Cheira a anos 80. Cavaco Silva até escreveu uma crónica a desafiar António Costa a fazer melhor do que ele para sair desta crise crónica em que estamos enterrados. Cavaco Silva, meu Deus, não há ninguém que me faça mais lembrar os anos 80 do que Cavaco Silva a irritar socialistas. Dizem que é por causa da guerra da Ucrânia, esta crise e esta inflação, como se fôssemos parvos: uma dívida astronómica, uma carga fiscal proibitiva e um setor produtivo quase inexistente, mas a culpa é de Putin. Somos parvos, é um facto. Já éramos na década de 80.
Ponham lá o nariz no ar: não vos cheira a Planta no pão e a marmelada, a bicicletas sem travões e a bolas de trapos? Não cheira a brincar na rua, ao jogo da macaca e a férias em casa dos avós, a malas em cima dos carros e a gasolina cara? Cheira que tresanda a mais água na sopa porque a carne está pela hora da morte, a guisados cheios de massa e de batata para empanturrar a canalha. Cheira a papo-secos e a leite com café; a natas no leite e ao passador para passar as natas; a roupa herdada e a roupa de feira; às bananas que eram só para as crianças, até que deixaram de o ser. Cheira a um país sem dinheiro, triste, sem planos, sem estratégia como só os socialistas sabem fazer.
Ainda ontem ouvi o Herman José, e chorei a rir outra vez. Diz ele ter voltado aos espetáculos ao vivo. Cheirou-me logo à Roda Sorte, lembram-se? Era ele quem nos fazia rir naquela altura.
Nos anos 80 as coisas estragavam-se e não se arranjavam. Não havia como e não havia dinheiro. Éramos pobres, o socialismo tinha dado cabo de nós e do país. Era crise por todo lado: na agricultura, na indústria, na educação, nos serviços. As aulas acabavam em maio e começavam no final de outubro. Ou não. Todos os anos era uma surpresa e uma alegria. Greves, seca, inflação, manifestações. Lembram-se? Agora não há indústria, nem agricultura, também não há manifestações de jeito, é verdade. Não há ação, nem reação. Mas voltámos à inflação. Preços a subir e rendimento a descer. É uma brisa nova com cheirinho antigo e familiar, melancólico, tal e qual um tributo aos Queen ou a casa dos avós. Agora contamos os trocos e fazemos contas porque acabaram-se as prestações. Quem não tem dinheiro não tem vícios, como diziam os ditos avós.
Cheira que tresanda aos idos 80. Até estreou um novo Top Gun. E lá está o Tom Cruise, as mesmas músicas, o macho alfa, a América prometida dos anos 80, que continua a ser a América prometida a Portugal de 2022. O mesmo contraste, a mesma diferença, a mesma vertigem. Só nos falta um novo Regresso ao Futuro e um novo Indiana Jones para a angústia ser ainda maior. Até temos a Rússia contra o Ocidente, meu Deus. Os Migs contra os F14.
E os socialistas? Nada disto seria possível sem os indispensáveis socialistas. O Largo do Rato faz parte do cenário das fisgas e dos ténis Sanjo, dos Kispos e das casas onde não há pão e ninguém tem razão. Digam-me lá em que altura os socialistas conseguiram viver sem provocar uma crise? Não há, é uma coisa só deles, a crise. Um dia é a bancarrota, outro dia é aumentar a dívida como se não houvesse amanhã, hoje é a inflação tal como há 40 anos e sempre a carga fiscal. Ah, a carga fiscal... Eles e a carga fiscal é uma relação doentia, tóxica, como os namoros digitais.
Foi assim nos anos 80 e é assim 40 anos depois. Mudam-se tempos, mudam-se as moscas mas os socialistas são os mesmos. Cheira ou não cheira?
Jurista