Talvez mais preocupado com abençoar a Sino-América que com promover a Ibero-América, na sua recente viagem ao Brasil, Marcelo Rebelo de Sousa resolveu visitar Lula da Silva antes mesmo de se encontrar com Bolsonaro. O nosso Presidente não gosta do Capitão? Entendo perfeitamente, eu também preferia outro. Mas, daí a promover um dos maiores benfeitores do comunismo sul-americano vai uma distância muito grande. Não há boa imprensa que justifique a conivência com a miséria, a fome e a repressão política, entre outras pérolas dos regimes cubano e venezuelano.
Já noutros artigos falei do potencial da América Latina, em particular do Brasil e México. Algo que a nossa vizinha Espanha nunca ignorou. Telefónica, Santander, BBVA, Ferrovial, Riu são apenas alguns dos grupos que se expandiram além do Atlântico desde os anos 90. Mas, este fenómeno teve por base toda uma rede diplomática, cultural e educacional que, ao invés de negligenciar o património comum que une a Europa ao novo mundo, promoveu o melhor que a Jangada de Pedra tem para nos dar. Está na nossa natureza histórica potenciar-nos mutuamente na economia global, ao invés de nos limitarmos apenas ao continente ou bloco político-económico a que pertencemos.
Entre os países ibéricos, só a Espanha teve a perspicácia estratégica e a grandeza histórica de compreender e se comprometer verdadeiramente com a Ibero-América, ao ponto de tentar liderá-la. Portugal, não. Na Wikipédia, ainda somos considerados uma das raízes deste património. No papel, ainda pertencemos à Organização dos Estados Ibero-Americanos e comparecemos na Conferência Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo. Contudo, na prática, isto tem-se traduzido em croquetes, pastelinhos de bacalhau e pouco mais.
Além da Jerónimo Martins e algumas empresas de vestuário e calçado - nomeadamente, a Dielmar, que infelizmente faliu - os empreendedores portugueses não têm reconhecido suficientes vantagens em investir no outro lado do Atlântico. Talvez até tenham razão. Que vantagem competitiva podemos ter se há décadas os nossos representantes têm negligenciado o património comum que temos com as Américas? Somos uma nação que se envergonha do seu passado ao ponto de não sermos capazes de conceber um Museu das Descobertas sem incluir um memorial da escravatura. Será que a Rússia também se apresenta ao mundo fazendo memoriais de contrição sobre o Holodomor, ou a China sobre o genocídio maoista? E não são estes pecados históricos dignos de uma vergonha incomparavelmente maior?
As consequências desta negligência e autoflagelo moralista podem fazer-se sentir na convivência quotidiana com qualquer hispanófono. Perguntem a um espanhol ou a um latino-americano se Portugal pertence ou não à Ibero-América e logo verão a resposta. A maioria terá relativa facilidade em incluir o Brasil nesse conceito, mas certa relutância quanto ao nosso país. E não é por mal, eles simplesmente não estão habituados a ver-nos como parte integrante da constelação ibero-americana, pois não nos comportamos como tal. Focamo-nos quase exclusivamente no bloco europeu, vivendo de costas para as vantagens culturais, políticas e económicas que os Descobrimentos deveriam ter-nos proporcionado.
Felizmente, ao contrário do Brasil de Lula (que Marcelo fez questão de abençoar), o Brasil de Bolsonaro não favorece a aliança socialista do Foro de São Paulo e os interesses russo-chineses inerentes a este. Nem tampouco alimenta uma esquerda ressentida com o colonialismo que faz de Portugal o bode expiatório dos infortúnios brasileiros. O povo bolsonarista que inundou as ruas do país exigindo o voto impresso auditável vê os portugueses com bons olhos, como gente honesta, trabalhadora e empreendedora. Afinal de contas, é aos nossos emigrantes que compram o pão de cada dia. Só é pena que Marcelo, o Presidente dos afetos, apenas corresponda aos afetos que lhe interessam pessoalmente, à sua carreira política, em detrimento dos que de facto beneficiam a nação que preside.
Quanto ao México, nas últimas eleições, o partido Morena, criado por outro afiliado do Foro, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), perdeu a maioria da Câmara dos Deputados e sofreu um descalabro na CDMX. Pois, apesar de Cuba, Venezuela e Argentina, existe uma América Latina cansada da falsa igualdade, da corrupção e do estatismo, que acolhe o investimento ocidental e não rejeita o património comum que partilha com os países que dividiram o mundo no Tratado das Tordesilhas. Por outras palavras, ao invés de favorecer a Sino-América, prefere construir o seu futuro alicerçado numa Ibero-América que começa na Europa (Península Ibérica) e termina nos EUA (Península da Florida, Miami).
Por estes e outros motivos é que, no passado Maio, o Club de Exportadores e Iberglobal organizaram um webinar, contando com a presença do Secretário de Estado para a Espanha Global, Manuel Muñiz, com vista a reforçar os interesses das empresas espanholas na América Latina. Segundo o Prof. Alfredo Arahuetes, catedrático da Universidad Pontificia Comillas - ICADE (Madrid), os investimentos espanhóis no outro lado do Atlântico estão sobretudo concentrados num grupo de seis países que inclui, por esta ordem: Brasil, México, Argentina, Chile, Peru e Colômbia. Sim, leram bem, o Brasil está em primeiro lugar.
Serei só eu a perguntar por que razão Portugal ainda não apanhou este barco? Nos próximos dez anos deveria ser um imperativo o nosso país deixar de ser apenas um apêndice esquecido, entre os acepipes das reuniões internacionais, e impor-se de uma vez por todas como uma referência na Ibero-América. Precisamos de sair da sombra e conquistar o nosso lugar ao sol, construir relações diplomáticas, académicas, interculturais que sejam uma consequência efetiva do nosso património histórico e se traduzam numa teia de relações e num ambiente mutuamente atrativo do ponto de vista económico. O resto virá por si. Não faltará mercado para a criação de infraestruturas, produtos alimentares e vinícolas, têxteis, calçado e, porque não, mais e melhores padarias.
João AB da Silva, Economista e Investidor