Ser capaz de ter uma “leitura adulta” – aquela em que, quando olhamos para um texto escrito o lemos de imediato, sem sequer pensar nisso – é essencial para a vida em sociedade. Da bula de um medicamento ao enunciado de um problema matemático, passando pela aquisição de conhecimento, a leitura e a escrita têm um papel fundamental na nossa vida. O impacto do programa “A a Z – Ler melhor, saber mais” foi um dos temas em debate no segundo episódio do podcast “Educar +”, um projeto da Iniciativa Educação em parceria com a TSF e o Dinheiro Vivo, que reuniu Gabriela Velasquez, a coordenadora regional do programa para o distrito do Porto, e Fernando Ferreira, docente no Agrupamento de Escolas nº1 de Gondomar e professor-tutor do programa nos últimos cinco anos. .“O nosso objetivo não é apenas ensinar os alunos, colmatando as dificuldades que têm. O que pretendemos é aproximar estes alunos da média da turma”, explica Gabriela Velasquez, que alerta para o facto de que, sem uma intervenção externa ao contexto do grupo, o fosso destes alunos em relação ao resto da turma não só se mantém como vai aumentando. .Pôr a “mão nas letras” .Fernando Ferreira destaca a vertente hands on do programa como ferramenta fundamental para o seu sucesso. “Realizamos quatro sessões semanais de 45 minutos e temos uma componente muito prática”, explica. Tudo começa com uma leitura do professor para o aluno com o propósito de fomentar o interesse. “A criança descontrai, aquela barreira [em relação à leitura] perde-se e ele gosta deste ambiente”, diz o professor. “Esta primeira fase tem um objetivo de desenvolvimento da linguagem oral e das competências de compreensão dos textos - objetivos direcionados para a motivação para a leitura”, acrescenta Gabriela Velasquez. “Uma criança com dificuldades na leitura não consegue ler autonomamente um texto que lhe seja interessante, porque a sua competência de leitura é muito reduzida. Mas se houver um adulto que leia para ela, a criança vai perceber que os textos escritos podem ser interessantes”, continua a coordenadora. .Depois destas primeiras leituras, os alunos apoiados pelo programa “A a Z” partem para a leitura de letras, sílabas e palavras (se estiverem no primeiro ano de escolaridade) ou para a leitura repetida de parágrafos de um texto (se estiverem no segundo), com as quais começam a ganhar mais confiança nas suas capacidades, explica Fernando Ferreira. A par disto, vão também desenvolvendo novas capacidades na escrita através do registo de palavras ou da sua análise morfológica. .Para Gabriela Velasquez, este treino tem um papel fundamental na ultrapassagem das dificuldades. “Para atingirmos uma leitura fluente e conseguirmos compreender aquilo que estamos a ler é essencial que se treinem e automatizem estes processos básicos da leitura. Isto porque todos – adultos e crianças – temos recursos de memória limitados e se estes estiverem alocados à descodificação (se a descodificação não for fluente) não vamos conseguir alocar recursos à compreensão”, explica. .O papel da família .Com o passar do tempo, a motivação dos alunos vai aumentando. “Começam a ver que têm sucesso na leitura, empenham-se e gostam de estar nas sessões. Muitas vezes as sessões são em fases do dia em que os colegas estão no recreio, como a hora de almoço, mas eles não se importam de estar ali porque estão a ter sucesso, a conseguir acompanhar. E é isto que lhes dá ânimo”, refere Fernando Ferreira, que garante que boa parte deste entusiasmo transvasa da sala de aula para casa. “O aluno está muito mais desperto, gosta do que está a fazer e quer mostrar aos encarregados de educação (neste caso os pais) que consegue ler e chega a casa e vai mostrar isso mesmo”, diz. .E a família também pode desempenhar um papel neste processo, como explica Gabriela Velasquez. “A intervenção dos pais ao nível da leitura e da escrita não é, de forma alguma, sistemática, mas há um conjunto de atividades de caráter mais lúdico que podem e devem fazer e que fazem toda a diferença até do ponto de vista do envolvimento do próprio aluno na aprendizagem”, afirma a professora. Na verdade, basta que os pais manifestem interesse pela leitura em frente aos filhos para que estes a associem a uma atividade potencialmente interessante. “Quando as crianças não assistem a atividades de leitura e de escrita em casa, é mais difícil entenderem o contexto escolar: para que é que têm de aprender algo que lhes exige esforço se não veem qual é o objetivo?”, alerta Gabriela Velasquez, que lembra que o site da Iniciativa Educação tem disponíveis diversos materiais que podem ser usados em casa. .Uma transformação que vai além do aluno .Ao longo dos últimos cinco anos, Fernando Ferreira tem testemunhado os resultados práticos do programa. Um dos mais visíveis passa pela maior participação nas atividades letivas da turma. “Os nossos alunos começam a querer ler em sala e aula, coisa que anteriormente não acontecia – um aluno com dificuldades na leitura não quer fazer os exercícios de leitura em voz alta”, explica o professor-tutor que dá ainda dois exemplos de sucesso do programa: uma aluna que concluiu o primeiro ciclo no quadro de mérito e uma outra que chegou a participar no Concurso Nacional de Leitura. .Como explica Gabriela Velasquez, a ultrapassagem das dificuldades e a aquisição de competências de leitura e escrita é essencial para o futuro destas crianças. “A leitura é uma ferramenta fundamental para o conhecimento, também em termos de futuro académico: nós começamos por aprender a ler para depois ler para aprender”, refere Gabriela Velasquez que destaca ainda a importância social destas competências. “Hoje toda a gente precisa de dominar a leitura e a escrita proficientemente. Esta é uma questão que também afeta a sociedade: precisamos de ter um conjunto de pessoas com competências de escrita diversificadas e complexas em todas as áreas”, defende.