Um estudo da Universidade de Coimbra concluiu que a pandemia contribuiu para que os portugueses tenham redescoberto o país, especialmente o mundo rural. O impacto da covid-19 nas férias de verão dos portugueses foi analisada pelos investigadores Susana Silva e Paulo Carvalho, do Departamento de Geografia e Turismo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC), sendo que ambos consideram estarmos perante "uma oportunidade para mudar o paradigma do turismo para um modelo mais sustentável, há muito reivindicado, especialmente através da redistribuição dos fluxos turísticos, e também para apostar no mercado interno e no turismo doméstico, não só a curto prazo, mas devendo-se prolongar e intensificar no pós-pandemia".
"Como sou muito cética, não sei se isso vai acontecer", disse ao DN Susana Silva, que partiu para este estudo no final de maio de 2020, quando começou a abrir a atividade turística. "Já tinham saído relatórios da OCDE e já se falava muito nos espaços de turismo da natureza e na procura que estavam a ter. No cômputo geral, comparando com os hotéis, o turismo rural foi a modalidade que menos caiu, no total do ano, e depois também foi aquele que recuperou com uma maior expressão", acrescenta a professora.
De acordo com os autores do estudo, esta investigação pode ser uma importante ferramenta para os diversos atores territoriais e operadores turísticos se adaptarem às tendências de consumo decorrentes da pandemia. Intitulado Impact of COVID-19 on summer holiday behaviours: evidence from Portugal"e publicado na revista internacional de investigação em Turismo e Hotelaria Anatolia, o estudo teve como objetivo avaliar o impacto da pandemia de covid-19 nas tradicionais férias de verão dos portugueses.
Para tal, os investigadores aplicaram um questionário direcionado a todos os turistas nacionais que realizaram pelo menos um período de férias em Portugal, entre junho e setembro de 2020, tendo obtido uma amostra válida de 685 participantes de diversas zonas do país. Em comparação com as férias antes da pandemia, as praias continuaram a ser o destino mais popular para a maioria dos entrevistados, embora tenha havido um ligeiro declínio. Mas o campo, as montanhas e rios do interior ganharam popularidade.
As motivações dos inquiridos ficaram bastante claras ao longo do questionário. "A segurança que estes locais transmitiam, relativamente ao facto de terem menos pessoas. Naquela época, em que uma das recomendações era o distanciamento, e tanto se insistia em estar longe de aglomerações, foi claramente apontado como uma das motivações. Ora se uma das condições para não ficar infetado era não estar em sítios com muita gente, foi isso que as pessoas procuraram", enfatiza Susana Silva.
"O facto desses locais serem menos densamente povoados foi, por uma vez, um fator que jogou a favor do interior e do mundo rural durante este período", sublinha a investigadora, certa de que, naquele primeiro ano de pandemia, "se associava um maior risco de transmissão às cidades". De resto, numa reportagem publicada pelo DN em finais de setembro de 2020, era disso mesmo que davam conta diversos autarcas da região do Pinhal Interior, numa altura que muitos redescobriram também a [estrada]Nacional 2 como destino turístico.
"É interessante porque um aspeto que é tão negativo - a interioridade e a parca densidade da população - acabou por funcionar como um atrativo", afirma Susana Silva, que agora está curiosa para ver os dados de 2021, e comparar com os que deram origem a este trabalho. Os inquéritos ainda estão a decorrer mas serão fechados em breve. "O que importa salientar é que o rural conseguiu de alguma forma ser criativo ao ponto de criar condições para o retorno, nomeadamente do turismo doméstico, que foi aquele que nos salvou. Importa agora perceber se aumentou, relativamente a 2020. Estamos expectantes para perceber o que aconteceu: se é uma tendência muito associada à conjuntura, ou se poderá criar-se um padrão e permanecer no tempo. Era ótimo se isso acontecesse. Continuo a achar que o rural tinha a faca e o queijo na mão para se posicionar no universo do turismo e no território".
De acordo com o estudo, cerca de 34% dos entrevistados passaram pelo menos um período de férias na sua zona de residência (NUTS II); 10% tiveram pelo menos um período de férias na sub-região de residência (NUTS III) e aproximadamente 25% nas sub-regiões vizinhas.
O perfil sociodemográfico da amostra indica um maior número de entrevistados do sexo feminino, com idades entre 40 e 64 anos (particularmente 45-54), com formação universitária e ocupações profissionais distintas.