UBS: Consumidores estão a gastar mais em "tudo o que possa ser publicado no Instagram”

Economias europeias estão a crescer a um ritmo “ok”, mas o consumo está a ser feito em experiências e serviços –“ bares, restaurantes, viagens de lazer, concertos da Taylor Swift” - ao invés de produtos
UBS: Consumidores estão a gastar mais em "tudo o que possa ser publicado no Instagram”
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As palavras são do economista-chefe do UBS Global Walth Management, Paul Donovan, que avisa ainda que, “naturalmente, isto há-de acabar”. Mas, para já, a tendência tem crescido e é esta e a “divisão entre países do norte e do sul está de volta”. Ainda que não pelas mesmas razões que antes.

Num encontro com jornalistas esta manhã, em Lisboa, para apresentação do UBS Year Ahead 2025 | Roaring 20s: The Next Stage, Donovan salientou que economias como Portugal, Espanha, Grécia ou Itália estão a ter bom desempenho, muito alavancados por esta mudança nas tendências de consumo. “As pessoas, agora, gastam dinheiro a divertir-se”. Quando questionado sobre o que isto significa, foi assertivo: “tudo aquilo que possa ser publicado no Instagram, ou no TikTok ou no que quer que usem agora”, atirou com um sorriso.

“Ninguém vai para a Alemanha para se divertir. As pessoas vêem para Lisboa, ou para Itália...”, notou. “Esta alteração” de comportamento “está aqui” e isso é muito claro pelos dados que recolhemos. A tendência mantém-se”, mas não durará para sempre, notou.

Esta mudança de alocação dos rendimentos também afetou a China, onde a procura interna tem desacelerado, graças à incerteza que rodeia os consumidores. “As pessoas não sabem se vão ter emprego no próximo ano, e portanto reatraem-se. Em jeito de justificação, Donovan contou como as casas de luxo – entre elas a LVMH, dona de marcas como a Don Pérignon ou a Louis Vuitton – também estão a olhar com preocupação para as suas filiais na China, onde o consumo caiu signficativamente nos últimos meses.

No mesmo sentido, alguns alarmes começaram a soar em relação ao consumo dos norte-americanos, com os sentimentos nacionalistas a pesar cada vez mais no sentimento dos compradores. “Os americanos estão a gastar menos dinheiro em marcas europeias, seja de roupa ou de carros”, nota o responsável.

E já que tínhamos um pé do outro lado do Atlântico, o melhor foi mesmo falar daquilo que se espera da nova era económica dos EUA. Donovan explicou que apesar do que se sente nas ruas, e que inevitavelmente interfere na forma como se faz política, aquilo que tem de ficar claro é que as economias estão “perfeitamente ok”. Mas, salienta, há vários fatores que estarão na agenda dos próximos tempos, e uma delas é a já referida questão do nacionalismo, “a que estamos a assistir em vários países, e não apenas nos EUA” Isso tem que ver com algo que está perfeitamente estudado, garante: “Quando há períodos de mudança e de insegurança, as pessoas têm de encontrar responsáveis a quem culpar. Se há menos empregos é porque não deviam estar tantas mulheres no mercado de trabalho, ou então a culpa é dos imigrantes...é o que chamamos de “scapegoat economics” (economia do bode expiatório). Geralmente os alvos são os grupos que, mais recentemente, ganharam direitos”, explica. Mesmo que os dados não mostrem nada disso.

“O que estamos a ver é que isto está para durar, porque está a ter consequências políticas e há políticas a ser decididas com base nestas premissas”.

Os trabalhos de Trump (ou do mundo)

Para Donovan, há três questões principais a ter em conta, agora que Donald Trump chegou (novamente) à Casa Branca: “A política orçamental e a desregulação, a imigração e as tarifas”, sendo que considera a última a mais importante e crítica.

Isto porque, explica, os cortes nos impostos deverão continuar a acontecer, até porque os Democratas lhes são favoráveis, e tendo ainda larga posição no Senado, não será um problema. Quanto à desregulação, explica, só terá um efeito exponencial no crescimento se a regulação o tiver travado. Algo de que duvida. “Nas economias avançadas, a regulação é uma dor, mas não trava o crescimento. Se quiserem um exemplo, desde o Brexit é-me mais difícil entrar na Suíça, porque tenho de preencher uma série de documentos. Mas eu não vou à Suíça menos vezes por causa disso. Simplesmente, é mais chato para mim”, conta, divertido.

Na imigração, um dos temas mais quentes da campanha de Donal Trump, Donovan diz que é preciso esperar para ver. “Trump falou em deportar milhões de ilegais e de cidadãos americanos – deve desconhecer a 4.ª Emenda da Constituição Americana – e, se isso acontecer, o impacto na economia vai ser muito severo”, continua.

