa de Habitação e Manutenção do Município do Porto são as restantes entidades listadas como tendo o maior número de contratos sem alterações. Já nas obras com maior volume de trabalhos adicionais, destaque para os municípios de Lisboa e Braga, para a EMEL - Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa, e para a Parque Escolar. Já a lista das entidades com maior volume de trabalhos suprimidos inclui, ainda, a Parque Escolar, a EMEL, a Gebalis - Gestão do Arrendamento da Habitação Municipal de Lisboa e a autarquia lisboeta.
A instituição presidida por José Tavares refere, ainda, que os donos de obra respeitam, em geral, o limite quantitativo para o aditamento de trabalhos a mais, mas que "o limite legal para aditamento de trabalhos de suprimento de erros e omissões continua a ser desrespeitado em alguns dos contratos". Mais, o Tribunal de Contas considera que o regime introduzido pelo Código dos Contratos Públicos (CCP) para a identificação dos erros e omissões dos cadernos de encargos e dos projetos e a partilha de responsabilidades pelos mesmos "não tem sido nem devidamente observado nem eficaz para induzir maior rigor" nas obras públicas. E é por isso que recomenda à Assembleia da República e ao governo que sejam criadas "exigências e condições acrescidas" para um maior rigor dos projetos, "regulando o regime jurídico" da revisão dos mesmos.
Além disso, pretende que seja "regulado de forma clara" o regime de responsabilidade do cocontratante pela não identificação de erros e omissões do caderno de encargos na fase de formação dos contratos e que seja ponderado o estabelecimento de normas legislativas que, "de forma clara e inequívoca, impeçam que as decisões dos tribunais arbitrais legitimem despesas efetuadas em violação do regime legal aplicável", designadamente o previsto no CCP para os trabalhos complementares.
Às instituições públicas recomenda, entre outras, que aprovem projetos de obras públicas "rigorosos", que compatibilizem os projetos das várias especialidades, e que se pronunciem "expressa e cuidadamente" sobre os erros e omissões identificados pelos concorrentes durante o prazo para apresentação de propostas. Que observem os requisitos legais para a realização de trabalhos complementares e que "procedam à sua verificação rigorosa" antes de os autorizarem. Sublinha ainda que há que ter em conta, para esse efeito, que "as circunstâncias agora denominadas imprevisíveis são apenas aquelas que sejam qualificáveis como inesperadas ou inopinadas". Sem esquecer que há que promover a "adequada imputação de responsabilidades" por erros e omissões detetados durante a execução da obra, "assegurando a responsabilização do cocontratante quando aplicável".