
"A União Europeia (UE) recupera o dinheiro mal gasto a passo de caracol", sendo que montantes elevados por recuperar de fundos europeus "podem incentivar menos respeito pelas regras nas despesas e trazem riscos para a reputação" dos sistemas de controlo dos fundos europeus, alerta o Tribunal de Contas Europeu (TCE) numa auditoria especial sobre os sistemas da Comissão para recuperar as despesas irregulares da UE, publicada esta terça-feira.
Os valores irregulares em causa são significativos. "Entre 2014 e 2022, o total das verbas da UE mal gastas em todas as áreas chegou a 14 mil milhões de euros", calcula o TCE na nova auditoria.
O coletivo de juízes sediado no Luxemburgo acredita que "é possível acelerar e aumentar a recuperação" destas verbas irregulares, isto é, fundos que foram gastos, mas que não cumpriram as regras vigentes.
"Quando o dinheiro da UE não é gasto segundo as regras, considera-se que as despesas são irregulares" e "estas representaram 4,2% do orçamento em 2022", diz o auto-intitulado "guardião das Finanças da UE".
No entanto, continua a instituição, é possível que "uma parte ou a totalidade destas verbas possam ser recuperadas, quer diretamente pela Comissão, quer pelo Estado-Membro ou pelo organismo responsável pelos fundos."
Seja como for, o TCE constata que "a Comissão Europeia regista as verbas mal gastas com rigor e rapidez, mas muitas vezes demora demasiado tempo a recuperar o dinheiro".
Problema grave nos fundos da agricultura
"No setor da agricultura, a percentagem de despesas recuperadas é especialmente baixa, embora varie muito consoante os países da União Europeia (UE)" e "nesta área, os fundos são geridos com os Estados-Membros e estes são os principais responsáveis", acrescenta o Tribunal.
Como referido, "entre 2014 e 2022, o total das verbas da UE mal gastas em todas as áreas chegou a 14 mil milhões de euros" pelo que "é fundamental recuperá-los de forma a manter a integridade financeira da UE e garantir o funcionamento do seu sistema de controlo interno".
O órgão judicial observa que "recuperar" fundos europeus gastos de forma irregular "significa pedir de volta parte ou totalidade das verbas pagas a uma organização de execução ou a um beneficiário que posteriormente se considerou não terem cumprido as regras do financiamento que receberam".
"Em 1% a 8% dos casos, a Comissão acaba por desistir da cobrança"
E é aqui que os problemas começam. Segundo o TCE, "depois de se pagar, é frequente demorar-se muito tempo para recuperar o dinheiro, se é que se recupera de todo".
Pelas contas do Tribunal, "passam entre 14 e 23 meses desde a conclusão das atividades financiadas até à emissão de um pedido de reembolso, e mais 3 a 5 meses até as verbas serem recuperadas". Pior: "Em 1% a 8% dos casos, a Comissão acaba por desistir da cobrança", lamenta o TCE.
Portanto, tendo em conta este cenário e os 14 mil milhões de euros gastos de forma errada ou irregular nos nove anos em análise (2014 a 2022), "não se devem poupar esforços para recuperar sem demora o dinheiro da UE mal gasto", sublinhou Jorg Kristijan Petrovič, o membro do TCE responsável pela auditoria.
"A UE deve-o aos contribuintes. Qualquer soma que não se consiga recuperar prejudica a confiança dos cidadãos", alerta o juiz.
Problema tem vindo a piorar
No relatório anual relativo a 2022, publicado no final do ano passado, o TCE já sinalizava que este problema se estava a agravar. Dizia que, "entre 2021 e 2022, a percentagem de verbas mal utilizadas aumentou, passando de 3% para 4,2% do orçamento".
"Por isso, a recuperação efetiva dos fundos é cada vez mais importante. No entanto, a Comissão Europeia só gere diretamente 20% do orçamento, o que dificulta a correção dos erros e a recuperação do dinheiro", aceita o TCE.
"Os principais problemas com a recuperação de verbas que são geridas de forma direta e indireta se devem à demora entre a deteção das despesas irregulares e a emissão do pedido de reembolso" e "na área das ações externas, faltam informações sobre o impacto de algumas despesas irregulares".
Como resolver
"Para acelerar as recuperações, o TCE recomenda que se reduza não só o tempo necessário para determinar as despesas irregulares, mas também para iniciar os processos de recuperação".
Para isso, "sugere que se melhore o planeamento das auditorias e se analise o impacto financeiro das despesas irregulares sistemáticas".
O Tribunal propõe também que "se voltem a introduzir incentivos que existiam no período de financiamento anterior para que os Estados-Membros recuperem verbas na área da agricultura".
Recorda, por exemplo, que "nesse período, os Estados tiveram de reembolsar ao orçamento da UE metade do dinheiro que não tinham recuperado num prazo de 4 a 8 anos".
Além disso, o auditor da UE recomenda que "a Comissão Europeia forneça dados anuais precisos e completos sobre as despesas irregulares e as medidas tomadas para as corrigir, para que o processo possa ser aperfeiçoado no futuro".
O TCE estima que "só 20% do orçamento da UE é aplicado diretamente pela Comissão Europeia" e que do restante "cerca de 70% é gerido em conjunto com os Estados-Membros e 10% indiretamente através de outras organizações internacionais ou de países terceiros".
"As responsabilidades da Comissão nesta área variam em função do tipo de gestão e da área do orçamento da UE. Na gestão direta e indireta, a Comissão é responsável por detetar e registar as despesas irregulares e, em seguida, recuperar as verbas. Na gestão partilhada, delega nos Estados-Membros essa função, mas mantém a responsabilidade final pela garantia."
Assim sendo, "é possível que uma parte ou a totalidade destas verbas possam ser recuperadas, quer diretamente pela Comissão, quer pelo Estado-Membro ou pelo organismo responsável pelos fundos", acredita o TCE na nova auditoria.