Com o aumento da inflação e, por via disso, das taxas de juro, Portugal está, de novo, em apuros.
A culpa é da gigantesca dívida pública que atingiu um limiar verdadeiramente preocupante para a sustentabilidade a longo prazo das finanças públicas, expondo o país ao risco de ataques especulativos - hoje refreados, é certo, pelo apoio do Banco Central Europeu - e de uma espiral perigosa que a subida das taxas de juro podem desencadear. Só por si, tal pode conduzir a uma crise de confiança no futuro.
Mas a culpa não é só da gigantesca dívida pública. Os outros grandes problemas são a permanência da baixa produtividade e, consequentemente, a fraca capacidade de crescimento, e a ausência de um rumo - de uma estratégia - para o país, que pudesse conferir alguma esperança aos Portugueses.
Para além da perda de rendimentos que a inflação impõe, o que, para breve, se perspetiva é que, por um lado, teremos uma maior prestação para pagar em impostos (os juros da dívida pública) e, por outro lado, um rendimento (salário real) cada vez mais miserável para o fazer, porque o crescimento marginal que a economia regista a tal conduz.
Efetivamente, mais do que a dívida, as "sombras" que estão lentamente a "matar" Portugal são (i) a ausência de crescimento económico - bastaria acelerar a velocidade do nosso PIB para as taxas do norte da Europa e a dívida diminuiria naturalmente - e (ii) a ausência de uma estratégia para o país como um todo, para além da estratégia particular de manutenção no poder do partido incumbente, o partido socialista, que serve apenas uma parte reduzida da população.
Para o Portugal que os atuais dirigentes socialistas têm vindo a construir, o crescimento económico e a esperança num futuro melhor para todos parecem ser uma missão impossível. A OCDE, no seu "Compêndio de Indicadores de Produtividade", não deixa margem para mal-entendidos. É verdade que, em geral, especialmente desde a crise de 2008, o crescimento da produtividade atingiu um abrandamento geral no conjunto da OCDE. Mas, em Portugal, o fenómeno assumiu dimensões preocupantes e temos uma economia que há mais de duas décadas cresce menos do que a média dos outros países da zona Euro e que nos últimos vinte anos estagnou.
Uma longa e dolorosa lista de problemas estruturais tem sido elaborada por vários observadores. O declínio está ligado a muitos fatores, que podemos tentar agrupar em quatro grandes macro categorias, e que são as "sombras" - as "amarras" e os "bloqueios" impostos sobretudo pela ação centralista do governo - que estão a sufocar o país. Sem pretender ser exaustivo, a lista apresentada de seguida teima em perdurar, tal como os "nossos" governantes, e deveria ser suficiente para estimular um debate sério entre a sociedade civil e as forças políticas com vista a delinear um Portugal de esperança, com o retomar de um caminho de desenvolvimento abandonado há demasiado tempo.
1. Dificuldades das empresas. É cada vez mais difícil fazer negócios em Portugal, desde logo devido à carga fiscal, às condições de acesso ao crédito, ao (in)cumprimento dos contratos, à fragmentação do tecido produtivo com uma presença excessiva de micro, e Pequenas e Médias Empresas (PME), incapazes de investir na Investigação e Desenvolvimento (I&D). Na era da robótica e da globalização, assim se compreende que as despesas de I&D continuem a ser inferiores às das principais economias europeias e territorialmente concentradas. Em países com governos eficientes as empresas são:
Ajudadas a atingir o tamanho "certo" que lhes permite o equilíbrio adequado entre flexibilidade, adaptabilidade à mudança, solidez e prontidão para serem agressivas no estrangeiro, capazes de penetrar em novos mercados, bem como de manter uma posição de sucesso no país.
Orientadas para a especialização em produções com relevante conteúdo tecnológico e facilitada a eliminação de "empresas zombies".
Mas, infelizmente, em Portugal não é assim.
2. Proteção do emprego, competências e fuga de cérebros. A proteção do emprego não coincide com a proteção individual do emprego, o que é problemático num cenário internacional altamente competitivo em que mudanças setoriais e dimensionais se tornam permanentemente necessárias para a competitividade das empresas. O trabalhador deve ser protegido, economicamente salvaguardado e ajudado a reconverter-se e a encontrar um novo emprego, com a adoção de políticas ativas de emprego que efetivamente nunca existiram.