Porque, explica, “se é verdade que Joe Biden deportou cerca de um milhão de pessoas por ano, fê-lo na fronteira: elas chegavam, estavam ilegais, eram deportadas. Trump está a falar de deportar pessoas totalmente incorporadas na economia. E isso vai ter imensas consequências, porque significa que estamos a tirar pessoas de funções que sofrem muito com falta de mão-de-obra”, razão pela qual geralmente se encontra imigrantes ilegais a fazê-las, o que vai “quebrar a cadeia de valor”, garante. “Se isto acontecer, quase de certeza que os EUA vão entrar em recessão, porque vai causar um choque económico severo”, garante.

“Creio que vamos, na verdade, assistir a uma política muito parecida àquela que tem sido levada a cabo até agora,, mas com mais cobertura por parte da Fox News”, resumiu. “Porque a verdade é que isso pode mudar a narrativa” e Donald Trump apresentar as mesmos 5 milhões de deportações que Biden, e fazer parecer que fez diferente do seu antecessor.

É na questão das tarifas que, apesar da incerteza, residem os maiores riscos, diz Donovan. Porque o impacto que essa imposição vai ter, seja em que moldes for, vai depender também da retaliação das economias que estão do outro lado.

“Trump pode escolher entre a aplicação de tarifas seletivas – por exemplo, para um país específico, como para os produtos que são importados da China – ou então por tarifas generalizadas, como o setor automóvel. Foi isso que ele fez no primeiro mandato com, por exemplo, as máquinas de lavar roupa que vinham de qualquer outro país. Resultado? Com menos concorrência, as empresas norte-americanas aumentaram os preços das máquinas de lavar roupa...”.

Se for esse o cenário, a inflação volta a ser um risco, para o qual a Reserva Federal norte-americana (FED) estará a olhar com atenção, considera ainda.

Na mesma ocasião, Donovan afirmou não acreditar que Trump cumpra o que disse sobre a aplicação de tarifas sobre os produtos que chegam aos EUA vindos do Canadá ou do México – são sobretudo comida e combustíveis – uma vez que isso causará um impacto negativo imediato no bolso dos consumidores. “Os consumidores nem notam bem a diferença de preço se vão comprar uma televisão, mas na comida já não é assim. O que me faz acreditar que na realidade não haverá tarifas seletivas em indústrias específicas...”, considera.

No entanto, defende, é preciso esperar para confirmar, porque tudo o que existe agora é uma grande nuvem de incerteza, que só se dissipará durante o segundo semestre do ano. “A chave está nos detalhes” e esses ainda não são conhecidos. “Mas esta é a forma de negociar de Donald Trump, jogar com a incerteza”.

Quanto à questão do descaso pelas energias renováveis, Donovan também não se mostrou particularmente preocupado, garantindo que a procura mundial por alternativas mais sustentáveis já está em marcha, e não vai ser possível invertê-la. “No Texas, grande parte dos empregos são na setor das renováveis...na instalação e na manutenção dos equipamentos. Não se pode abandonar”.

Imigração na Europa

Num regresso ao Velho Continente, a braços com um crescente ambiente de hostilidade para com as comunidades imigrantes, Donovan afirma que há, novamente, algumas variáveis a ter em conta. “São um grupo fácil de culpar, porque são diferentes de nós. E isso desumaniza-os e torna-os num grupo” com o qual não nos identificamos, sobretudo se estamos a falar de culturas e hábitos muito diferentes dos nossos. “Reparem, desde sempre que nós, ingleses, culpamos os franceses por tudo”, atira em jeito de brincadeira. “Mas a verdade é que geralmente os imigrantes são mais produtivos do que a população local – até porque são genericamente mais novos - e tendem a contribuir mais para os sistemas fiscais”.

E, continua, a “Europa tem de reconhecer que está a ficar sem pessoas. E menos pessoas significa uma menor taxa de crescimento. Portanto, ou aceitamos isso, e temos cidades mais pequenas e economias mais pequenas, ou temos de assumir que temos imigração, porque sem ela, vamos ter taxas de crescimento mais reduzidas”.

“A oposição á imigração não é automática. Quando as pessoas entendem a necessidade de ter imigrantes na economia, as coisas melhoram; e quando se conhecem imigrantes, não podemos desumanizá-los, e o sentimento também melhora”. Portanto, admite, é um processo que levará o seu tempo mas que, acredita, vai chegar a um equilíbrio.

Bancos Centrais

Houve ainda tempo para uma espécie de 'bola de cristal' sobre as decisões que poderão vir a ser tomadas pelos bancos centrais, em termos de taxas de juro, nos próximos meses. Para Donovan, é claro: O BCE vai ser o mais agressivo, baixando as taxas de juro até aos 2%n o final do ano. O Banco Central Inglês deverá baixar as taxas de juro em 0,75pp e o FED assumirá um corte de o,5pp.

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