Portugal não só está atrás dos países avançados em termos da percentagem de licenciados universitários, como também tem um dos níveis mais alarmantes de "desajustamento" entre os percursos escolhidos pelos jovens e as necessidades do mercado de trabalho; ou seja, sem orientação estratégica, não há um casamento aceitável entre a procura e a oferta de mão-de-obra, havendo, por isso, trabalhadores que são sobre qualificados ou subqualificados para as necessidades. Acresce que o país sofre da ausência de políticas laborais ativas para a aprendizagem ao longo da vida, mas também de uma crónica falta de cooperação entre as universidades e o mundo empresarial.
Além disso, os níveis salariais, ligados a uma estrutura de produção frequentemente com baixo valor acrescentado, têm levado muitos licenciados brilhantes - possivelmente os melhores - a emigrarem, tornando os recursos profissionais indispensáveis à economia ainda mais escassos, com consequências extremamente negativas para a competitividade do país.
3. Desequilíbrios territoriais e setoriais. Em termos territoriais, de um lado está o litoral apoiado e mais produtivo que absorve praticamente todas as ajudas públicas, do outro lado está o interior pobre, improdutivo, desumanizado e envelhecido de onde são extraídos todos os recursos possíveis sem qualquer recompensa - veja-se o caso do negócio das barragens da bacia do Douro pela EDP à Engie que, até ao momento, tem estado isento de impostos. Em termos setoriais, a aposta tem assentado em setores com relevante criação de emprego, mas de pior performance em termos de produtividade, como é o caso dos restaurantes e serviços de alojamento.
Na produção e distribuição de muitos serviços persiste uma abordagem excessivamente reguladora e protetora, que gera ineficiências generalizadas e produz diariamente externalidades negativas em muitos setores de atividade e em muitos territórios locais.
4. Administração pública ineficaz. Incapaz de fornecer bens públicos de qualidade, o setor público é tendencialmente extrativo e impõe uma burocracia invasiva, dispendiosa e ineficiente, que geralmente dificulta, em vez de ajudar, a atividade económica. A sua ação impõe um pesado atraso infraestrutural, tanto em termos de infraestruturas materiais como imateriais, devido à compressão do investimento público e à fraca capacidade de proporcionar incentivos adequados ao investimento privado.
Oferece-nos um sistema judicial injusto e ineficaz, caracterizado por uma multiplicidade de leis, muitas vezes conflituosas entre si e "em camadas", acompanhado de muito pouca capacidade de "execução" para induzir o cumprimento, quando, pelo contrário, era preciso um sistema de justiça rápido que fizesse melhor uso da inovação tecnológica e dos recursos digitais hoje disponíveis.
Oferece-nos igualmente um sistema fiscal injusto e ineficaz, que mantém impostos excessivamente elevados sobre as famílias e empresas que os pagam, mas permite algumas das maiores evasões e evasões fiscais do planeta. O sistema fiscal precisa de ser simplificado e reequilibrado, favorecendo a mistura certa de impostos diretos, indiretos e sobre a riqueza, considerando explicitamente o papel "incentivador" ou "desincentivador" que cada sistema de taxas induz num sistema económico. Um sistema fiscal justo e eficiente é também eficaz no combate à evasão, e crucial no objetivo fundamental de crescimento equilibrado do país.
Oferece-nos ainda o nepotismo, o clientelismo, a corrupção, as práticas de má gestão, e a obscuridade que impedem o fornecimento de bens públicos de qualidade recomendável.
Acresce que a coordenação política entre instituições e administrações centrais e locais é complexa e desarticulada, tornando-se dispendiosa em termos dos recursos que absorve e da burocracia que produz.
Em suma, com um governo cujo único desígnio é aumentar o peso do setor público no PIB, sem atender à qualidade do que oferece, e como forma de manutenção no poder, o país continuará "com o coração nas mãos" com máximos históricos no endividamento, na despesa pública e na carga fiscal. Nem as ajudas - igualmente históricas da União Europeia - são capazes de reverter a situação de caos na saúde, na educação, na justiça, nos transportes e, enfim, em tudo que depende do governo. E assim se vão agravando as desigualdades que, supostamente, se dizem combater, e se contribui para a preferência - por quem pode - pelos serviços oferecidos pelo sector privado.
Professor Catedrático da Faculdade de Economia da Universidade do Porto, Sócio fundador do OBEGEF. oafonso@fep.up.pt